Caso Delcídio Amaral: prisão de senador no exercício do mandato

25/11/2015 às 12:08
Leia nesta página:

O artigo analisa a decisão do ministro Teoria Zavascki que decretou a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral e discute a compatibilidade da medida com os dispositivos da Constituição Federal.

O ministro Teori Zavascki decretou a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral (PT/MS), líder do Governo no Senado Federal. Foi a primeira vez na história jurídica do Brasil, após 1988, que um senador é preso no exercício do mandato.

De acordo com o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que fez o pedido de prisão, o senador estaria tentando atrapalhar a operação Lava-Jato, onde o mesmo é investigado.

Segundo o PGR, o senador teria oferecido R$ 50.000,00 mensais a Nestor Cerveró para que o mesmo não fizesse sua delação premiada, ou se fizesse, que excluí-se o nome do senador. Além disso, Delcídio Amaral teria oferecido a Cerveró um plano de fuga, que teria como destino final a Espanha. A PGR fundamentou o pedido de prisão preventiva com base em escutas telefônicas, autorizadas pelo STF. Essas informações foram dadas pela mídia[1].

A prisão preventiva é exceção em nosso sistema jurídico, e deve ser decretada nas estritas hipóteses legais. A regra geral em nosso ordenamento jurídico é o acusado responder em liberdade o processo criminal.

Segundo Rogério Sanches Cunha, a prisão preventiva, em um sentido amplo, é aquela decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e tem significado idêntico à prisão processual, cautelar, provisória ou prisão sem pena[2].

O art. 311 do Código de Processo Penal assim dispõe:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Por sua vez, o art. 312 do Código de Processo Penal, apresenta os requisitos para a decretação da preventiva nos seguintes termos:

“ a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal , ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indicio suficiente de autoria.” 

A princípio, podemos afirmar que a decisão do ministro Teori Zavaschi foi correta, pois pelo que foi informado pela imprensa o pedido do PGR demonstrou de forma bastante fundamentada que o senador estava tentando influenciar na delação premiada de Nestor Cerveró, um dos principais delatores da Operação Lava- jato.

No caso em tela, em tese, o senador teria seu caso enquadrado na hipótese de conveniência da instrução criminal, pois poderia prejudicar o restante da instrução do processo.

O problema que se coloca é o seguinte: como compatibilizar os artigos 311 e 312 do CPP como o art. 53 da Constituição Federal?

De acordo com o art. 53, caput,  da Constituição Federal, os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

No §2º do referido artigo, a Constituição diz que “ desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que , pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”

Portanto, pela leitura do dispositivo constitucional, a regra geral é que os deputados federais e os senadores não poderão ser presos no exercício do mandato, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável.

Desse modo, no caso do senador petista, o que temos não foi uma prisão em flagrante propriamente dita, mas uma prisão do tipo preventiva.

Portanto, a Constituição apenas prevê a prisão em flagrante delito em crime inafiançável de deputado e senador. Essa é a única exceção constitucional.

Entendemos que a prisão preventiva do senador, somente será constitucional se o STF, que é o guarda da Constituição, fizer uma interpretação sistemática do art. 53, §2º, para considerar a preventiva, também como um flagrante de crime inafiançável.

Isso é perfeitamente possível, porque o art. 310 do CPP, dispõe que o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá fundamentadamente: (...) II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

Pois bem, pelo dispositivo legal uma prisão em flagrante pode se transformar em preventiva.

Assim, entendemos que por meio da interpretação sistemática o art. 53, §2º, da CF/88 pode ser compatibilizado com os artigos 310, 311 e 312 do CPP.

Entretanto, entendemos que a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral deve ser ratificada pela maioria do Senado Federal no prazo de 24 horas. É a inteligência do art. 53, §2º da CF/88.

A ratificação do Senado Federal é essencial para se garantir a legitimidade do decreto prisional. É o nosso entendimento.


[1] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/11/em-pedido-ao-stf-pgr-diz-que-delcidio-ofereceu-r-50-mil-cervero.html. Acesso em : 25/11/2015.

[2] Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011/ Alice Bianchini.. (et al.); coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luis Marques, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 139.

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Sobre o autor
Márcio de Almeida Farias

Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará. Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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