Ontem o Advogado Geral da União fez a defesa de Dilma Rousseff, no processo de Impedimento, perante a Câmara dos Deputados. Eduardo Cardozo foi extremamente técnico. Ele apontou quais são os requisitos do Impedimento prescritos na CF/88 e demonstrou de maneira racional porque o processo em andamento não se ajusta aos preceitos constitucionais. Sem dúvida alguma, ele procurou resgatar a autoridade da Carta Magna que tem sido pisoteada por deputados e por jornalistas.
E já que estamos falando de autoridade, nunca é demais lembrar as palavras de Ulysses Guimarães quando promulgou a CF/88, que ele mesmo chamou de “constituição cidadã”. Disse o então presidente da constituinte:
“Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”.
Nós vivemos numa sociedade laica, em que o Estado está desligado da religião e em que não existe vinculação entre o jurídico e o sagrado. Mesmo assim, nós atribuímos ampla autoridade às leis escritas e atribuímos suprema autoridade à Constituição Federal, documento fundamental que orienta o funcionamento do Estado e vincula a ação dos agentes estatais.
Nos primórdios da civilização ocidental, a religião emprestava autoridade às leis escritas. Há documentos que comprovam esta ligação entre o jurídico e o sagrado:
“O que é particularmente impressionante é como muitas leis tem sanções religiosas, um juramento ou uma maldição no caso de Téos, e diversas leis são de fato dedicadas a um deus que deva assegurar que ninguém as transgrida: ‘Sobrevenha destruição sobre aquele que as transgrida, mas possa o deus (Apolo Pítio) ser bom com aquele que as observe’. Essas inscrições arcaicas são geralmente postas perto ou ao lado dos templos.” (Letramento e Oralidade na Grégia Antiga, Rosalind Thomas, editora Odysseus, 2005, p. 99)
“Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”. A julgar pela ampla resistência popular ao golpe de estado disfarçado de Impedimento, estas palavras ditas por Ulysses Guimarães ao promulgar a CF/88 funcionam como uma maldição.
Todos aqueles que querem rasgar o documento da liberdade estão rapidamente se tornando tiranos aos olhos do povo brasileiro. Nas ruas, nas praças e na internet milhões de pessoas defendem com paixão o documento da democracia. O mesmo documento que alguns larápios autoritários pretendem subverter para levar ao poder um vice-presidente maldito em razão de pisotear a letra da constituição promulgada por um ex-presidente do seu próprio partido. Ai daqueles que conspiram contra o documento da justiça social. Sem respeito a CF/88 não haverá nem paz, nem segurança para os beneficiários da nova tirania.
Eduardo Cardozo fez bem em ser técnico. Ele reforçou na tribuna da Câmara a maldição lançada por Ulysses Guimarães a todos os parlamentares encarregados de cumprir e fazer cumprir a constituição em vigor. Malditos sejam todos que ousarem depor Dilma Rousseff porque não aceitam o resultado de uma eleição e porque não querem disputar a próxima eleição marcada para 2018.