Do direito de ser família: a homoafetividade em foco

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4. Família Homoafetiva

4.1. Reconhecimento Social X Reconhecimento Jurídico

Costumeiramente tem-se a ideia de que família é o grupo que envolve afeto e respeito mútuo formado por homem e mulher, selado pelo matrimônio. O texto constitucional e legal não faz distinção do sexo do par quando do casamento, o que possibilitou uma série de mudanças, fazendo com que não haja impedimentos ao casamento homoafetivo.

A homossexualidade é algo que sempre esteve presente em todas as civilizações ao redor do mundo. Erro é a tratarmos como pecado, como faz a religião, muito menos como vício ou doença. Não se sabe onde surgiu o primeiro homossexual, e tampouco importa, como expressa Pablo Stolze citando Jurandir Freire Costa em entrevista ao Jornal do Comércio, nas seguintes linhas:

Não há um tipo de processo pelo qual as pessoas tornam-se homossexuais, assim como não existe um único tipo de processo psíquico pelos quais as pessoas tornam-se heterossexuais. É equivalente ao processo que torna alguém jogador de futebol ou músico. Querer encontrar a ‘homossexualidade comum’ a todos os homossexuais é uma tarefa tão vã quanto querer procurar a ‘politicidade' comum a todos os políticos. (STOLZE, 2014. p. 538).

Fato notório é que se trata, a homossexualidade, de uma realidade histórica e seu reconhecimento jurídico se deu, de início, a nível mundial não como “casamento”, mas como uma união civil digna de produzir todos os efeitos legais.

A pioneira nesse reconhecimento de direitos de casais do mesmo sexo foi a Dinamarca, que em 1989, possibilitou inclusive a troca de sobrenomes.

A Noruega, em março de 1993 regulamentou, através de lei, as relações homossexuais, sendo seguida pela Suécia, que o fez em 1995.

A previsão legal de relações homossexuais provocou a permissão do instituto casamento à essas uniões em 2001, na Holanda, primeiro País da era moderna a admiti-lo nessas circunstâncias. Dessa época até hoje, muitos países têm seguido o exemplo e concedido o direito de se casar aos casais homoafetivos, inclusive o Brasil, como será discutido mais adiante.

Vejamos uma lista dos países que aprovam o casamento homoafetivo:

País

Ano em que foi aprovado

Holanda

2001

Bélgica

2003

Espanha

2005

Canadá

2005

África do Sul

2006

Noruega

2009

Suécia

2009

Portugal

2010

Argentina

2010

Islândia

2010

Dinamarca

2012

Brasil

2013

Uruguai

2013

Nova Zelândia

2013

França

2013

Inglaterra

2014

País de Gales

2014

Escócia

2014

Luxemburgo

2014

Finlândia

2015

Irlanda

2015

Estados Unidos

2015

Tabela formada em 28/01/2016

(Fonte: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/veja-lista-de-paises-que-ja-legalizaram-o-casamento-gay.html).

A religião alimentou grande repúdio contra as uniões de pessoas do mesmo sexo, que na linha do tempo foram tratadas com desprezo e discriminação. A violência existente contra homossexuais que se testemunha atualmente nas ruas é fruto de anos de intolerância com a diferença, o que levou muitas pessoas a fingirem possuir uma heterossexualidade que não tinham, por medo de retaliações sociais que poderiam lhe causar, inclusive, a morte.

Os legisladores, que dependem de seus fiéis eleitores, por muito tempo resistiram em aprovar leis que concedessem direitos às minorias que sofriam preconceito. Por esse motivo, sempre houve marginalização legal das uniões homoafetivas, o que, todavia, não implicou em ausência de direitos.

O Poder Judiciário, fugindo dessa omissão legislativa, utilizando de analogias, princípios gerais de direito e costumes, dentre outras ferramentas, conforme expressa o artigo 4º da LINDB[2] e o artigo 126 do Código de Processo Civil Brasileiro[3], começou então a reconhecer as uniões homoafetivas brasileiras como dignas de tutela.

A Constituição Federal de 1988, lastreada sob uma visão humanista dos fatos da vida, prestou especial atenção às diversas espécies de uniões que foram surgindo ao longo do tempo, prevendo direitos às famílias monoparentais e às uniões estáveis, que passaram a ser tidas como família mesmo sem o selo do casamento. (Artigo 226).[4]

Porém, esse reconhecimento não engloba todos os arranjos familiares existentes em nossa sociedade. Não se podem excluir de ser família, desde que presentes os requisitos de afetividade, comunhão de vida e respeito recíproco, uniões em que não haja diversidade de sexos, pelo caráter inclusivo que a Carta Magna trouxe em seu texto, não fazendo referência a determinado tipo de família como sendo o ideal ou correto, devendo, portanto, ser feita uma interpretação extensiva a todos os arranjos que atenderem aos requisitos anteriormente descritos.

Nessa linha de pensamento, os tribunais começaram a decidir em favor de uniões homoafetivas dando-lhes reconhecimento como entidade familiar, o que esbarrou nas Cortes Superiores. Em 05/05/2011 o Supremo Tribunal Federal acolheu a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132[5] conferindo os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis às famílias homoafetivas. Vejamos a Ementa da ADI 4.277, ponto a ponto, fazendo as devidas considerações acerca dessa primeira decisão histórica para o Direito das Famílias, proferida de maneira unânime e com efeito vinculante e eficácia perante todos.

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

Logo de início, percebemos a concretização de uma ideia da qual se pretende fugir quando dessa discussão acerca do direito das famílias, que são a questões de gênero, seja homem ou mulher. A afirmação da sexualidade de cada indivíduo no plano individual é elevada a cláusula pétrea, sendo vedada qualquer espécie de discriminação. Segue o ponto com a grafia literal da decisão:

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

Esse ponto em específico exprime a questão central que a presente produção científica pretende trabalhar, pois é aqui que se estabelece que o grupo familiar deve ser enxergado como lugar de convivência a que todos têm direito, pouco importando como se dá sua formação, pelo caráter não-reducionista da expressão família, à luz da Constituição Federal de 1988, conforme se observa a seguir:

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

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No trecho a seguir foi esclarecida a escolha em utilizar o termo “entidade familiar” para se referir à união estável, o que não resulta em qualquer diferença entre a “família”, e ainda foi constado no texto a seguir a extensão de todos os direitos aos casais homoafetivos:

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

Em seguida o particular entendimento dos Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso quanto à fundamentação do acórdão:

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

Por fim, a conclusão da Ação Direta de Inconstitucionalidade, reconhecendo a união homoafetiva como família, sendo ordenada a interpretação do artigo 1723 do Código Civil conforme a Constituição Federal:

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme a Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

(STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>).

A partir de então, a jurisprudência passou a admitir a conversão da união homoafetiva em casamento. O Superior Tribunal de Justiça, visando mais avanços, admitiu a habilitação direta para o casamento[6]. O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n.º 175/13, proibiu que as autoridades competentes negassem a celebração de casamento ou conversão de união estável em casamento de pessoas do mesmo sexo.

Na atual conjuntura social do direito, onde princípios têm sido postos acima de regras, não se pode, com base na dignidade da pessoa humana, da liberdade e afetividade, se deixar de prestar tutela às uniões homoafetivas, visto que essas possuem as mesmas características de um casal heteroafetivo, com comunhão de vida, publicidade e continuidade, repousando a única diferença na impossibilidade da geração de filhos pelo método natural, o que não obsta o reconhecimento de um grupo como família. Vale salientar que também há possibilidade de casais homoafetivos terem família com filhos, pois podem ter acesso às técnicas de reprodução assistida, conforme consta da Resolução n.º 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina.

Com isso, passaremos a verificar os efeitos do reconhecimento das uniões homoafetivas.

4.2. Adoção

Tendo-se o raciocínio de que uma união homoafetiva merece reconhecimento como instituição familiar, surgem como consequência todos os direitos decorrentes no âmbito do Direito das Famílias.

Além dos direitos e deveres pessoais, que são recíprocos (lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos), também surgem direitos patrimoniais (alimentos, regime de bens e efeitos sucessórios).

Todavia, ainda existe grande discussão acerca da adoção realizada por casais do mesmo sexo. O raciocínio errôneo de alguns é que a criança acolhida por esses casais viria, necessariamente, a se tornar também homossexual em decorrência da observação do comportamento e convivência com seus pais. Partindo da premissa de que não existe causa comprovada cientificamente para a homoafetividade, entendemos que essa teoria é totalmente descabida, tendo como contraste as inúmeras famílias formadas por casais heterossexuais que não têm filhos obrigatoriamente nessa mesma condição.

Sendo assim, os critérios para a adoção de crianças se pauta no bem estar do adotando dentro do convívio familiar e em reais vantagens para este, como está escrito no artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente[7], obedecendo ao rito comum para tal instituto, como feito para casais do sexo oposto, conforme explica Pablo Stolze nas linhas a seguir:

Assim como se dá no procedimento comum de adoção por casais heterossexuais, o juiz deverá avaliar as condições sociais, morais e psicológicas dos adotantes — valendo-se de laudo psicológico, se necessário for — decidindo se a medida garante o bem-estar do adotado ou não.

Vale dizer, é a cuidadosa análise do caso concreto que dirá se a adoção é medida aconselhável, e não a ideia preconcebida de que o núcleo homoafetivo, por si só, traduziria algum risco ao menor. (STOLZE, 2014, p. 563).

Portanto, não há que se falar em critérios exclusivos para este ou aquele tipo de casal, pois os critérios estão estabelecidos, em sua maioria, com base no bem estar do adotando, posto que se este for alcançado, pode ser realizada, inclusive, a adoção unilateral.

4.3. Alimentos e Regime de Bens

Seguindo o mesmo caminho, temos que tais institutos presentes nas uniões estáveis de casais de sexos diversos também são plenamente aplicáveis às uniões homoafetivas.

Sobre o tema alimentos, vale destacar, pode haver negativa do direito do requerente, não levando em consideração o sexo do casal, posto que houve uma relação comum em afeto, somente caso não seja observado pelo julgador o binômio necessidade do alimentando X capacidade econômica do alimentante, como demonstra a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no Agravo de Instrumento a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA E ALIMENTOS. UNIÃO HOMOAFETIVA. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. Mantida a decisão agora recorrida, porquanto necessária, no caso, dilação probatória acerca das alegações do recorrente. NEGADO SEGUIMENTO.

(Agravo de Instrumento Nº 70057864191, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 09/12/2013).

O regime de bens comum às uniões estáveis, seja homo ou heteroafetiva, é o parcial de bens, seguindo a regra do artigo 1.725 do Código Civil Brasileiro[8]. Vejamos como é a realidade dos Tribunais:

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. PARTILHA. SENTENÇA MANTIDA. Aplica-se, no caso, o regime de comunhão parcial de bens, devendo ser partilhados, na proporção de 50%, os bens adquiridos durante a união, porquanto se presume tenham sido adquiridos com o esforço comum, nos termos do art. 1.725 do Código Civil. RECURSO DESPROVIDO.

(Apelação Cível Nº 70059100727, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 16/04/2014).

O julgado acima, do Tribunal Gaúcho, concedeu o direito à partilha em igual proporção para o casal em decorrência do regime de comunhão parcial de bens.

4.3. Reconhecimento Previdenciário

Dois são os requisitos para que seja deferida a pensão por morte, de acordo com a Lei n. 8213/1991, quais sejam: a qualidade de segurado do instituidor e a dependência dos beneficiários.

Dessa forma, havendo união estável entre o beneficiário e o ex-segurado até a data do óbito, surge o direito ao benefício retro citado, sendo então estendido o raciocínio aos casais homoafetivos. O Tribunal Regional Federal usou desse entendimento no seguinte julgado:

SERVIDOR. PENSÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. COMPROVAÇÃO. I - O STF firmou precedente reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo ao julgar a ADI nº 4277/DF e a ADPF nº 132/RJ, em pronunciamento com eficácia erga omnes e efeito vinculante que apresentou interpretação conforme à Constituição do art. 1.723 do CC, à luz do art. 226, § 6º, da CF. 3. Comprovada a união estável e duradoura com a falecida servidora e sendo presumida a dependência econômica entre companheiros, é devida a pensão em favor da autora, nos termos do art. 217, I, c, da Lei nº 8.112/90. II - No que pertine, por sua vez, à data para início do pagamento da verba pleiteada, considerando que inexiste nos autos comprovação de que a Parte Autora teria ingressado com pedido administrativo para a concessão da pensão em testilha, deve-se considerar o dies a quo para pagamento do benefício em liça a data da citação da União Federal. III - Remessa Necessária parcialmente provida.

(TRF-2 - REO: 200951010237149, Relator: Desembargador Federal REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 18/12/2013,  SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA).

A decisão acima demonstra a concessão de pensão à autora pela morte de sua companheira, posto que dependia financeiramente desta.

4.4. Efeitos Sucessórios

Analisando todos os efeitos do reconhecimento das uniões homoafetivas como família expostos nesse trabalho até o presente momento, seria um contrassenso a negativa de direito sucessório ao parceiro sobrevivente. Se assim o fosse, haveria o desprezo de todo o afeto cultivado durante a vida conjugal, fazendo com que este perecesse após a morte!

Já que se utiliza de analogia para que concedam todos os outros direitos, não há dúvida que essa mesma tese impera no direito sucessório homoafetivo, que utilizará o mesmo regramento da união estável heteroafetiva, consubstanciada no artigo 1790 do Código Civil Brasileiro, in verbis:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 29 de Fevereiro de 2016.).

Embora exista tenra discussão acerca do processamento das sucessões com base no artigo acima, posto que alguns doutrinadores creem haver certo prejuízo pra o companheiro em detrimento do cônjuge, o que se pretende demonstrar nesse tópico é que o mesmo procedimento aplicado aos casais com diversidade sexual se aplica às uniões homoafetivas.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Erick da Silva Matias

Bacharel em Direito pela FACESF e Especialista em Direito do Trabalho pela UCAMPROMINAS

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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