No dia 09/03/2016, a Lei nº 13.257/2016 (que não possui “vacatio legis”) entrou em vigor, trazendo importantes inovações no mundo jurídico, sobretudo no Código de Processo Penal. A referida lei, além de apresentar alterações em diversos diplomas normativos, trouxe novas hipóteses de prisão domiciliar, o que acabou gerando grande polêmica a respeito da sua aplicabilidade: terá o juiz que conceder a prisão domiciliar automaticamente se estiverem presentes quaisquer das hipóteses elencadas nos incisos do art. 318 do Código de Processo Penal?
Pois bem. A Lei n.º 13.257/2016 veio estabelecer princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância, que é o período que abrange os primeiros 06 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança, em especial atenção à especificidade e relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano (art. 1º e 2º).
Visando assegurar melhores condições para a gestação e primando pelo convívio familiar, a nova Lei alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal ao trazer novas hipóteses de prisão domiciliar, sempre com o intuito de dar a devida proteção ao feto e à criança em sua primeira infância.
A prisão domiciliar tem previsão no artigo 317 do Código de Processo Penal e permite o recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
A prisão domiciliar é uma alternativa à prisão preventiva, ou seja, é uma medida cautelar que permite ao acusado ou indiciado, ao invés de ser preso preventivamente, ficar recolhido em sua residência. O art. 318 do CPP enumera taxativamente as hipóteses em que é permitida a prisão domiciliar; a Lei nº 13.257/2016, por sua vez, introduziu sensíveis mudanças neste rol.
A primeira importante alteração ocorreu no inciso IV do art. 318 do CPP. Vejamos o resultado da alteração legislativa:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
IV - gestante;
Pela nova redação do dispositivo supra citado, numa interpretação literal, basta que a agente esteja gestante para que se possa conceder a prisão domiciliar.
Antes da edição da Lei nº 13.257/2016, o juiz poderia substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a agente fosse gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Hoje não se exige mais o prazo mínimo nem o risco para a saúde da gestante ou para o feto, bastando que a agente esteja em estado de gravidez.
Observa-se que houve uma flexibilização legislativa para a concessão judicial da prisão domiciliar nos casos de gravidez, uma vez que foram extirpadas do art. 318, IV, as condições temporal (gestante a partir do 7º mês de gravidez) e circunstancial (sendo a gravidez de alto risco) para a concessão desta espécie de prisão, ampliando-se as hipóteses de sua aplicação. Assim, se a ré ou investigada estiver gestante, essa é a única condição (“prima facie”) para que a mesma tenha o direito à prisão domiciliar.
A Lei nº 13.257/2016 trouxe ainda uma nova (inédita) hipótese de prisão domiciliar no inciso V do art. 318 do CPP:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
O supracitado inciso vem permitir a prisão domiciliar em favor da mulher que tenha filho de até 12 (doze) anos incompletos. Nota-se que o dispositivo não impõe nenhuma condição para que a prisão domiciliar possa ser concedida, ou seja, não faz menção ao fato de ser a mãe a única responsável pelos cuidados da criança menor de 12 anos, por exemplo.
Também de forma inovadora, e em respeito ao princípio da isonomia entre homens e mulheres, bem como em atenção ao princípio do melhor interesse da criança, o inciso VI do art. 318 do CPP (também incluído pela Lei nº 13.257/2016) veio permitir igualmente ao homem a concessão da prisão domiciliar quando este for o único responsável pelos cuidados de filho com menos de 12 (doze) anos:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Essas importantes alterações trazidas pela Lei nº 13.257/2016 fizeram surgir o importante questionamento: o juiz terá que conceder a prisão domiciliar automaticamente se algumas dessas hipóteses estiverem presentes?
Na prática, o que se discute é se a investigada/acusada terá direito à prisão domiciliar apenas pelo fato de estar grávida – ou teria o juiz que analisar outras circunstâncias do caso concreto para conceder o recolhimento residencial? Da mesma forma, o homem ou a mulher que figurem no polo passivo da persecução criminal e que possuam filho menor de 12 anos sob a sua responsabilidade única, terá automaticamente direito à prisão domiciliar? As respostas a essas perguntas são o que há de mais novo em debate na melhor doutrina processualística penal.
A maioria da doutrina entende que a concessão da prisão domiciliar não será automática, ainda que nos casos de gravidez ou nos casos em que o homem ou a mulher possuam filho menor de 12 (doze) anos. Importantes doutrinadores, a exemplo de Renato Brasileiro de Lima, defendem a ideia de que,
"(...) a presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos par que tivesse direito automático à prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado." (Manual de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998).
Eugênio Pacelli, Douglas Fischer e Norberto Avena também comungam do entendimento segundo o qual é necessário analisar as circunstâncias concretas de cada situação específica para saber se a concessão da prisão domiciliar será adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
Por todo o exposto, o entendimento doutrinário majoritário é de que não basta a gravidez da investigada/ré para que a mesma faça jus à prisão domiciliar, leia-se, o magistrado não está obrigado a conceder essa espécie de prisão pela simples ocorrência da gravidez. Dessa maneira, em caso de gravidez, é permitida à ré ou investigada obter a prisão domiciliar e recolher-se em sua residência, mas para que isso ocorra é preciso que o juiz analise o caso concreto. Caberá ao magistrado, pois, verificar se a concessão da prisão domiciliar (em substituição à prisão preventiva) gerará – ou não - perigo à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implicará em risco à aplicação da lei penal. Concluindo: é preciso conjugar os pressupostos da prisão preventiva ao art. 318 do CPP.
Podemos concluir que a prisão domiciliar não será concedida indiscriminadamente ou em qualquer circunstância a toda mulher ré ou investigada gestante ou que tenha um filho menor de 12 anos sob seus cuidados, ou do homem que tenha filho com 12 anos incompletos.
Como dito, a doutrina majoritária entende que, mesmo nos casos de gravidez, teriam que estar presentes requisitos específicos a justificar a concessão da prisão domiciliar à ré ou investigada. No entanto, encampando entendimento minoritário, o Defensor Público do Estado de Pernambuco, Matheus Augusto de Almeida Cardozo, defende brilhantemente a aplicabilidade automática da prisão domiciliar nos casos de gravidez da ré ou indiciada. Explica o aludido Defensor Público:
“Não podemos esquecer dois princípios constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito e que refletem intensamente na situação que ora se analisa – estou a me referir ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente e ao princípio da intranscendência da pena. A Lei 13.257/2016 vem com a função de proteger o nascituro, ainda que reflexamente pareça beneficiar a ré/investigada. Se a pena não pode passar da pessoa do condenado (ainda que estejamos em fase anterior ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória), não pode o nascituro sofrer os consectários do cumprimento da medida cautelar pessoal de sua genitora, notadamente em um país onde as penas são cumpridas em condições precárias e sub-humanas, o que levaria ao comprometimento do desenvolvimento saudável daquele que está por vir. Os princípios da intranscendência da pena e da proteção integral, em juízo de ponderação, devem prevalecer sobre qualquer suposto interesse social na decretação de prisão preventiva em desfavor da ré/investigada, notadamente porque existe um rol não exaustivo de medidas cautelares diversas da prisão”.
Somente os tribunais superiores poderão dar a palavra final acerca dessa discussão, que futura e certamente será objeto de inúmeros recursos defensivos e acusatórios.