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Particularidades do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol no direito português e no direito brasileiro

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4. REMUNERAÇÃO

O art. 457 da CLT assim dispõe:

Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

Em relação à atividade desportiva, remuneração corresponde a todas as verbas pagas ao atleta diretamente pelo clube enquanto empregado deste no desempenho das atividades desportivas, ou seja, os ganhos de natureza salarial, mais as gorjetas, que são pagas por terceiros e apenas repassada pelo empregador aos jogadores de futebol.

Entretanto, no Brasil, não podemos de pontuar a questão das verbas que são pagas aos atletas profissionais - especialmente os jogadores de futebol – sob a especificação de “direito de imagem”, como se fossem oriundas de um contrato de cessão de imagem do atleta, mas que, na verdade, não passam de uma verba de natureza trabalhista paga “por fora”, com o único objetivo de burlar obrigações trabalhistas e fiscais.

Essa artimanha, infelizmente, tem sido generalizada entre a maioria dos clubes de futebol de Brasil, tornando-se comum entre praticamente todos os jogadores de futebol brasileiros a simulação do verdadeiro objeto do “contrato de imagem”.

Ocorre que, enquanto em vigor os contratos de trabalho e o de imagem, o atleta (empregado) não se insurge contra o fato de ter pactuado o dito contrato de natureza civil, com feições de natureza trabalhista. Somente quando da rescisão do contrato laboral é que o atleta pleiteia perante a Justiça do Trabalho, e não a Justiça Comum, por meio da ação própria, a integração da verba percebida, “mascaradamente”, a título de direito de imagem, ao cálculo do montante das verbas rescisórias.

Os tribunais trabalhistas brasileiros, ao enfrentarem essas demandas, surgidas principalmente após o advento da Lei Pelé, solidificaram o entendimento de que, em se constatando tal fraude no caso concreto, o contrato teria o caráter trabalhista, e não cível, tendo as verbas advindas do mesmo, natureza salarial. Nesse sentido:

EMENTA: DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Enquadra-se a presente demanda no fixado pelo art. 114 da CF/88, restando pacífica a competência desta Justiça Especializada para o deslinde da questão. Recurso desprovido. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O direito tutelado pelo art. 5º, X, da CF/88 diz respeito unicamente à imagem do indivíduo. O montante objeto de contrato que a vincula à prestação de serviços do trabalhador ao empregador, pago em quantias mensais fixas independentemente do efetivo uso da imagem, possui nítido caráter salarial, devendo integrar o cálculo das demais parcelas. Recurso do reclamado a que se nega provimento. (TRT da 4ª Região, 5272520105040014/RS 0000527-25.2010.5.04.0014, Relator: ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO, Data do Julgamento: 02/06/2011, 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre - RS).

SALÁRIO “POR FORA” - JOGADOR DE FUTEBOL - DIREITO DE IMAGEM - NATUREZA SALARIAL - REFLEXOS – Mostra-se violadora dos direitos conferidos pela legislação trabalhista, nos termos do art. 9º da CLT, a conduta empresária de ajustar com o obreiro elevadas parcelas a título de “direito de imagem”, por meio de empresa por este constituída exclusivamente para esse fim. Impõe-se, no caso, o reflexo dos valores nas demais verbas trabalhistas, em face da natureza salarial destas parcelas. (TRT da 3.ª Região; Processo: RO - 4564/06; (Data de Publicação: 06/05/2006; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Convocado Danilo Siqueira de C.Faria; Revisor: Jose Murilo de Morais; Divulgação: DJMG . Página 23).

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O pagamento de valores ao atleta profissional de futebol a título de exploração de imagem, através de firma individual instituída para este fim, constitui nítida manobra do clube empregador para reduzir encargos sociais e fraudar direitos trabalhistas (artigo 9º, da CLT). Tratando-se de parcelas pagas pela prestação de serviços, merecem integrar o salário do jogador, para todos os efeitos legais. 2. Rescisão antecipada pelo empregador do contrato a termo, sem justo motivo.

Equivalência à dispensa imotivada atraindo o direito concomitante da multa do FGTS e da indenização do art. 479 da CLT. Considera-se devida a indenização do art. 479 da CLT cumulativamente com a multa do FGTS, nos termos do Regulamento Normativo (art. 14 do Decreto 99.684-90), na hipótese da rescisão antecipada, sem justa causa, pelo empregador, do contrato a termo, e, também, porque tais verbas não são compensáveis, eis que atendem a objetivos diversos. (TRT-PR-19049-2002-014-09-00-0-ACO-07040- 2005. Relator: LUIZ EDUARDO GUNTHER, Publicado no DJPR em 29-03-2005).

No direito português, a remuneração (retribuição) é determinada pelo artigo 14.º da LCTD, com aplicação subsidiária das normas gerais do Código de Trabalho no que tange ao tema:

Artigo 14.º - Retribuição

1 – Compreendem-se na retribuição todas as prestações patrimoniais que, nos termos das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, a entidade empregadora realize a favor do praticante desportivo profissional pelo exercício da sua actividade ou com fundamento nos resultados nela obtidos.

2 – É válida a cláusula constante de contrato de trabalho desportivo que determine o aumento ou a diminuição da retribuição em caso de subida ou descida de escalão competitivo em que esteja integrada a entidade empregadora desportiva.

3 – Quando a retribuição compreenda uma parte correspondente aos resultados desportivos obtidos, esta considera-se vencida, salvo acordo em contrário, com a remuneração do mês seguinte àquele em que esses resultados se verificarem.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo o breve tratamento de algumas questões relacionadas com o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol.

Pôde-se observar que o futebol, embora tenha se iniciado como um esporte elitista, uma vez que se popularizou, reuniu os elementos necessários para a sua profissionalização e consequente estabelecimento de relações de trabalho.

Essas relações, embora regidas pelos princípios do direito do trabalho, guardam suas peculiaridades, como a sua estipulação por prazo determinado e a forma de sua rescisão; e ainda, no direito brasileiro, são permeadas por institutos do direito civil que diretamente as atingem, de que é exemplo o direito de imagem, o qual, como visto, é utilizado por alguns clubes com o único intuito de reduzirem gastos trabalhistas e tributários, por meio de fraude à lei, o que vem sendo rechaçado pela Justiça Brasileira.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMADO, João Leal - Rescisão do contrato de jogador de futebol. In: Questões laborais. Lisboa, A. 2, n.º 4, 1995, p. 50-56.

AMADO, João Leal - Vinculação versus Liberdade: O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002.

BAPTISTA, Albino Mendes - Estudos Sobre o Contrato de Trabalho Desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

CÂNDIA, Ralph - Comentários aos Contratos Trabalhistas Especiais. São Paulo: LTr, 1987.

MESQUITA, M. Henrique; LEITE, Jorge; AMADO, João Leal – Liberdade de trabalho e transferência de futebolistas profissionais. In: Questões laborais. Coimbra, A. 3, n.º 7, 1996, p. 72-94.

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SÁ FILHO, Fábio Menezes de - Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010.

SOARES, Jorge Miguel Acosta - Direito de imagem e direito de arena no contrato de futebol. 2.ª ed. São Paulo: LTr, 2012.

ZAINAGHI, Domingos Sávio - Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004.

ZAINAGHI, Domingos Sávio - Os atletas de Futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998.


Notas

[1] ZAINAGHI, Domingos Sávio - Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. p.17.

[2] Tal denominação se deu em virtude de ter sido a norma em comento aprovada quando o ex-jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento (Pelé) era Ministro do Desporto e Presidente do Conselho do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto).

[3] SÁ FILHO, Fábio Menezes de - Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 45-47.

[4] BAPTISTA, Albino Mendes - Estudos Sobre o Contrato de Trabalho Desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 17.

[5] ZAINAGHI, Domingos Sávio - Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. p.17.

[6] ZAINAGHI, Domingos Sávio - Os atletas de Futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 59.

[7] CÂNDIA, Ralph - Comentários aos Contratos Trabalhistas Especiais. São Paulo: LTr, 1987. p. 12.

[8] Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, alterado pela Lei n.º 9/2007, de 20 de Março e pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. Doravante simplesmente designado por CT.

[9] AMADO, João Leal - Vinculação versus Liberdade: O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 254-257.

[10] AMADO, João leal – Op. Cit. p. 256.

[11] Contudo, o contrato de formação desportiva, regulado nos artigos 31.º a 40.º da LCTD, já pode ser rescindido livremente pelo formando, bastando, para o efeito, que a “vontade de rescindir seja comunicada, por escrito, à entidade formadora com a antecedência mínima de oito dias”, nos termos do artigo 28.º do Decreto Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro, ex vi do artigo 39.º, n.º 1 da LCTD.

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Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. Particularidades do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol no direito português e no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4576, 11 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45558. Acesso em: 19 abr. 2024.

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