Ilegalidade do corte de fornecimento de água e o dano moral decorrente

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Trago nesse artigo um breve resumo da ilegalidade que as empresas de fornecimento de água fazem, ao coagir o consumidor ao pagamento da conta com o corte de fornecimento de água, e o dano moral decorrente desse abuso.

É muito comum, atualmente, as empresas concessionárias de fornecimento de água, onerar absurdamente o consumo de água (sem motivo), e quando o consumidor exerce seu direito de reclamar e pedir nova avaliação da conta eles se eximem, não fazendo uma nova leitura. Logo após, 3 ou 4 meses que não houve o pagamento da conta que foi questionada, a concessionária faz o corte de água sem nem ao menos avisar ao consumidor. O que é ilegal. Independente do pagamento.

Primeiramente, resta evidente que o fornecimento de serviços água encanada em áreas urbanas, é considerado serviço público essencial, assim definido pela Lei 7.783 de 28.6.89.

Como todo e qualquer serviço público, o fornecimento de água está sujeito a cinco requisitos básicos: a) eficiência; b) generalidade; c) cortesia; d) modicidade e finalmente e) permanência.

A permanência, principalmente no que diz respeito aos serviços públicos essenciais, está ainda sedimentada no artigo 22 "caput - in fine" do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 22: Os órgão públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, contínuos".

Assim, resta claro e evidente que o serviço de fornecimento de água, por ser essencial, não pode ser interrompido sobre qualquer pretexto. Claro, que a empresa concessionária pode utilizar de todos os meios juridicamente permitidos para fazer valer seu direto de receber pelos serviços prestados. Uma vez que é isso que deve ser feito quando não há o pagamento de algum tributo ou alguma dívida, a justiça deve ser acionada para que resolva a lide.

Aqui em Brasília é uma empresa Pública que faz os serviços de fornecimento de água encanada à população, ela explora na verdade um serviço público essencial à dignidade humana, posto que ligada diretamente a saúde e ao lazer.

Destarte, a dignidade da pessoa humana, encontra-se entre os princípios fundamentais de nossa Nação, como se encontra no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 reconhece que a saúde e o lazer são direitos sociais assegurados a todos os cidadãos e que incumbem ao Estado conforme se vê do artigo 196 da Constituição Federal, in verbis: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". A matéria novamente foi referendada pelo CDC na primeira parte do inciso I do artigo 6º: "Artigo 6º - São Direitos básicos do consumidor: I - a proteção a vida, saúde....

Não podendo, como empresa pública que presta serviços de fornecimento de água encanada, proceder a cortes, a fim de coagir o consumidor ao pagamento, pois o seu fornecimento trata-se de um dos direitos integrantes da cidadania.

Se não houve o pagamento, incumbe à empresa concessionária do serviço adotar providências que a lei lhe assegura para efetuar a cobrança do que lhe é devido. O que não se pode admitir nem permitir é a absurda exceção concedida a estas empresas para que procedam à margem da lei e do judiciário, realizando sua própria justiça. Fazendo uma verdadeira autotutela.

A Constituição Federal de 1988, no título II, que versa sobre "Direitos e Garantias Fundamentais", no capítulo I, que cuida dos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", especificamente no artigo 5º, incisos XXXII, determina que o Estado promoverá a defesa do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor utiliza técnica de enunciar os direitos básicos da parte vulnerável dessa relação jurídica. Assim, o artigo 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor, em harmonia com o comando constitucional acima registrado, reconhece como um dos direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos materiais e morais, inclusive facilitando o acesso ao Poder Judiciário.

Os dispostos do Código de Defesa do Consumidor adequam a via mandamental, como a mais eficiente para o exercício dos direitos derivados da relação de consumo.

Nesse sentido, uma vez provado que o Código de Defesa do Consumidor protege a relação entre o consumidor e a fornecedora de serviços de água encanada, muito embora também protegida por outras legislações, inclusive constitucionais, quis a lei, que a via processual adequada para que o Estado Resguarde o Direito, e Retribua com a necessária Justiça.

Caso seja interrompido o fornecimento de água pela empresa, o consumidor deve procurar um advogado ou a defensoria pública para auxiliá-los, em que pese, a ação possa ser feita nos juizados especiais da fazenda pública, como por exemplo, aqui em Brasília, muitos consumidores não entendem do seu direito e acabam fazendo uma redução a termo que não contam a realidade dos fatos, e acabam levando o juiz ao julgamento do mérito diferente dos fatos e do direito. Por isso, é sempre bom procurar um advogado ou a defensoria pública para auxiliar o consumidor.

Nesse diapasão, cabe uma ação de obrigação de fazer com antecipação de tutela específica para o religamento da água ou ação de obrigação de fazer com antecipação de tutela específica c.c com indenização de danos morais e (materiais dependendo do caso concreto).

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A responsabilidade civil decorrente de corte indevido no fornecimento de água é in re ipsa, prescindindo de demais elementos probatórios para sua comprovação. Como bem decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: “No caso do dano in re ipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano.”

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, conceitua o dano moral como:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2008, p.359).

Nesse sentido, também leciona Nehemias Domingos de Melo:

“dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica”. (MELO, 2011.)

Como bem explicado pelo Doutrinador Gonçalves, “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”

Nesse sentido a jurisprudência é pacífica em relação ao corte indevido e o dano moral gerado pela ilegalidade da empresa. In verbis:

DIREITO DO CONSUMIDOR - CORTE INDEVIDO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA - LEGITIMIDADE DO USUÁRIO DO SERVIÇO - OCORRÊNCIA- DANO MORAL - CABIMENTO. 1.CONSOANTE ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, O FORNECIMENTO DE ÁGUA OU COLETA DE ESGOTO NÃO SE VINCULA À TITULARIDADE DO BEM, MAS AO CONSUMIDOR QUE RECEBE E USUFRUI DOS SERVIÇOS PRESTADOS. 2.VERIFICADO QUE O CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA FOI INDEVIDO, HAJA VISTA A COMPROVAÇÃO DE QUE FATURA DA QUAL DECORREU A ORDEM DE SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS ESTAVA PAGA, É CABÍVEL É A REPARAÇÃO MORAL, CUJO VALOR DEVERÁ SER PROPORCIONAL À EXTENSÃO DO DANO EXPERIMENTADO PELO USUÁRIO DURANTE O PERÍODO DE PRIVAÇÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-DF - APC: 20100110671378 DF 0027323-59.2010.8.07.0001, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 18/12/2013, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/02/2014 . Pág.: 215)

INDENIZAÇÃO. CAESB. FATURAMENTO DE CONTAS. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. CORTE INDEVIDO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DANOS MORAIS. VALORAÇÃO. I - O CORTE INDEVIDO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA, POR ESTAR A FATURA COM A EXIGIBILIDADE SUSPENSA DEVIDO À RETENÇÃO PARA ANÁLISE, MOTIVA A RESPONSABILIZAÇÃO DA PRESTADORA DO SERVIÇO PELA REPARAÇÃO DE EVENTUAIS DANOS. II - DEMONSTRADO O DANO MORAL SOFRIDO, EM RAZÃO DA INTERRUPÇÃO INDEVIDA DO FORNECIMENTO DE ÁGUA À RESIDÊNCIA DA AUTORA. III - A VALORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL, ENTRE OUTROS CRITÉRIOS, DEVE OBSERVAR A GRAVIDADE, A REPERCUSSÃO, A INTENSIDADE E OS EFEITOS DA LESÃO, BEM COMO A FINALIDADE DA CONDENAÇÃO, DE DESESTÍMULO À CONDUTA LESIVA, TANTO PARA O RÉU QUANTO PARA A SOCIEDADE. DEVE TAMBÉM EVITAR VALOR EXCESSIVO OU ÍNFIMO, DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANTIDO O VALOR FIXADO PELA R. SENTENÇA. IV - AS CONTAS QUESTIONADAS PELA CONSUMIDORA FORAM CORRETAMENTE FATURADAS PELO CONSUMO MEDIDO. CONFIRMADO O VOLUME DE ÁGUA CONSUMIDO, IMPROCEDE PEDIDO DE FATURAMENTO PELA MÉDIA. V - APELAÇÕES IMPROVIDAS. (TJ-DF - APL: 216497120088070001 DF 0021649-71.2008.807.0001, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/03/2012, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 22/03/2012, DJ-e Pág. 193)

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CAESB. FATURA. COBRANÇA REFERENTE A CONSUMO DE USUÁRIO PRETÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. CORTE INDEVIDO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. REDUÇÃO DO QUANTUM. PROPORCIONALIDADE. 1. CONSOANTE ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, O FORNECIMENTO DE ÁGUA OU COLETA DE ESGOTO NÃO SE VINCULA À TITULARIDADE DO BEM, MAS AO SUJEITO QUE MANIFESTA A VONTADE DE RECEBER OS SERVIÇOS. 2. O CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA, COMPROVADAMENTE INDEVIDO, CONSTITUI DANO MORAL INDENIZÁVEL. 3. OBSERVADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE, ENTENDE-SE POR JUSTA A REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.  (TJ-DF - APC: 20090110417360 DF 0023250-78.2009.8.07.0001, Relator: OTÁVIO AUGUSTO, Data de Julgamento: 10/07/2013, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/08/2013 . Pág.: 110)

Por fim, é mais que evidente, que as empresas concessionárias fornecedoras de serviço de água, não podem coagir nem tentar usar de “autotutela”, com a coerção do consumidor para fazer o pagamento da conta de água. Uma vez que a ilegalidade está mais que demonstrada, pois fere uns dos princípios basilares da nossa Carta Magna, além PACTO de SAN JOSÉ DA COSTA RICA qual o Brasil é signatário  que é a dignidade da pessoa humana, além de infringir o direito a saúde entre outros já mencionados.

O dano moral aqui vem como uma maneira de reparar o dano sofrido pelo consumidor, além da humilhação do corte indevido. Bem como de caráter pedagógico para a empresa. Devendo o Magistrado levar em conta os dias que o consumidor ficou sem água,  do grau de culpa do agente, o potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos aos critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade.

Referências:  MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral – problemática:  do cabimento à fixação do quantum. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. rev. E atual. São Paulo, 2008.v IV.

Lei 7.783 de 28.06.1989.

Constituição Federal da República de 1988.

Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078 de 1990.

www.stj.jus.br

www.jusbrasil.com.br

www.tjdft.jus.br

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Sobre a autora
Yngrid Hellen Gonçalves de Oliveira

Advogada correspondente em Brasília e toda região do Distrito Federal. Formada pela Faculdade Icesp/Promove; Atuação em todas as instâncias da Justiça Estadual, Federal e Tribunais Superiores. Cópias de processos, ajuizamento, distribuição e protocolo de petições em geral; pedido de certidões forenses e cartorárias e audiências. Atuação com consultoria e assessoria jurídica, acompanhamento processual jurídico e/ou administrativo. Atuação área Criminal, Cível e Consumidor. Contato: 61 993341720 [email protected] Facebook: Yngrid Gonçalves advocacia & consultoria jurídica

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