3-Inicialmente é mister observar que o Decreto-lei n. 271/1967 não dispunha apenas sobre parcelamento do solo, regulamentando, ainda, outras matérias, entre elas a concessão de uso de terrenos, nem revogou o Decreto-lei n. 58/1937, tão pouco o seu regulamento, como está no art. 10.
Dizendo que o Decreto-lei 271/1967 foi revogado, porque sua matéria foi inteiramente regulada pela Lei n. 6766/1979, comete-se um equívoco, porque a matéria pertinente à concessão de uso não podia ser alcançada, e tanto isso é verdade que a Lei n. 11.481/2007, no deu nova redação do art. 7º do Decreto-lei citado, o que evidencia que o Decreto-lei n. 271/1967 não foi revogado. Quem o diz é o próprio legislador
Há entendimento no sentido de que o art. 3º do Decreto-lei n. 271/1967 teria sido ab-rogado pela Lei n. 6.766/1979. A toda evidência que não se pode falar em ab-rogação. Revogação é gênero, que admite duas espécies: a ab-rogação, ou revogação total, e a derrogação, que é a revogação parcial. Assim, considerando que a referência é específica ao art. 3º, não se trata de ab-rogação, mas de derrogação, porque a ab-rogação envolve toda a lei, e não um dos seus artigos.
Feita essa observação, que é tecnicamente necessária, e em ciência a terminologia é indispensável, é de se afastar esse entendimento.
O Oficial do Registro de Imóveis, GILBERTO VALENTE DA SILVA, em trabalho que apresentou no XXI Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis, em Cuiabá, assim se posicionou:
“O consagrado Príncipe dos Advogados Paulistas, Theotônio Negrão, em suas edições do Código Civil, sempre tem mantido, mesmo depois da vigência da Lei n. 6.766/79, os arts. 3º e seguintes do referido Decreto-lei como vigentes, reconhecendo ele e sendo pacífico que toda a matéria relacionada com loteamentos e desmembramentos que esse Decreto disciplinava foi derrogada pela Lei de Parcelamento de Solo que, entretanto, manteve hígidos os demais dispositivos.”
Não é outro o entendimento de SÉRGIO A. FRAZÃO DO COUTO, com apoio no art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Privado, dizendo:
“A nova lei não mencionou nenhum dos corpos legislativos anteriormente vigentes. Assim, excluída está a aplicação da regra contida no parágrafo 1º do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
“Poder-se-ia propor que a regra aplicável seria estabelecida no parágrafo 2º do art. 2º, da mesma Lei, que diz que novas disposições gerais ou especiais, a par das já existentes, não revogam ou modificam a Lei anterior.
“Em contraposição, poderíamos trazer a debate a parte final do perígrafo 1º do art. 2º, que diz que a Lei posterior revoga a anterior, quando regula inteiramente a matéria de que tratava a Lei anterior.
“Diante disso, acreditamos que a Lei n. 6.766/79 revogou o Decreto-lei 58/37 somente em parte. Tampouco revogou totalmente o Decreto-lei n. 271/67..” (COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual Teórico e Prático do Parcelamento Urbano. Rio: Forense, p. 404, 1981) (grifou-se)
A toda evidência que o que ocorreu foi a derrogação de alguns dispositivos do Decreto-lei n. 271/1967, como a definição de loteamento e desmembramento, que estavam no art. 1º, §§ do Decreto-Lei n. 271/1967. (OLIVEIRA, Gustavo Burgos de, Loteamento, Desmembramento, Desdobro, Loteamento Fechado. Jus Navegandi. Teresina, ano 13, n. 1688, 14 fev. 2008)
Não foi derrogado o art. 3º do Decreto-lei n. 271/1967, porque a Lei n. 6.766/1979 não disciplinou a figura legal introduzida pelo citado dispositivo legal. A aplicação do Decreto-lei n. 271/1967 aos loteamentos, equiparando o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação, cria uma nova forma de aproveitamento do solo urbano, que se contém no conteúdo econômico do direito de propriedade. Não fere a função social da propriedade, não prejudica o desenvolvimento das cidades. Trata-se de atividade econômica, que não se pode impedir sob pena de haver ingerência na ordem econômica sem a concorrência dos requisitos legais para tanto.
O art. 3º do Decreto-lei n. 271/1967 promove a equiparação legal de edificações, assim considerando as obras de infra-estrutura do “loteamento”, que se alcança pela conjugação da Lei n. 4.591/1964 com o art. 3º do Decreto-lei em estudo. (SILVA, Gilberto Alves Valente da, Condomínio sem Construção. Trabalho apresentado no XXI Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis, Cuiabá)
Não se vislumbra a pretendida ab-rogação, mas derrogação de dispositivos do Decreto-lei, e entre eles não está o art. 3º.
Por derradeiro, é curioso que se admita a vigência do art. 8º da Lei n. 4.591/1964, quando existe norma geral, que é o Código Civil, que disciplina o condomínio edilício. Se a norma geral não prejudicou a higidez do art. 8º, embora tenha alcançado os demais dispositivos legais, com mais razão a solução se aplica ao art. 3º da do Decreto-lei n. 271/1967, pelas razões já expostas.
4- Argumenta-se que o fechamento de loteamento é medida inconstitucional, porque haveria ofensa ao direito de ir e vir dos cidadãos, o direito difuso à cidade, tipificando apropriação de bens públicos de uso comum do povo (ruas, praças etc.), por um grupo de moradores.
A base legal para esse entendimento é o art. 17 da Lei n. 6.766/1979.
Em primeiro lugar, o art. 17 da Lei n. 6.766/1979 disciplina os efeitos do registro do loteamento, ou seja, ela diz que as áreas que especifica entram no domínio público, estabelecendo as diretrizes para que a situação seja alterada. Não se aplica à espécie.
O parcelamento do solo conhece uma primeira fase, que PONTES DE MIRANDA denomina como parcelamento material. É quando são tomadas as providências preliminares, a cargo do parcelador, sob a vigilância e exigência da municipalidade. (Pontes de Miranda, apud VIANA, Marco Aurelio S., 2ª. ed. Comentários à Lei Sobre Parcelamento do Solo Urbano. São Paulo: Saraiva, pág. 1, 1984)
Nessa fase cabe ao empreendedor fazer pedido ao Poder Municipal no sentido de submeter o loteamento à modalidade de loteamento fechado. O Município responde segundo o interesse da comunidade, na tutela efetiva dos direitos da coletividade. O Poder Público municipal adota a permissão ou a concessão de uso como forma de atender ao empreendimento.
A aprovação do parcelamento (loteamento ou desmembramento) é ato administrativo, sem força cogente. O art. 17 da Lei n. 6.766/79, estatui que com a aprovação os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos, e outros equipamentos urbano, constantes do projeto e do memorial descritivo, “não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador”, abrindo exceção para as hipóteses de caducidade ou desistência pelo empreendedor, atendido o mandamento do art. 23 da Lei especial.
Dúvida não fica que a aprovação pelo Município não implica em transferência da propriedade para o Poder Público Municipal, mas apenas impede que o parcelador altere o projeto aprovado.
Não é demais lembrar que a Lei n.11.481/2007 admite a concessão de uso especial para fins de moradia (art. 22-A) com aplicação a área de propriedade da União, ou seja, bem público. Alterando o art. 17 da Lei n. 8.666/1993, permite, na alínea f, a concessão de direito real de uso ou permissão de uso de bens imóveis residenciais em regularização fundiária de interesse social, ou seja, sobre bem público.
Cuidando da regularização fundiária de interesse social, autoriza a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, dando nova redação ao art. 7º do Decreto-lei n. 271/1967, evidenciando, assim, que o Decreto-lei em questão não foi ab-rogado. E adota a solução visando urbanização, matéria de competência municipal.
A toda evidência que a concessão de direito real de uso ou permissão de uso de bens é afeta à urbanização, e por isso o Município pode legislar, como o têm ocorrido em alguns Municípios.
Já enfrentei essa questão afirmando que nada impede a utilização privativa de bens públicos, citando em favor dessa tese o magistério de Hely Lopes Meirelles e Diógenes Gasparin. Adverti, então, que a “a própria alienação desses bens é possível”. (VIANA, Marco Aurélio S., Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal. Rio: Aide, p.68, 1991)
Em abono ao meu entendimento posição eu trouxe o pensamento de juristas de escol, nos seguintes termos:
“MARCELO CAETANO sustenta que “a indisponibilidade quer dizer que, enquanto afetados à função pública, os bens são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis, segundo o Direito Civil. Quer dizer: estão fora do comércio jurídico-privado. Mas essa característica fundamental do regime jurídico dos bens que decorre a possibilidade do emprego de meios de autoridade da administração para a conservação e defesa da respectiva propriedade e posse.
“E, de maneira geral, todos os bens que estão no domínio público por afetação, perdem o regime correspondente desde que haja desafetação.
“No estudo do tema, FRITZ FEINER ensina “que uma via solo pude alcanzar caracter publico em el sentido jurídico se es afectada a la circulación pública por los organos públicos competentes; por outra parte, uma via pierde tal cracter únicamente por la desafectación decretad por los órganos competentes, es decir, por la supresión del uso común. El hecho de que el publico utilice uma via de circulación no significa que esta genga carácter público; tampoco pierde esta cualidade una via destinada por la autoridad.
“Abordando a espécie, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO observa que “todo bem público, seja qual for sua espécie, pode ser alienado, desde que haja autorização legal. Não é exato que exista essa possibilidade só para os bens dominiais ou patrimoniais; os demais bens públicos também podem ser vendidos.
“Suponha-se rua pública, que foi abandonada, por ter sido entr4egue ao tráfico outra mais localizada. Nada impede que a municipalidade, credenciada por lei especial, aliene os terrenos que integravam aquela primeira rua (bem público de uso do povo).
“É o que se colhe em CÓVIS BEVILÁQUA e em ORLANDO GOMES, dizendo este que por “sua própria natureza e destinação determinam-lhes inalienabilidade que não é absoluta. A alienação pode ser autorizada por lei...
“No estudo do tema, HELY LOPES MEIRELLES não foge desse entendimento, quando escreve que “a inalienabilidade dos bens públicos está declarada, como princípio, no art. 67 do Código Civil, nestes termos: “Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e formas que a lei prescrever.” A defeituosa redação deste dispositivo tem ensejado dúvidas, por dar a entender que tais bens não podem passar do domínio público para o particular. Na realidade isso não ocorre. Os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, desde que a Administração satisfaça certas condições para a sua transferência.”. (VIANA, Marco Aurélio S., Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal cit. págs. 68/70)
A defeituosa redação do art. 67 do Código Civil de 1916 foi corrigida pelo art. 100 do Código Civil de 2002, que permite que a inalienabilidade seja afastada:
“Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.”
O art. 103 do Código Civil permite a remuneração pelo uso de bens público, como se dá com a cobrança de pedágio para utilização das rodovias ou ingresso para visitar um museu. Nessa linha, o uso comum pode ser remunerado, sendo eles inalienáveis, “enquanto mantiverem a qualificação...” (COSTA, José Eduardo da, Dos Bens, In Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Atlas, pág. 282, 2008, coord. Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni)
Em razão da realidade de fato é muito melhor para o Poder Público municipal atribuir aos moradores do loteamento fechado a responsabilidade pela coleta de lixo, manutenção da infra-estrutura, do que aplicar recursos diretos, que podem ser utilizados em outras frentes que não admitem a participação do particular.
Pergunta-se: não é melhor que o Município entregue à iniciativa privada a manutenção de um parque ou jardim zoológico, em lugar de lançar mão de sua arrecadação, preso que está à licitação?
O art. 22 da Lei n. 6766/1979 dispõe que “desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município, as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo”.
A dicção do dispositivo legal não permite buscar apoio no art. 17 da Lei especial para dizer que a aprovação implica em transferência, para o Município, da propriedade. Quando em vigor o Decreto-Lei n. 58/37, DARCY BESSON já entendia que, não dispondo a Lei sobre o modo de aquisição de bens pelos Municípios, que com o registro do loteamento é que se dava a transmissão gratuita das áreas aos Municípios. (Darcy Bessone apud VIANA, Marco Aurelio S. Viana, Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano cit., pág. 67)
Essa orientação que prevaleceu e informa a Lei vigente, como está no art. 22, ficando claro que uma coisa são os efeitos da aprovação, e outros, os do registro.
Tal propriedade é resolúvel, retornando ao parcelador na hipótese de cancelamento do registro. (art. 17 c/art. 23 da Lei n. 6.766/1979)
Ocorre que o art. 22 da Lei n. 6.766/1979 não diz que as vias e praças, espaços livres se tornem bens de uso comum do povo. O suporte de fato da regra legal diz que “desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio públicos as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos”. O que qualifica a rua ou praça como bem de uso comum, por exemplo, não é sua denominação, mas sua destinação, sua afetação. Por restarem dentro do loteamento passam ao domínio público, mas sua afetação cabe à Administração Pública Municipal. Por isso mesmo ela pode entender, aprovando um loteamento fechado, inseri-lo em outra categoria de bem, como de uso especial, permitindo ou concedendo o seu uso para os proprietários do loteamento fechado. E isso se faz mediante concessão de uso. Sendo de uso especial, sua utilização é assegurada a pessoas determinadas, que atendam certos requisitos. (FILHO, Elvino Silva, Loteamento Fechado e Condomínio Deitado. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, Revista dos Tribunais, n.14, jul./dez., 1984)
Em JOSÉ CRETELLA JR. colhe-se lição a esse respeito, nos seguintes termos:
“Afetação é destinação, consagração, e afetar é destinar, consagrar algo a um determinado fim".
Em nossos dias, o vocábulo “afetação” passaram a fazer parte integrante do léxico especializado do Direito Administrativo, com os sentido previstos de destinação, destinar, idéia tanto mais importante quando, no âmbito do Direito Público, o princípio básico informativo o é o fim público, destino de todas as operações materiais ou jurídicas, realizadas pelo Estado para a consecução de suas finalidades últimas.
“Deferindo dos institutos da aquisição, ato jurídico ou fato material pelo qual um bem cai no patrimônio geral da Administração, não se confundindo também com a incorporação, ato ou fato pelo qual um bem entra no domínio público, a afetação é o ato ou fato pelo qual se dá ao bem seu destino particular, operação cujo objeto é incorporar um bem no domínio público da pessoa jurídica.
“Com efeito, para atingir os fins últimos que tem em mira, precisa a Administração utilizar bens, quer de sua propriedade, quer da propriedade dos particulares. Afetar é destinar, consagrar, carismar, batizar determinados bens, que se acham fora do mundo jurídico, ou no mundo jurídico, mas com outra destinação e traços para que, devidamente aparelhados, entrem para o mundo do direito administrativo, aptos para produção dos efeitos esperados”. (José CRETELA JR., apud VIANA, Marco Aurelio S., Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal. Rio: Aide, pág. 71, 1991) (grifei)
No direito comparado, a lição de ANDRÉ LAUBADERE:
“Affectation est l’acte ou lê fait par suíte desquels est donné au bien sa destinatión particulière”. (André de Laubadere, apud VIANA, Marco Aureelio S. Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal cit. pág. 72, nota 40)
WAINE não discrepa:
“L’acte que prononce officiellement la destination d`um bien à tel but d`utilité publique est l`affectation. D`est de l`affectation que depend la domanialité publique”. (Waine, VIANA, Marco Aurelio S. Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal cit. pág. 72, nota 40)
Não se afasta dessa linha FRITZ FLEINER, cuja lição já foi transcrita, quando ensina que uma via só pode alcançar caráter público no sentido jurídico se é afetada à circulação pública pelos órgãos públicos, e perde tal caráter unicamente pela desafetação decretada pelos órgãos públicos competente, ou seja, pela supressão do uso comum. ( Fritz Fleiner Instituciones de Derecho Administrativo, p. 294, apud Elvino Silva Filo, Loteamento Fechado e Condomínio deitado, p. 14)
As lições de jurista pátrio de renome, e de doutrinadores alienígenas de escol, diferenciam, objetivamente, aquisição e destinação do bem pela Administração Pública. No caso em exame, ao editar que ruas, praças etc. passam ao domínio público, a lei n. 6.766/1979 não diz que eles estejam desde já afetados como bem de uso comum. A afetação compete ao Município, que pode dar a ele a destinação que lhe aprouver, como está muito bem colocado nas lições citadas.
Ora, a aprovação do loteamento fechado se faz com as vias públicas tendo destinação especificada, mediante os institutos citados. Antes de integrarem o patrimônio público, o que se dá com o registro, houve autorização para que ele seja fechado. O Município, dentro da sua competência legislativa, e de acordo com o interesse local, permite que o empreendimento seja implantado na forma indicada, porque não se dá transferência de bem público para o particular. O bem é ainda do particular, que se propõe a aproveitar o solo, de que é proprietário, nas condições dadas e aceitas pela municipalidade.
Se o Município pode desafetar bem público e aliená-lo, mesmo que seja de uso comum do povo, qual a razão para que se tenha por inconstitucional o direito o direito Município aprovar loteamento fechado? Se pode o mais, pode o menos.
A desafetação faz com o bem deixe a categoria de inalienável para ser incorporado ao domínio privado do Estado.
Não encontra eco dizer que há ofensa do direito de ir e vir do cidadão, nem que fica autorizada a alienação de bem de uso comum, porque a lei municipal tem permissão para atuar nesse sentido. Acrescente-se, outrossim, o princípio da razoabilidade e a teoria dos direitos implícitos.
E o Poder Público Municipal é competente para gerir os espaços urbanos. Amparam esse entendimento os arts.. 5º, XXII e XXIII, 30, I e VIII, 182, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, bem como os arts. 2º, 4º e 39 da Lei n. 10257/2001.
O inciso VI do art. 2º atribui ao município a tarefa de ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar o uso excessivo ou inadequado em relação à infra-estrutura urbana, deterioração de áreas urbanizadas, justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, entre outros.
É sua atribuição, também, simplificar a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, visando redução dos custos e o aumento de oferta dos lotes, (Inciso XV do art. 2º)
O Estatuto da Cidade autoriza o Município disciplinar o parcelamento, o uso e da ocupação do solo (art. 4º, III, b) O planejamento municipal, por força do citado art. 4º, é atribuído ao Município.
Se o loteamento já foi aprovado, com a incidência do art. 22 da Lei n. 6.766/1979, as lições ofertadas, registradas pela melhor doutrina, solucionam o impasse. Se o parcelamento está em via de aprovação, os elementos coletados autorizam a solução.
No caso concreto devem ser tomadas todas as cautelas afastando obstáculo à continuidade do sistema viário público existente ou projetado, prevendo a situação das áreas verde, das áreas públicas de lazer, que serão objeto de concessão onerosa de uso, que depende de autorização legislativa, e demais providências que resguardam o interesse público.
Em ação direta de inconstitucionalidade nº 68.759-0/SP, Rel. Des. Menezes Gomes, j. 1º/08/2001, o tema foi examinado, concluindo-se pela legalidade da solução dada pelo Município de São José dos Campos, que autorizou o fechamento de loteamento, vilas e ruas sem saída. Entendeu a Corte Paulista que á competência municipal não é subordinada e nem mesmo suplementar da competência estadual, no que tange à ordenação do solo urbano.
E, aqui, lembro a ADIn 478---SP, STF, já citada e transcrita, que entendeu que se não se assegurar a competência municipal, em matéria de urbanística, sob pena de tornar inócua a competência municipal, que constitui exercício de sua autonomia.
O TJSP ponderou, também, que o “fechamento” não traz prejuízo aos moradores de bairros lindeiros, reconhecendo que a violência urbana é um mal gravíssimo, que aflige principalmente a classe média, que paga a maior parte dos impostos e não tem segurança garantida com eficiência pelo Poder Público. Tais empreendimentos são meio de proteção, pela ineficiência do Poder Público.
Tem-se, aqui, a aplicação do princípio da razoabilidade, quando se depara com conflito normativo. Tudo se resume a uma questão de ponderação ou balanceamento (weighing and balancing). Devem ser sopesadas as razões e contra-razões, para se definir pela prevalência de uma norma sobre a outra. (ÁVILA, Humberto de , Teoria dos Princípios. 5ª. ed., São Paulo: Malheiros Editores, p.52)
No caso vertente, ponderando e sopesando as razões e contra-razões, que envolviam a lei municipal, o TJSP entendeu que a violência tem maior peso do que o direito de ir e vir, porque este, em verdade, não ficaria inibido. Os bairros lindeiros continuariam com suas vidas, e o loteamento fechado asseguraria aos seus moradores maior segurança.
Examinando o argumento segundo o qual o “fechamento” ofende o direito de ir e vir de outras pessoas, conclui que não se vislumbra prejuízo algum para aos moradores dos bairros vizinhos.