6 DA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO SOB A ÓTICA DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES.
6.1 Considerações iniciais
A professora Cláudia Lima Marques, introduzindo a Teoria do Diálogo das Fontes, conceitua a teoria como modelo brasileiro de coexistência e aplicação simultânea e coerente do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil de 2002 e da legislação especial.
Essa teoria, atribuída ao jurista Erik Jayme, busca fundamentar a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes normativas, leis especiais e gerais, com campos de aplicação convergentes, mas não iguais.
Citando o supra citado mestre, Claudia Lima Marques (2004, P. 87) assevera que “em face do atual 'pluralismo pós-moderno' de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo.”
A Teoria do Diálogo das Fontes rompe com paradigmas clássicos ao apresentar novo modelo de como lidar com as Fontes formais do Direito, notadamente as normas jurídicas (regras e princípios), mediante, como o próprio nome sugere, um diálogo entre estas, sob a intermediação racional, atenta e sensível do intérprete e aplicador do Direito.
Desse modo, com a aplicabilidade desse novo paradigma de interpretação do sistema jurídico, busca-se se conferir uma maior eficiência a este mesmo sistema jurídico, mas não apenas uma eficiência hierárquizada como o proposto por Bobbio, “mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a 'antinomia, a 'incompatibilidade ou a 'não-coerência'.” (MARQUES, 2004, p. 88)
Justificando a denominação da teoria, aduz a ilustre professora:
Diálogo porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato – uma solução flexível e aberta, de interpenetração, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes). (MARQUES, 2004, p. 89)
6.2.Classificação.
Para a professora Claudia Lima Marques haveria a possibilidade de três tipos de “diálogo” entre os sistemas normativos. Dessa forma, a autora classifica as espécies de interpretação das fontes normativas em três categorias, cujo objetivo e aplicabilidade deve buscar a harmonização das fontes normativas no sentido da efetividade e eficiência do sistema jurídico como um todo.
6.2.1 Diálogo sistemático de coerência:
O Primeiro, chamado de diálogo sistemático de coerência, pauta-se pela aplicação simultânea de duas leis, uma servindo de base conceitual para a segunda. Esse modelo de diálogo ocorreria “especialmente se uma lei é geral e a outra especial, se uma é a lei central do sistema e a oura um microssistema específico, não completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo da sociedade.” (MARQUES, 2004, p. 91)
6.2.2 Diálogo sistemático de de complementaridade e subsidiariedade:
O segundo modelo, chamado de diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade em antinomias reais ou aparentes, caracteriza-se utilização de uma lei complementando a aplicação da outra, otimizando sua aplicação e sua efetividade.
6.2.3 Diálogo de influências recíprocas sistemáticas:
Já o terceiro modelo, chamado de diálogo de influências recíprocas sistemáticas, ocorreria em caso de redefinição do campo de aplicação de uma lei. Ocorreria, portanto, uma “influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de coordenação e adaptação sistemática” (MARQUES, 2004, p. 91)
6.3 Diálogo das Fontes no Processo do Trabalho
O Direito do Trabalho pauta-se em premissas protetivas que devem refletir na tutela processual a ser instrumentalizada pelo Processo do Trabalho. Na busca pela efetiva prestação ao seu jurisdicionado o Processo laboral deve se adequar a pós-modernidade que, segundo Erik Jaime, “é a época do pluralismo, com pluralidade de leis especiais, de agentes a proteger.”1 (MARQUES, 2004, p. 90) Desse modo, o intérprete deve procurar a Constituição como resposta para as antinomias advindas da complexidade dos sistemas legais.
Percebe-se, desse modo, que diante dos princípios constitucionais que regem o processo e também da força normativa dos princípios constitucionais, não é possível a interpretação isolada da CLT. O intérprete deve buscar uma harmonização das normas processuais em possível antinomia, buscando se efetivar o direito tutelado.
Desse modo, é inequívoco que em face do princípio da proteção que permeia o processo do trabalho, cujo vetor encontra a regra da norma mais benéfica, o intérprete deve aplicar o regramento processual que efetive da melhor forma o direito no caso concreto.
Nesse sentido são elucidativas as palavras do professor Mauro Schiavi (2008, p. 41)
Assim como o Direito Material do Trabalho adota o princípio protetor, que tem como um de seus vetores a regra da norma mais benéfica, o Direito Processual do Trabalho, por ter um acentuado grau protetivo, e por ser um direito, acima de tudo instrumental, com maiores razões que o direito material, pode adotar o princípio da norma mais benéfica, e diante de duas regras processuais que possam ser aplicadas à mesma hipótese, escolher a mais efetiva, ainda que seja a do Direito Processual Civil e seja aparentemente contrária à CLT.
Percebe-se que, na esteira de Mauro Schiavi, o aplicador do direito deve buscar a aplicabilidade de regras advindas do CPC no Processo do Trabalho caso sua aplicação promova uma maior efetividade processual, mesmo na hipótese de existência de antinomias entre tais normas e a CLT. Ou seja, o CPC deve ser aplicado nas lides trabalhistas mesmo no caso de incompatibilidades com regramentos da CLT. O fundamento para esta aplicação, portanto, supera as regras clássicas de solução de conflitos aparentes de normas. O autor confere uma interpretação constitucional à problemática, buscando a ampliação da efetividade do processo.
Com efeito, essa interpretação amolda-se perfeitamente no modelo de diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade que defende a professor Claudia Lima Marques. Dessa forma, em face dessa aparente antinomia existente entre a CLT e o CPC, a utilização da regra do CPC complementaria a aplicação da norma processual celetista, otimizando sua aplicação e sua efetividade.
Veja-se que essa mudança de paradigma supera o dogma da exclusão em face de uma suposta antinomia, para buscar a harmonização das ferramentas processuais com o objetivo maior de se prestar uma tutela jurisdicional efetiva, obedecendo os preceitos constitucionais do Estado contemporâneo.
Para o professor Mauro Schiavi (2008, p. 41), “para escolher entre duas regras a mais efetiva, o intérprete deve se valer dos princípios da equidade, razoabilidade e proporcionalidade”.
Nesse sentido, no que se refere a aplicação do princípio da proporcionalidade na seara processual, aduz o professor João Batista Lopes (2008, p. 41) o seguinte:
No campo do processo civil, é intensa sua aplicação, tanto no processo de conhecimento como no de execução e no cautelar. No dia-a-dia forense, vê-se o juiz diante de princípios em estado de tensão conflitiva, que o obrigam a avaliar os interesses em jogo para adotar a solução que mais se ajuste aos valores consagrados na ordem jurídica. O princípio da proporcionalidade tem íntima relação com a efetividade do processo na medida em que, ao solucionar o conflito segundo os ditames da ordem constitucional, está o juiz concedendo a adequada proteção ao direito e atendendo aos escopos do processo.
Ademais, descaberia a alegação de que a aplicação das regras do CPC no Processo do Trabalho violaria o devido processo legal ao surpreender o jurisdicionado. Conforme alerta o professor Mauro Schiavi (2008, p. 42), “o Juiz do Trabalho aplicando o CPC não está regras, esta apenas aplicando uma regra processual legislada mais efetiva que a CLT e é sabido que a lei é de conhecimento geral”.
Portanto, é necessário se enfatizar uma compreensão mais aberta do ordenamento jurídico ao estabelecer uma diálogo maior entre o processo do trabalho e o processo civil a fim de buscar uma maior interação e maior efetividade na prestação jurisdicional. Essa exigência é ainda maior na execução trabalhista, cuja natural imprescindibilidade do crédito enseja uma necessidade mais acentuada de efetividade processual.
Nas palavras de Mauro Schiavi (2008, p. 41):
É relevante a função do Juiz do Trabalho, bem como sua responsabilidade em dar efetividade às promessas constitucionais de duração razoável do processo, e efetividade da jurisdição, assim como garantir uma ordem jurídica justa, sepultando o estigma da execução trabalhista de ser um verdadeiro calvário para recebimento do crédito do trabalhador.
Feitas estas considerações, é inegável que existe a necessidade de remodelação dos paradigmas que nortearam a aplicação subsidiária do CPC no Processo do Trabalho. Observamos que, em que pese alguns retrocessos, como o supra citado julgamento pelo TST pela inaplicabilidade do Art. 475-J no CPC, a doutrina e jurisprudência pátria tem formado um entendimento favorável aos ventos da reforma sofrida pelo CPC. Um forte exemplo disto é o Enunciado n. 66, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE. Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.
Paralelo a esse entendimento, percebemos a movimentação legislativa no sentido de se promover uma atualização dos institutos processuais da CLT amoldando-se às premissas que norteiam o processo civil reformado. Vale mencionar o Projeto de Lei do Senado nº 606/2011, que, dentre outras modificações, amplia o rol atual dos títulos executivos extrajudiciais viabilizando a cobrança direta de valores inequivocamente reconhecidos em favor dos trabalhadores, cria uma multa que varia de 5% a 20% em aplicação similar a prevista no artigo 475-J do CPC, trata da possibilidade do parcelamento do débito, etc.
Tais propostas demonstram a preocupação do legislador pátrio com a morosidade da execução trabalhista e a necessidade de adequação do Processo do Trabalho com as exigências do constitucionalismo contemporâneo. Estas preocupações são claramente demonstradas na justificação do referido projeto de Lei, confira-se in litteris:
JUSTIFICAÇÃO
Trata-se a presente proposição de alteração Capítulo V, do Título X do Decreto-lei 5.452/43, Consolidação das Leis do Trabalho, que trata, em seus artigos 876 e seguintes, do processo de execução trabalhista. O presente projeto de lei assenta-se na premissa da necessidade de revisão dos trâmites do processo de execução trabalhista, em face do aprimoramento das normas de direito processual comum – CPC – nesta seara, que não vêm sendo aplicadas na Justiça do Trabalho, em que pese seu caráter mais efetivo e célere.
Neste viés, cuida-se de atualização dos dispositivos legais atinentes ao processo de execução, sem se descurar de suas peculiaridades e dos avanços que o sistema laboral apresenta, buscando um método mais eficiente, justo e rápido para a solução dos processos desse ramo do Judiciário, que envolvem, no mais das vezes, títulos de natureza alimentar.
Importa notar, para apreciação da necessidade de discussão sobre o tema, que a Justiça do Trabalho apresenta um índice de congestionamento na fase de execução da ordem de 69%. Números oficiais indicam quase dois milhões e seiscentos mil processos em fase de execução, no final de 2010. Em média, de cada 100 reclamantes que obtêm ganho de causa, somente trinta e um alcançam êxito efetivo na cobrança de seu crédito. Este quadro está a exigir alterações profundas e estas devem dar-se no plano da regulamentação do processo de execução.
O princípio diretor deste anteprojeto é o subjacente às garantias constitucionais do acesso à jurisdição, do devido processo legal adjetivo e da sua razoável duração.
Para concretizá-lo, tornou-se necessária proposta de alteração do paradigma até então vigente na Consolidação das Leis do Trabalho. A incorporação da efetividade da prestação jurisdicional, como vetor axiológico do cumprimento das sentenças ou dos títulos executivos extrajudiciais, ostenta harmonia com as concepções mais avançadas do constitucionalismo contemporâneo. Sob este comando, havendo mais de uma forma prática de conduzir os atos da execução, o magistrado deverá atender àquele que melhor cumpra a efetividade.
Ainda no sentido das mais avançadas legislações contemporâneas, o texto mostra-se essencialmente aberto, apresentando procedimentos mínimos capazes de realizar o seu escopo final, com destaque para a relevância do impulso de ofício, do uso de ferramentas tecnológicas, da simplicidade e da integração das partes. Preservando as regras já existentes sobre a execução das contribuições previdenciárias, o texto amplia o rol atual dos títulos executivos extrajudiciais, viabilizando a cobrança direta de valores inequivocamente reconhecidos em favor dos trabalhadores.
Para cumprimento da sentença, a proposição indica a mera intimação do obrigado, por meio de seu advogado e sob pena de acréscimo da condenação com multa – que varia de 5% a 20%, segundo a capacidade econômica da parte e de acordo com seu comportamento processual – mecanismo que já se vem demonstrando muito útil ao processo civil comum (artigo 475-J do vigente CPC). A possibilidade do parcelamento do débito, por sua vez, cumpre o papel de tornar mais efetivo o cumprimento da obrigação. Ainda que aparente encerrar paradoxo, a proposta é fruto da constatação do método findar na abreviação do processo, inclusive por pressupor o pagamento imediato de fração da dívida. Oportunidade similar é conferida ao devedor, antes da expropriação, mas o sistema privilegia aquela aberta na fase de liquidação. Presta-se o modelo, ainda, a permitir que o juiz considere as peculiaridades de cada caso concreto, à luz do comportamento ético do devedor e sua capacidade econômico-financeira, realizando a segurança jurídica sob a perspectiva de garantir à parte a consideração do seu estado individual. A bem, ainda, da segurança jurídica, o texto proposto pontua a necessidade de prévia citação dos corresponsáveis pelas obrigações da sentença, possibilitando-se o exercício do amplo direito de defesa, vindo a pacificar os diversos procedimentos que hoje se encontram no quotidiano dos Tribunais do Trabalho.
O projeto avança rumo à concretização do processo judicial eletrônico, eliminado as cartas precatórias sempre que a sua expedição não for necessária à prática do ato judicial, em atendimento à tendência inegável de virtualização dos atos procedimentais. As mudanças propostas na fase de expropriação refletem o princípio central que norteia o projeto, além da inclusão de medidas com potencial de produzir resultados mais frutíferos que os atualmente verificados, a efetividade. Criam-se várias outras formas de expropriação, alternativas à única hoje vigente no processo do trabalho (a hasta pública), a saber: a alienação por iniciativa particular, a venda direta, o usufruto, todas a representar alternativas eficazes ao tradicional modelo da praça e leilão. Prevê, ainda, a unificações dos leilões, como medida de aplicação do concurso de mais interessados e, consequentemente, de melhor alienação dos bens.
O texto propõe, ainda, a regulamentação da execução de sentenças coletivas, dando orientação segura e clara ao tema, com o objetivo de suprimir a omissão hoje existente e delimitar o procedimento a ser observado a bem do uso dessa tão importante alternativa processual ao congestionamento da Justiça.
Não abandona, a presente proposição, o espírito norteador da prática quotidiana da Justiça do Trabalho, que é o princípio da conciliação, observado em vários momentos do processo, como ferramenta de pacificação social relevante. Convencido de que a proposição significa um avanço na regulamentação do processo do trabalho, em benefício da efetividade da justiça e da pacificação social, tenho certeza de que ela contará com o voto unânime dos meus distintos Pares para a sua aprovação.
Entretanto, em que pese o evidente avanço legislativo que a aprovação do supracitado projeto deverá promover no Processo do Trabalho, a problemática permanecerá. Ou seja, mesmo com tais alterações, na ótica de juristas como Mauro Schiavi (p. 44), o Código de Processo Civil deve ser aplicado do Processo do Trabalho sempre que sua aplicação mostrar-se mais eficiente para a tutela do direito em litígio.
Nesse sentido, Mauro Schiavi1 assevera que, em que pese as prováveis alterações e atualizações da CLT, o Direito Processual Civil pode ser aplicado na execução trabalhista nas seguintes hipóteses:
a) omissão da CLT (lacunas normativas, ontológicas e axiológicas); compatibilidade das normas do Processo Civil com os princípios do Direito processual do Trabalho;
b) ainda que não omissa a CLT, quando as normas do Processo Civil forem mais efetivas que as da CLT e compatíveis com os princípios do Processo do Trabalho.”
Desse modo, percebemos que para se promover uma real remodelação dos vetustos paradigmas do positivismo devemos interpretar a aplicabilidade das inovações do processo comum à luz de uma interpretação constitucional do processo e de uma nova concepção de Princípio da Subsidiariedade. Em que pese a elogiável e necessária atividade legislativa no sentido de retirar o Processo do Trabalho do ostracismo atual, é necessário avançar mais.
Conforme asseverou Luciano Athayde Chaves (2007, p. 90),
A progressiva e dinâmica interpretação do ordenamento jurídico atende a igual status da própria sociedade, da própria casuística, portanto, o enfrentamento de novos desafios, a partir de uma compreensão mais aberta do ordenamento jurídico, inclusive processual, não pode ser concebido como uma distorção do sistema judiciário, uma vez que tal processo de desenvolvimento e interpretação é próprio do Direito.
Diante de tais premissas é necessário se promover um diálogo maior entre o processo do trabalho e o processo civil, a fim de buscar, através da interpretação sistemática e teleológica, os benefícios obtidos com a reforma processual do processo comum.
Dessa forma, com base no diálogo entre as fontes normativas analisaremos a aplicabilidade e a compatibilidade das ferramentas processuais derivadas do Código de Processo Civil reformado no Processo do Trabalho.