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Aplicabilidade da Lei de Falência sobre a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI):

09/04/2016 às 16:42
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Excepcionalmente, por analogia ao que ocorre com as sociedades limitadas, poderá o constituinte da EIRELI ser alcançado pelos efeitos da falência.

1.0 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo analisar o instituto da empresa e conceitos correlatos, mormente o empresário. Nesse sentido, busca evidenciar os efeitos da decretação da falência sobre o empresário-pessoa física, mormente quando constitui Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), na forma do art. 980-A do Código Civil.


2.0 DESENVOLVIMENTO

2.1 CONCEITO DE EMPRESÁRIO

A introdução ao presente estudo não poderia se dar de outra forma senão mediante breve digressão ao conceito de empresário, que em nosso ordenamento encontra-se plasmado no artigo 966 do Código Civil. O referido artigo traz o seguinte conceito:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Deste dispositivo salta aos olhos que a nova codificação civil adotou a teoria da empresa em substituição à antiga teoria dos atos de comércio, uma vez que utiliza-se dos termos “empresa” e “empresário”, não mais “atos de comércio” e “comerciante”.

É que a doutrina pátria ensina que empresa é atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços exercida profissionalmente, de forma que é empresário quem a pratica.

Ocorre que os termos são confundidos com bastante frequência, de forma que muitas vezes “empresa” é utilizado para designar a pessoa jurídica que exerce a atividade e “empresário” a pessoa natural que tem participação na pessoa jurídica. Ambos afiguram-se equivocados, conforme se pode notar.

Não se pode olvidar, entretanto, da lição de Alberto Asquini, o qual destacou que a empresa não pode ser vista de modo reducionista, consistindo, a bem da verdade, em fenômeno econômico poliédrico. Nesse sentido, observa quatro perfis adotados pelo termo, a saber: subjetivo, a pessoa física ou jurídica do empresário; funcional, atividade econômica organizada; objetivo, estabelecimento empresarial; e corporativo, comunidade laboral.

A questão é que tanto as pessoas físicas – naturais – quanto jurídicas podem exercer empresa, adquirindo a qualificação de empresário. Nesse sentido, é assim qualificado o empresário individual (pessoa física) ou a sociedade empresária (pessoa jurídica). No primeiro caso, há confusão patrimonial e o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica constitui mera exigência fiscal. Já no segundo caso, importa destacar que a própria sociedade, com patrimônio próprio, é que será considerada empresária, não os seus sócios.

Este é o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSOLVÊNCIA CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 515, § 1º, DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. MANIFESTAÇÃO DIRETA DO TRIBUNAL ACERCA DO PONTO PRETENSAMENTE OMISSO. JULGAMENTO DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. PEDIDO DE INSOLVÊNCIA CIVIL MANEJADO CONTRA SÓCIO DE EMPRESA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DA FIGURA DO COMERCIANTE. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (...) 5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a personalidade desta. Nesse caso, comerciante é somente a pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em suas relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de comércio, com aquela em nome da qual estes são praticados. O sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez que a prática de atos nessa qualidade são imputados à pessoa jurídica à qual está vinculada, esta sim, detentora de personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá aquele sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. 6. Recurso especial não conhecido.

Depreende-se rapidamente que a pessoa jurídica, como uma realidade jurídica com existência distinta de seus membros, tem aptidão para adquirir direitos e contrair deveres. Logo, em atenção ao princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, todos os direitos e deveres que contrair deverão recair sobre a pessoa abstrata, não sobre as pessoas naturais que lhe deram início.

2.2 EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

Esclarecido isto, surge uma figura anômala no ordenamento pátrio. Mercê da Lei 12.441/11 veio a lume a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, novo ente jurídico personificado, consoante restou assentado na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal[1].

O leitor atento perceberá de pronto a impropriedade que acomete a infeliz nomenclatura por que optou o legislador. Acaso fosse opção prezar pelo rigor terminológico, mais correto seria denominar esse novo ente um “empresário individual de responsabilidade limitada”. Entretanto, havendo tal figura surgido no direito dominicano[2], parece ter havido o transplante do instituto sem a realização das devidas correções.

Diversas regras foram impostas à criação de um ente dessa natureza. As principais que podem destacar, constantes do art. 980-A do Código Civil, são que (a) exige-se a integralização de capital social mínimo de 100 salários mínimos[3], (b) cada pessoa natural só poderá figurar em uma EIRELI, (c) pode resultar da concentração de quotas de outra modalidade de sociedade num único sócio e (d) aplicam-se à EIRELI, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.

2.3 DOS EFEITOS PATRIMONIAIS DA FALÊNCIA SOBRE O EIRELI

Feitas as digressões acima, cumpre agora explicitar os efeitos da decretação da falência. A sentença que decreta a falência possui natureza constitutiva e espraia seus efeitos na pessoa do falido, em seus bens, contratos, credores et coetera.

Cumpre frisar que o principal efeito da decretação da falência é a formação de uma massa falida objetiva e outra subjetiva. A primeira consistente na arrecadação de todos os bens do devedor falida, excetuados os absolutamente impenhoráveis, e a segunda no procedimento de verificação e habilitação dos créditos.

Não obstante, há diversos outros efeitos como a inabilitação empresarial e o vencimento antecipado das dívidas do devedor.

Todos os efeitos epigrafados, a priori, afetarão apenas a pessoa falida, seja física ou jurídica. Isto é, acaso um empresário individual venha à bancarrota, todos os seus bens pessoais responderão pela dívida, bem como todos os seus credores pessoais habilitar-se-ão na falência, permanecendo inabilitado para o exercício da empresa.

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Por outro lado, se houver a quebra da pessoa jurídica, tão somente ela responderá pelos débitos, terá os bens arrecadados e a inabilitação empresarial decretada. Os seus sócios, consoante gizado linhas atrás, não sofrerão qualquer efeito decorrente da falência, salvo se caracterizada alguma hipótese de responsabilização pessoal ou desconsideração da personalidade jurídica.

Esta teoria, desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), surgiu no bojo da jurisprudência anglicana como um reconhecimento da malversação da pessoa jurídica por empresários maliciosos, que delas se utilizavam para fraudar credores sob guarida do princípio da autonomia patrimonial.

A doutrina, em sua maioria, costuma citar como pioneiro da desconsideração o caso Salomon Vs. Salomon & Co. Ltd., datado de 1897, em que se reconheceu a detenção de total controle acionário sobre a sociedade por Mr. Salomon, de forma que injustificável a separação patrimonial. O outro caso que parte da doutrina sói relembrar é State Vs. Standard Oil Co., julgado pela Corte Suprema de Ohio em 1892. Na doutrina, Rolf Serick tornou-se um expoente nos estudos ao defender a disregard doctrine em sua tese de doutorado na Universidade de Tübigen, 1953.

Forte construção orbita atualmente em torno dessa teoria, de forma que muitos conceitos e classificações já foram sedimentados. A primeira classificação que se faz com relação a sua utilização é entre a teoria menor e a teoria maior.

A teoria menor é assim chamada por não impor grandes obstáculos à desconsideração, isto é, basta que haja prejuízo aos credores ou mesmo a terceiros que poderá ser “levantado o véu” (lift the corporate veil). Por outro lado, a teoria maior impõe ao credor, na concepção subjetivista, o ônus de demonstrar de forma inequívoca a intenção de prejudicar os credores ou, na concepção objetivista, de provar o abuso de personalidade com dados objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

É certo que apesar da disregard encontrar-se espargida de variadas formas em todo o nosso ordenamento jurídico, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Crimes Ambientais, adotou o nosso Código Civil, em seu artigo 50, a teoria maior da desconsideração na concepção objetivista, exigindo do credor a prova do abuso da personalidade.

Gize-se, inclusive, que progridem a doutrina e a jurisprudência no sentido de elaborar novas formas de desconsideração da personalidade jurídica, a exemplo da desconsideração inversa[4], expansiva e indireta.


3.0 CONCLUSÃO

Por tudo quanto exposto, depreende-se que quando da criação de uma EIRELI, haverá afetação patrimonial e criação de uma pessoa jurídica distinta – e com patrimônio distinto – do seu constituinte. Assim, na decretação de sua falência, os efeitos de tal processo restringir-se-ão à pessoa jurídica, continuando o constituinte a desempenhar regularmente suas atividades e a gerir os próprios bens.

Excepcionalmente, entretanto, por analogia ao que ocorre com as sociedades limitadas, poderá o constituinte da EIRELI ser alcançado pelos efeitos da falência. Isto é, acaso reste comprovado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pela confusão patrimonial ou desvio de finalidade, os bens dele serão arrecadados para a massa falida objetiva, seus credores passarão a constituir a massa falida subjetiva, estará inabilitado para o exercício da empresa et coetera.


4.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOUZA NETO, Jurandi Ferreira de. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27456/efeitos-da-falencia-para-a-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada#ixzz32PRyMeiF>, acesso em 21 de maio de 2014.

Disponível em: <http://www.dudalegal.cl/eirl.html>, acessado em 21 de maio de 2014.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 11. ed. rev. E atual. São Paulo: Saraiva: 2008.


Notas

[1] Enunciado 469: Arts. 44 e 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.

[2] Disponível em: <http://www.dudalegal.cl/eirl.html>, acessado em 21 de maio de 2014.

[3] Enunciado 4 da I Jornada de Direito Comercial: uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo.

[4] Enunciado 283: é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.

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Sobre o autor
Lucas Menezes de Souza

Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Lucas Menezes. Aplicabilidade da Lei de Falência sobre a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI):. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4665, 9 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47984. Acesso em: 22 nov. 2024.

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