4. A CONSTITUCIONALIDADE DA TFRM
4.1. Decisões judiciais em controle difuso de constitucionalidade
Diversas empresas e indústrias do ramo minerário buscaram, de forma isolada ou em conjunto, o Judiciário a fim de afastar a cobrança da TFRM nos Estados em que atuam.
Em Minas Gerais, algumas medidas liminares foram concedidas, outras negadas, em primeira instância. Instada a se manifestar, por via recursal, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[34], manteve a cobrança da TRFM mineira em acórdão que recebeu a seguinte ementa:
MANDADO DE SEGURANÇA. TFRM - TAXA DE CONTROLE, MONITORAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PESQUISA, LAVRA, EXPLORAÇÃO E APROVEITAMENTO DE RECURSOS MINERÁRIOS. LEI ESTADUAL Nº 19.976/2011. COMPETÊNCIA. ART. 23, XI, CR. BASE DE CÁLCULO. TONELAGEM. PARÂMETRO. ART. 150, IV, CR. OBSERVÂNCIA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. O registro, o acompanhamento e a fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais é competência atribuída constitucionalmente aos entes federativos (art. 23, XI, CR). Atribuída competência aos Estados para exercerem poder de polícia sobre a atividade de pesquisa e exploração de recursos minerais em seus territórios, a instituição de taxa para o custeio da atividade estatal encontra respaldo no art. 145, inciso II, da CR. A tonelagem de recursos minerais extraídos não é a base de cálculo da TFRM, mas apenas parâmetro adotado para definir o valor a ser cobrado do contribuinte, o que se revela em consonância com a jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal. Estimada pelo legislador a correspondência do valor cobrado a título de TFRM com o custo da atividade estatal e não havendo demonstração nos autos de que esteja dissociado dos gastos suportados com o exercício do poder de polícia, afasta-se a alegação de violação do inciso IV do art. 150 da Constituição da República (princípio do não confisco). Ocorre bis in idem quando um mesmo ente institui diversos tributos com o mesmo fato gerador, situação que não se aplica na espécie, uma vez que o art. 9º-A da Lei nº 19.976/2011 do Estado de Minas Gerais confere ao contribuinte da TFRM que também seja contribuinte da TFAMG a possibilidade de deduzir os valores pagos a título de TFAMG do valor a ser recolhido da TFRM.
No Estado do Pará, as empresas Salobo Metais S/A, Vale Mina do Sul S/A e Vale S/A, todas ligadas ao grupo Vale, impetraram mandado de segurança preventivo com pedido de medida liminar a fim de evitar o pagamento da TFRM. O pedido de garantia dos débitos de TFRM através do seguro judicial foi indeferido, sendo mantido o indeferimento, na decisão proferida pela 5ª Câmara Cível Isolada[35], no agravo de instrumento nos autos do processo nº 0000601-25.2012.8.14.0000; permitiu-se, no entanto, obter a suspensão da exigibilidade do crédito mediante depósito integral em dinheiro, com base nos arts. 151, do Código Tributário Nacional e na Súmula nº 112, do Superior Tribunal de Justiça.
O processo, contudo, foi extinto sem resolução de mérito pela desistência das impetrantes, conforme consta nos autos. A desistência se deu em razão de acordo firmado com o Estado do Pará, no qual as empresas aceitaram o pagamento da exação com uma redução da alíquota em contrapartida, conforme noticiou o jornal eletrônico Estadão[36]. Referido acordo está em harmonia com o art. 6º, §3º, da Lei nº 7.591/11, pelo qual “o Poder Executivo poderá reduzir o valor da TFRM definido no caput deste artigo, com o fim de evitar onerosidade excessiva e para atender as peculiaridades inerentes as diversidades do setor minerário”.
A empresa Intercement Brasil S/A, no Mato Grosso do Sul, obteve antecipação de tutela em primeiro grau, suspendendo, assim, a cobrança da TFRM. Na decisão da 4ª Vara e Fazenda Pública e de Registros Públicos[37], consignou-se que
o Estado do Mato Grosso do Sul não tem competência para a instituição de taxa tendo como hipótese de incidência a extração de minérios, uma vez que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União (art. 20, IX, da CF), a quem compete a concessão ou autorização para a pesquisa e lavra (art. 176, §1º, da CF).
(...) No mais, a instituição de taxa só se justifica em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (art. 145, II, da CF); o que não ocorre no caso, pois, conforme previsão do Decreto n. 13.645/2013, 95% (noventa e cinco por cento) da receita da TFRM é destinada ao Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul – FUNDERSUL.
No entanto, a referida decisão teve sua eficácia suspensa em razão do deferimento do Pedido de Suspensão de Liminar nº 1401330-52.2014.8.12.0000, pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul[38], que, sem ingressar no mérito, pois incabível em tal via processual, entendeu presentes os pressupostos que autorizam a suspensão, quais sejam, risco de grave lesão ao interesse público e à economia pública.
Nota-se, assim, que os juízes e tribunais pátrios não tem um posicionamento uniforme, tendendo, contudo, à declaração de constitucionalidade da TFRM em seus respectivos Estados.
4.2. Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Em 31/05/2012, a Confederação Nacional de Indústria – CNI – ajuizou três ações diretas de inconstitucionalidade, as ADI’s 4785, 4786 e 4787, a impugnar a constitucionalidade das Leis instituidoras da TFRM nos estados de Minas Gerais (Lei nº 19.976/11), do Pará (Lei nº 7.591/11) e do Amapá (Lei nº 1.613/11), respectivamente, requerendo, inclusive, a suspensão liminar dos efeitos desses diplomas.
Em linhas gerais, afirma-se que:
- a pretexto de instituir taxa pelo exercício do poder de polícia, os entes federativos criaram verdadeiro imposto sobre o produto da atividade minerária. Informou-se que a base de cálculo da TFRM deveria refletir o custo da atividade estatal, o que não ocorreria, na espécie, em sendo a base de cálculo a quantidade de minério extraída;
- a finalidade precípua que determinou a criação da TFRM pelos Estados seria a mera arrecadação;
- a incompetência dos entes estaduais para criar a mencionada exação, uma vez que apenas a União deteria essa competência, por pertencerem ao seu patrimônio os recursos minerais explorados, bem como porque a competência para legislar acerca da atividade minerária é privativa da União;
- a competência comum das unidades federadas para registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais, prevista no artigo 23, inciso XI, da Constituição Federal, não conferiria aos Estados e Municípios atribuição para instituir taxa em decorrência do exercício de poder de polícia; referido dispositivo prescreveria essas atividades apenas para garantir aos entes federados o recebimento da parcela que lhes cabe em razão da exploração mineral, conforme art. 20, §1º, da Constituição Federal;
- contestou-se, por fim, a destinação que seria dada ao produto da arrecadação da TFRM, que não poderia ser aplicado a outros fins que não o exercício do poder de polícia sobre atividades minerárias, servindo apenas ao custeio destas.
O processo que se encontra em estágio mais avançado é a ADI 4785[39], referente à lei mineira, cujos autos já contam com informações da Assembleia Legislativa e do Poder Executivo de Minas Gerais, onde defendem a constitucionalidade da Lei estadual nº 19.976/11, e com as manifestações da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.
Em suas manifestações, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República entenderam ser constitucional a Lei mineira nº 19.976/11[40], ressalvado seu art. 7º, I, que, ao instituir isenção da TFRM para "os recursos minerários destinados à industrialização no Estado", estaria violando o art. 152, da Constituição Federal, pelo qual “é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”. Ao favorecer as indústrias locais, estar-se-ia vulnerando, também, o princípio da isonomia.
Em 13/02/2014, o Estado de Minas Gerais juntou manifestação à ADI 4785 informando que fora promulgada a Lei nº 20.414, a qual, entre outras alterações feitas na Lei nº 19.976/11, revogou integralmente seu art. 7º, I. A ADI, no entanto, continua em tramitação.
A ADI 4787[41], referente à lei amapaense, após as informações prestadas pela Assembleia Legislativa e pelo Governo do Amapá, recebeu manifestação da Advocacia-Geral da União por sua total improcedência. Já a Procuradoria-Geral da República aponta, em princípio, a constitucionalidade da exação, destacando apenas, em relação à suposta violação ao princípio do não-confisco e de irrazoabilidade entre o custo da atividade de fiscalização e o valor da taxa cobrado, a insuficiência de documentos presentes nos autos para se chegar a uma conclusão segura. Sugere, então, que sejam solicitadas informações complementares aos Poderes Executivo e Legislativo do Estado do Amapá.
A ADI 4786, que impugna a Lei nº 7.591/11 do Estado do Pará, é a que se encontra em fase mais atrasada, tendo apenas recebido as informações da Assembleia Legislativa e do Governo do Estado do Pará e ainda aguarda a manifestação da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.
Por fim, não houve, até o mês de setembro de 2015, manifestação do Supremo Tribunal Federal acerca do pedido de medida cautelar em qualquer das Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Adotou-se, porém, para as três ações, o rito abreviado do art. 12, da Lei nº 9.868/99, pelo qual:
Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.
Além dos argumentos até aqui elencados, não se pode olvidar que há quem veja manifesta inconstitucionalidade na TFRM, como Fernando Facury Scaff[42], que em reportagem originalmente publicada no jornal Brasil Econômico, afirmou que “os Estados estão querendo compensar as perdas que tiveram com a Lei Kandir com o novo imposto. São valores muito altos até em relação ao orçamento anual de alguns desses estados”, advertindo que “se vingar, certamente outros estados e municípios poderão criar os seus para ampliar suas fontes de recursos sem fazer força”.
4.3. Considerações à Lei nº 7.591/11 do Estado do Pará
Conforme mencionado anteriormente, a Lei paraense nº 7.591/11 encontra respaldo no art. 23, XI, da Constituição Federal, que trata da competência comum de todos os entes, bem como no art. 145, II, também da Carta Constitucional, que atribui competência tributária a todos os entes para instituir taxas, de modo que não há falar em bitributação.
Diferentemente da competência legislativa concorrente, atribuída à União e aos Estados, pelo art. 24, da Constituição Federal, não há qualquer hierarquia entre os entes no âmbito da competência administrativa comum, prevista no art. 23. Em reforço a esta constatação, o parágrafo único do art. 23, da Constituição, foi assim redigido:
Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Observando, assim, a distribuição de competências constitucionais, em função da predominância do interesse. (grifo nosso)
O dispositivo trata de cooperação, e não de hierarquia ou subordinação, a demonstrar que a competência comum deverá ser exercida de forma equilibrada, uma vez que todos os entes, ao exercê-la, encontram-se no mesmo nível. Mesmo tratando-se de competência administrativa, para ser exercida é preciso que o Estados e Municípios também legislem.
O Estado do Pará, dessa forma, detém competência para instituir taxa sempre que prestar serviço ou exercer poder de polícia no âmbito de suas atribuições. O Código Tributário Nacional, ao tratar da matéria, prescreve que
Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.
Nesse sentido, o Min. Joaquim Barbosa[43], enquanto relator do RE 602.089, afirmou que:
Em termos gerais, por se tratar de competência comum, exercida concomitantemente pela União, pelos estados (Distrito Federal) e pelos municípios, as diversas iniciativas de fiscalização das atividades potencialmente modificadoras do meio ambiente não são mutuamente exclusivas (arts. 23, VI, 24, VI e VIII da Constituição e 6º, III da Lei 9.985/2000). Por não serem mutuamente exclusivas, as atividades de fiscalização ambiental não se sobrepõem e, portanto, não ocorre bitributação.
Assim, em observância ao princípio da unidade da Constituição, é necessário harmonizar os arts. 22, XII, que trata da competência privativa da União para legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia e, 23, XI, que trata da competência comum para registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, umbilicalmente ligado à taxa de polícia, sob pena de esvaziar alguma norma constitucional.
Ives Gandra da Silva Martins[44], com bastante nitidez, em parecer juntado pelo Estado do Pará à ADI 4786, declarou:
“A prevalecer os argumentos de que sobre tal matéria não poderiam Estados e Municípios legislar, à evidência, implicaria em uma de duas: a) admitir que o disposto no inciso XI, do art. 23, desde 5 de outubro, nunca integrou a competência comum dos entes federativos, tendo sido um ‘lapso constitucional’ lá ter sido incluído; ou b) ter sido revogado pelos dois outros artigos, no exato momento em que entrou em vigor. As duas hipóteses, por sua incoerência, ilogicidade, injuridicidade e falta de bom senso não podem ser admitidas, até porque, na hermenêutica constitucional, a lei maior não pode conter palavras inúteis”.
Faz-se mister, portanto, distinguir o direito de propriedade das jazidas e a fiscalização sobre a atividade de pesquisa, lavra e exploração ou aproveitamento. Ainda no referido parecer, Ives Gandra da Silva Martins[45] assim expôs a questão:
“Temos, portanto, com clareza, o reconhecimento do duplo regime jurídico, que eu definiria como um regime jurídico legislativo ‘interna corporis’, ou seja, o que é privativo da União para a exploração de tais reservas, e outro ‘externa corporis’, que diz respeito ao direito de Estados e Municípios verificarem todos os impactos que tais explorações possam ter na urbe, Estado e meio ambiente, fiscalizando e acompanhando tal exploração concedida pela União”.
O poder de polícia exercido pelo Estado do Pará, com a Lei nº 7.591/11, enquanto atividade normativa e reguladora, em nada viola a competência da União para legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia, sendo a única apta a efetuar o ato de concessão de lavra, mesmo porque os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são de sua propriedade, nos termos do art. 20, IX, da Constituição Federal[46].
A Constituição Federal, em seu art. 176, reitera que:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
A competência privativa para legislar sobre minas, jazidas, outros recursos minerais e metalurgia, prevista nos arts. 22, XII, e 176, da Constituição, foi exercida pela União com a edição do Dec-Lei nº 227[47], de 28 de fevereiro de 1967, o Código de Mineração, que traz, precisamente, normas gerais sobre exploração minerária, inclusive sobre os regimes de aproveitamento das substâncias minerais.
Já a Lei nº 7.591/11, do Pará, dispõe, como visto, sobre o exercício regular do poder de polícia conferido ao Estado, pelo parágrafo único do art. 23, da Constituição, sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento, realizada no Estado, dos recursos minerários.
A distinção é evidente e não padece de qualquer mácula.
A par disso, apesar de serem bens da União, a exploração dos recursos minerais impacta diretamente nos Estados e Municípios, já que o solo, a superfície a ser atingida por tal atividade, constituem bens estaduais e municipais. Assim é que toda a infraestrutura para que as mineradoras atuem no Estado não é dada pela União, mas pelo Estado. São os Estados, e mais ainda, os Municípios, que sofrem intensamente os efeitos colaterais da atividade minerária, em âmbito social, estrutural, ambiental e afins.
Assim, também em razão desse impacto é que exsurge o interesse e a competência, já prevista pelo constituinte, para fiscalizar a atividade mineradora. A deixar de impor a TFRM, a atividade fiscalizatória do Estado acabaria sendo paga pela população do Pará, em benefício e lucro exclusivos das mineradoras, a evidenciar a socialização dos custos e a privatização dos lucros.
É de se destacar, ainda, que não há qualquer antinomia ou conflito entre o Código de Mineração e a Lei paraense instituidora da TFRM e do CERM, uma vez que não tem a aptidão de permitir ou proibir o exercício das atividades de lavra e pesquisa, servindo apenas para viabilizar a cobrança da TFRM. Trata-se de uma obrigação tributária acessória, enquadrando-se ao que prescreve o art. 113, §2º, pelo qual “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Não é, portanto, autorizativo de atividades minerárias.
Outro fator que revela o interesse patente do Estado do Pará em fiscalizar a atividade minerária está diretamente ligado à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, cuja cota estadual de 23% (vinte e três por cento) constitui receita originária dos Estados, independente de convênios ou acordos políticos. Essa receita, além de compensar ou repartir os lucros, busca afastar, ou ao menos diminuir, a prevalência da União sobre os demais entes, garantindo a independência financeira e algum equilíbrio no âmbito do pacto federativo, amenizando a ameaça do chamado “federalismo de fachada”.
Decorrência disso é o art. 14, IX, da Lei nº 7.591/11, pelo qual,
Art. 14. As pessoas obrigadas à inscrição no CERM, observado o prazo, a forma, a periodicidade e as condições estabelecidas em regulamento, prestarão informações sobre: IX - os valores recolhidos, a título da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM, de que trata a Lei Federal n° 7.990, de 28 de dezembro de 1989, bem como as informações necessárias ao seu cálculo e à comprovação de seu recolhimento;
Há de se observar, ainda, a questão não apenas do ponto de vista tributário, mas também ambiental.
Assim, além da competência comum para registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, o art. 23 prevê, em seu inciso VI, a competência comum também para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Há, ainda, a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”, consoante o art. 24, VI, da Constituição.
Em verdade, mais do que uma competência ou um poder, o Poder Público, incluindo-se, por óbvio, os Estados, tem o dever de proteger e preservar o meio ambiente. Nesse sentido é o art. 225, da Constituição Federal, pelo qual:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Tem-se, portanto, ser dever do Poder Público a preservação do meio ambiente, no que se inclui a fiscalização de atividades potencialmente causadoras de impacto ambiental, mesmo porque a exploração sustentável dos recursos naturais constitui interesse coletivo, apto a atrair o exercício do poder de polícia, pelo Poder Público, a ser remunerado mediante taxa.
Assim é que a Lei nº 7.591/11, em seu art. 3º, parágrafo único, prevê que a Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração – SEICOM – contará com o apoio operacional da Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA, entre outras.
Destarte, o Estado reúne as competências administrativa, legislativa e tributária para instituir a TFRM, sem qualquer agressão ao texto constitucional vigente; muito ao contrário, concretiza-o.
No que concerne à base cálculo da TFRM, qual seja, a tonelada de minérios extraída, o art. 6º, da Lei nº 7.591/11 é plenamente compatível com o art. 77, do Código Tributário Nacional, que prescreve:
As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.
A base de cálculo das taxas devem, assim, expressar grandeza relacionada à atividade estatal desenvolvida.
O Supremo Tribunal Federal, ao decidir o RE 239.397-2[48], declarou a constitucionalidade da “taxa florestal”, cuja base de cálculo era a quantidade de produtos vegetais extraída pelo contribuinte, a qual “fornece uma ideia bastante aproximada da extensão e da intensidade da ação extrativista sob controle, não podendo, por isso, ser tido por inadequado ou irrazoável”. Assim, na taxa decorrente do poder de polícia, basta a relação lógica entre a base de cálculo eleita pelo legislador e a atividade estatal desempenhada, sendo desnecessária a identidade absoluta entre o custo do serviço e o montante arrecadado pela taxa.
Também no RE 416.601-1[49], o Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade de taxa de controle e fiscalização ambiental com base de cálculo fixada em razão do potencial de poluição e grau de utilização de recursos minerais, calculados conforme a natureza da atividade e o porte de cada empresa contribuinte.
Há, ainda, a constatação de Eros Roberto Grau[50], lançada em parecer juntado também à ADI 4786, juntado pelo Estado do Pará, em que se declarou:
“Ao cabo de tudo, porquanto sublinha a irrelevância da vinculação exata entre a base de cálculo da taxa de poder de polícia e o custo do serviço, a Súmula 665 do STF, referida à Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários. Trata-se de taxa de polícia em valor fixo que varia em função do patrimônio líquido do contribuinte, cuja constitucionalidade foi, não obstante, afirmada pelo STF.”
O que se deve observar é uma relação de pertinência e razoabilidade, de modo que o cálculo para se chegar ao montante a ser pago a título de taxa resulte em valor aproximado ao custo da atividade fiscalizatória.
É preciso, contudo, observar as palavras de Paulo de Barros Carvalho[51] lançadas em parecer juntado pelo Estado de Minas Gerais na ADI 4785, segundo o qual:
“Acontece que nas taxas não é tão simples mensurar o custo da atuação estatal desenvolvida em relação a cada administrado. Por esse motivo, o legislador, muitas vezes, elege uma ou mais unidades de medida (volume, peso, quantidade de atos, etc.) para quantificar a obrigação tributária. Esses elementos não são escolhidos aleatoriamente, mas em razão do cunho monetário neles implicitamente agregado”.
Ora, no presente caso, quanto maior o volume de minérios extraídos, mais intensa há de ser a atividade fiscalizatória empreendida pelo Estado. Essa também é a conclusão de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo[52], em parecer juntado pelo Estado de Minas Gerais à ADI 4785, para quem “essa grandeza, a tonelada, tem muito maior relação com a atividade por ela provocada (mais extração, maior necessidade de fiscalização), do que com a capacidade contributiva revelada na operação”.
É necessário apartar, ainda, o volume de minérios extraído do seu valor comercial, tanto porque apenas aquele serve de base de cálculo para a TFRM, quanto para demonstrar que não há, de fato, coincidência com a base de cálculo de qualquer imposto, em observância ao art. 145, §2º, da Constituição Federal, pelo qual “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.
Não há, de fato, qualquer imposto cuja base de cálculo seja precisamente a tonelagem de minério. Em verdade, a base de cálculo da TFRM sequer trata de manifestação de riqueza, essência da incidência dos impostos, tanto que a alíquota e a base de cálculo não variam a partir da qualidade do minério ou de eventual lucro que será percebido pelo contribuinte; trata-se de base de cálculo que corresponde à atividade fiscalizatória: quanto maior o montante extraído, lavrado, etc., maior será a atividade fiscalizatória pelo Estado.
Ademais, não há qualquer empecilho em buscar, como base de cálculo da taxa, apenas um indicador da base de cálculo típica de impostos, desde que não haja completa coincidência. Assim é também para Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo[53], que afirmam, no parecer mencionado:
Tal como a área do imóvel, no tocante à taxa pela coleta do lixo, é um dos indicadores da intensidade da utilização do serviço de coleta de lixo, a quantidade de minério extraído é reveladora da intensidade do poder de polícia necessário à fiscalização da atividade do contribuinte.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[54] é pautada precisamente nesse sentido, sendo consolidada no enunciado nº 29 de sua Súmula Vinculante: “É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”.
Destarte, não há falar, por exemplo, em identidade entre a base de cálculo da TFRM e base do ICMS, pois, conforme Paulo de Barros Carvalho[55], no citado parecer,
Enquanto no ICMS toma-se por base o valor da mercadoria que é objeto de circulação (medindo-se, assim, a capacidade contributiva do sujeito passivo), a TFRM é calculada segundo a quantidade/tonelada de minério extraído, para, desse modo, retribuir o custo da atuação estatal fiscalizatória da atividade privada.
Não há, também, qualquer identidade entre a TFRM e as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Tais contribuições têm a finalidade de servir como instrumento de atuação do Estado na área econômica, para que se respeitem os princípios erigidos no arts. 170 a 181, CF. A TFRM, por sua vez, não pretende interferir no domínio econômico, nem sua receita se presta a implemento de melhorias no setor ou na concorrência; está dirigida para os interesses da coletividade, mediante controle da liberdade dos indivíduos.
Assim é que a taxa com fundamento no poder de polícia não se confunde com um tributo de natureza extrafiscal, pois, neste caso, o próprio tributo funciona como fato regulatório, sem finalidade arrecadatória, enquanto, naquele, a taxa é mero instrumento de arrecadação, a fim de gerar receita ante os custos do exercício do poder de polícia.
Portanto, há de se ter uma relação de equivalência entre o custo do exercício do poder de polícia e o valor da taxa. Um exemplo é a taxa de licenciamento ambiental que, conforme o art. 13, §3º, da Lei Complementar nº 140/11, prevê que “Os valores alusivos às taxas de licenciamento ambiental e outros serviços afins devem guardar relação de proporcionalidade com o custo e a complexidade do serviço prestado pelo ente federativo.”
Apesar disso, pode ocorrer que a receita gerada pela taxa supere os custos da atividade estatal, ou seja, um eventual superávit. Não se pode aferrar a uma equivalência estrita, mas a uma equivalência razoável, observado o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, eventual déficit é inadmissível, pois seria causado por atividades com fins e lucros puramente particulares. Neste caso, ante a impossibilidade de calcular cada centavo a ser empreendido na atividade fiscalizatória, mesmo porque esta pode variar, o cálculo da taxa a de ser feito com alguma folga orçamentária.
Nesse sentido, em caso de eventual superávit, a receita gerada não deve, obrigatoriamente, ser reinvestida na própria atividade fiscalizatória, podendo integrar a receita do Estado para outros serviços públicos, uma vez já cobertos os custos do exercício do poder de polícia.
Ressalte-se que o art. 167, IV, da Constituição Federal, veda a vinculação da receita de impostos, mas não de taxas; ou seja, não há qualquer dispositivo constitucional que vincule a receita das taxas, desde que observado, como visto, um valor razoável em relação ao custo da ação do Poder Público.
A Lei mineira nº 19.976/11 vincula a receita proveniente de sua TFRM, ao prever, em seu art. 19, que “os recursos arrecadados relativos à TFRM serão destinados aos órgãos e às entidades da administração estadual mencionados no art. 3°”.
A Lei paraense nº 7.591/11 não traz qualquer vinculação da receita da TFRM. Isso, por si só, não é fator suficiente para macular a constitucionalidade do diploma, mesmo para quem sustenta ser necessária a vinculação da receita à despesa do exercício do poder de polícia, como Leandro Paulsen[56], para quem “ainda que não haja a vinculação expressa do produto da arrecadação, será ela presumida”.
Contudo, não parece, de fato, ser obrigatória a vinculação da receita gerada pelas taxas ao seu reinvestimento na própria atividade fiscalizatória, se observado um valor razoável, que cubra o custeio da máquina estatal.
Dessa forma, comunga-se do entendimento de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo[57], exarado no citado parecer lançado na ADI 4785:
“Aliás, sendo a taxa um tributo cujo fato gerador é vinculado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte, é razoável que o produto da sua arrecadação seja destinado à cobertura das despesas decorrentes dessa atividade, embora essa vinculação não seja característica essencial das taxas. De fato, segundo o Código Tributário Nacional, a natureza especifica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante para qualificá-la a destinação legal do produto de sua arrecadação (art. 4º, II)”.
Não se está a contestar, por completo, a já citada lição de Leandro Paulsen, que entende haver uma dupla vinculação no caso das taxas; apenas está-se apontando a impossibilidade de impelir o Estado a reinvestir todo o produto do superávit se os custos da operação já houverem sido plenamente ressarcidos pelo período.
Há de se mencionar, por fim, que a lei paraense não traz disposição semelhante a do art. 7º, I, da Lei nº 19.976/11 mineira, já revogado, como noticiamos, pelo qual eram isentos do pagamento da TFRM “os recursos minerários destinados à industrialização no Estado, salvo quando destinados a acondicionamento, beneficiamento ou pelotização, sinterização ou processos similares”.
Sem nos aprofundarmos no ponto, parece-nos que, de fato, a norma violava o princípio da isonomia, bem como o art. 152, da Constituição Federal, uma vez que haveria benefício fiscal, qual seja, a liberação do pagamento de taxa de polícia sobre recursos oriundos de outros Estados, o que poderia atrair empresas mineradoras a se instalarem no Estado de Minas Gerais, incrementando ou deflagrando eventual guerra fiscal. Tampouco há falar em redução de desigualdades sociais e regionais, conforme art. 3º, I, da Constituição Federal, pois se afigura inviável cada Estado da federação, em sua própria análise, buscar tal finalidade por si, sendo necessária a participação de um ente externo, no caso, a União.