Prevê o artigo 16 do Código Penal que “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.
É inovação que foi trazida pela Lei 7.209/84, pois, antes, a reparação do dano constituía-se em mera atenuante genérica, como ainda ocorre com o artigo 65, III, b.
O disposto no artigo 16 do Código Penal é causa obrigatória de diminuição de pena, que pode ser reduzida de um a dois terços nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Abrange, pois, todos os crimes contra o patrimônio e ainda os demais ilícitos em que ocorra um prejuízo patrimonial.
Entende-se que o dispositivo legal não envolve os crimes em que haja lesão patrimonial direta. Não cabe, por exemplo, nos crimes de lesões corporais culposas quando o agente repara o dano patrimonial do ilícito.
Não se trata de caso de reparação de dano para a extinção da punibilidade como se dá no caso de peculato culposo (artigo 312, § 3º, do Código Penal) ou excluir a possibilidade da ação penal, como na hipótese de pagamento do cheque antes da denúncia quanto ao ilícito que é previsto no artigo 171, § 2º, VI, do Código Penal, dentro do que formula a Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal.
Por certo, o arrependimento posterior não se acentua apenas pela inexistência do prejuízo, mas tem como fundamento indissociável a exteriorização do estado psíquico do agente, de sorte que ele surja de expressão positiva da vontade do agente, repensando sobre a sua atividade delituosa.
Mas a reparação deve ser pessoal e voluntária (RJDTACRIM 8/77), devendo abranger todo o prejuízo causado pelo agente.
A presteza do ressarcimento é ainda critério que deve nortear a aplicação do benefício.
Veja-se o caso das chamadas "pedaladas fiscais".
Para se ter uma ideia do que representam essas "pedaladas fiscais", a regularização delas, significa um rombo de próximo de R$50 bilhões no orçamento, com relação a atrasos no repasse de recursos devidos pelo Tesouro aos bancos públicos vista a meta fiscal para 2015.
Os Decretos de abertura de crédito, assinados pela Presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária, afirma-se. O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal. No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. No Artigo 11, alínea 3, explicita-se: São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
É importante ressaltar, argumentam consultores do TCU, que as ‘pedaladas’ foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo o padrão de 2013, ficaria clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, que são aquelas que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como os investimentos, pois isso dá voto.
O Executivo com essa conduta flertou com a improbidade (artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa), por violação ao disposto no artigo 36 da Lei Complementar 101/00, devendo ainda ser apurada a responsabilidade penal no que concerne a incidência do artigo 359 – A do Código Penal. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Pode-se ainda falar na incidência do artigo 359 – D do Código Penal.
Há ainda o crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11 da Lei 1.079, de 14 de abril de 1950, que envolve a fiel guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos e o fato de contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
O fato deve ser objeto de investigação pelo Ministério Público Federal para análise da materialidade e autoria delituosa em todas as suas circunstâncias. Com a investigação feita deverá se concluir se houve ou não conduta criminosa e suas consequências no Direito Penal.
As condutas referenciadas exigem na prática da conduta o dolo.
Sem dúvida, tinha a Presidente da República o domínio do fato.
Surge, porém, a noticia de que, na semana passada, o governo pagou R$ 72,4 bi de “pedaladas”. A operação colocou os argumentos do governo em conflito.
No dia 31 de dezembro de 2014, o Tesouro devia cerca de R$ 18,6 bilhões ao FGTS; R$ 20,2 bi ao BNDES; R$ 10,9 bi ao Banco do Brasil. Com a Caixa, ainda havia um débito de R$ 882 milhões. Ao longo do ano, a maior parte da dívida com a Caixa, que chegou a R$ 6 bilhões, já havia sido quitada. Sobre todo esse passivo foi incorporada a atualização monetária. Assim se chegou a R$ 72,4 bilhões. Tudo isso foi pago na última quarta-feira. Débitos feitos em 2014, carregados por todo 2015 e quitados no último dia útil do ano. Instituições estatais de crédito financiaram o seu controlador. Isso é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não cabe mais a discussão se é ou não operação de crédito. Eles mesmos o disseram.
O que interessa aqui é que houve violação da LRF, lei que consolidou a estabilidade monetária, estabelecendo travas para impedir o retorno ao passado hiperinflacionário.
A Presidente da República governa, auxiliada por seus ministros. Ela é a principal responsável por essas “pedaladas fiscais” que ainda se constituem em crime de responsabilidade, matéria que deve ser objeto de julgamento de índole politico-criminal, a ser discutida, a seu tempo, pelo Parlamento.
Praticado crime em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal, o pagamento integral se constitui em verdadeiro arrependimento posterior, desde que obedecidos todos os pressupostos do artigo 16 do Código Penal.