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A necessidade de uma negociação política em prol da sociedade

10/05/2016 às 12:25
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O artigo discute recente decisão do STF, em matéria de capitalização de juros na dívida pública, pela qual se devolveu o conflito para a solução no campo político.

Sabe-se que a situação de muitos dos entes da federação é verdadeiramente caótica.

Veja-se o caso do Estado do Rio de Janeiro que somente está pagando aos aposentados e pensionistas a partir de certo montante, por conta de ação civil coletiva que foi ajuizada.

O drama dos Estados Membros é observado na ação que foi formulada perante o Supremo Tribunal Federal por Santa Catarina, seguida por outros Estados, em que, em grau de liminar, dentro de uma cognição superficial, dentro de um juízo de aparência, num momento cautelar, foi dada decisão que determinou a aplicação do método dos juros simples para o cumprimento das obrigações perante a União Federal.

Para Mailson da Nóbrega, em lúcido artigo, “Os juros e as crenças vencidas”, a aceitação de juros simples equivaleria a ressuscitar crenças medievais. Assim, o método da capitalização dos juros seria tão natural como o céu e a terra. Esse raciocínio está na essência do capitalismo, quando se tem das ideias de Adam Smith que a riqueza das nações vinha do mercado, da concorrência e da produtividade, algo que é saudado pelos chamados economistas neoliberais.

Afinal, para os economistas, todo o sistema de crédito no Brasil seria baseado na remuneração do capital em juros compostos. Não se poderia captar recursos de uma maneira e pagar por outra.

Assim, o custo para o Tesouro Nacional, se essa providência for cumprida, seria de perto de trezentos e treze bilhões de reais, o que, convenhamos, é um valor de imensa magnitude com repercussão nas Finanças do País.

Na matéria já dissemos que capitalizar juros implica cobrar juros de quantia que a instituição financeira não emprestou. Compor juros é adicioná-los ao capital (onde renderá mais juros).

A vedação aos juros compostos é histórica no direito brasileiro.

Tal se viu no Código Comercial de 1850, no Código Civil de 1916 e ainda, a partir de 1933, com a Lei de Usura, Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, proibiu a contagem de juros sobre juros.

O anatocismo é considerado como a capitalização dos juros. Tal deve ser vedado como ensinava o Ministro Orozimbo Nonato (RE 17.785), o que se lê da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, que foi ratificada em vários julgados (RTJ 92/1; 341, 89/608 e 99/854).

Mas há julgamentos no sentido de que tal poderia ser admitido se lei especial tratar da matéria, adotando critério de fixação e contagem dos juros como demonstrou o Ministro Djaci Falcão (RE 96/875).

A Súmula 596, por sua vez, declarou que as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. Tal o entendimento que foi objeto de análise no RHC 55.624, RTJ 83/772.

Nesse sentido, veja-se a Súmula 93 do STJ.

Isso quer dizer que a exceção à vedação do anatocismo referir-se-ia apenas às instituições financeiras, com base, inclusive, na Lei 4.595/65, lei de reforma bancária.

Recentemente se vê guerra jurídica com relação aos débitos das demais unidades federativas com a União.

A Lei Complementar 148 de 2014 redefiniu os indexadores da dívida dos estados. Ela prevê que as dívidas deixem de ser corrigidas por IGP-DI mais 6%, 7,5% ou 9% ao ano. Os débitos passam a ser reajustados com base no IPCA mais 4% ou pela Taxa Selic, o que for menor.

Ao regulamentar a LC 148/2014, que estabeleceu condições para a repactuação da dívida da União com os estados, o governo federal, através do Decreto 8.816/2015, determinou fórmula de cálculo que implicava a incidência capitalizada da Selic (juros sobre juros).

Contra isso ajuizou o Estado de Santa Catarina mandado de segurança contra lei de efeitos concretos. O mencionado decreto, ato regulamentar, norma secundária que, ao disciplinar a matéria, extrapolou, ao estabelecer como base para o cálculo da remuneração do capital devido juros compostos.

De acordo com o MS, a incidência de juros capitalizados (anatocismo) é, em regra, proibida, e a expressão “variação acumulada da Selic”, utilizada para definir a atualização da dívida, quando aplicada em outros diplomas legais, não é capitalizada.

É visível a discrepância de entendimento entre a União Federal e os Estados Membros envolvidos, uma vez que seus cálculos não convergem em números.

No dia 27 de abril do corrente ano, a matéria foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, pelo órgão plenário.

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu por 60 dias o julgamento de três mandados de segurança que discutem os termos da repactuação da dívida dos estados com a União, e prorrogou pelo mesmo prazo as liminares já concedidas. Com as cautelares, a União está impedida de impor aos estados sanções por inadimplência decorrente da discussão sobre a forma de cálculo dos juros. Segundo o entendimento adotado pelos ministros do STF, é necessário um prazo para que União e estados renegociem os termos das dívidas ou aprovem um projeto de lei a fim de se chegar a uma conclusão satisfatória.

A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Segurança (MS) 34023, 34110 e 34122, nos quais os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais questionam o cálculo dos juros a ser aplicado à dívida repactuada com a União. Como já se relatou, os estados defendem a incidência da taxa Selic sobre o estoque das suas dívidas de forma simples (ou linear) e questionam a forma composta ou capitalizada (juros sobre juros), prevista no Decreto 8.616/2015.

No início do julgamento, o relator dos mandados de segurança em pauta, ministro Edson Fachin, votou por negar o pedido e revogar as liminares. Segundo seu entendimento, a Lei Complementar (LC) 151/2015, que alterou a Lei Complementar 148/2014, a qual trata da repactuação da dívida entre União e estados, é inconstitucional. A LC 151/2015 previu, entre outras coisas, que a União deve conceder descontos sobre os saldos devedores dos estados.

Segundo Fachin, a lei padece de inconstitucionalidade formal, pois não poderia ter sido de iniciativa do Congresso Nacional, mas do chefe do Executivo, já que tem reflexos sobre a lei orçamentária. Do ponto de vista material, a lei complementar ofende a clareza e o equilíbrio orçamentários, uma vez que cria despesas sem previsão de receitas.

O ministro Luís Roberto Barroso propôs a suspensão por 60 dias do julgamento e prorrogação das liminares. Segundo ele, a questão envolve o desequilíbrio das relações federativas, uma vez que, se por um lado os estados não têm condições de cumprir suas obrigações, por outro a União adotou ao longo dos anos uma política tributária que concentra recursos em sua esfera.

Para o ministro, o tema é de difícil solução por via judicial. Assim, é preciso um esforço para se devolver a questão para a esfera política, de forma a se desenvolver por meio de negociação.

Para o ministro Teori Zavascki, há relevância nas alegações de que os juros devem ser compostos e de que é inconstitucional a lei que obrigou a União a dar o desconto. Sob esse aspecto, entende ser a posição da União é muito mais favorável do que a dos estados quando se encontrarem na negociação prevista pelo STF. “Qual o único cacife que se pode atribuir aos estados? Seria esse, quem sabe, de manter a liminar nos termos como concedida, pelo prazo de 60 dias.”, defendeu.

Os demais ministros presentes também se posicionaram pela manutenção das liminares ao longo desse período. Outra decisão tomada pela Corte foi a abertura do prazo de 30 dias para que as partes se manifestem sobre a questão da inconstitucionalidade formal da LC 151/2015.

Para os analistas são mais 60 dias que podem custar R$7,5 bilhões à União Federal.

Assim, a União Federal e os Estados Membros envolvidos deverão discutir, dentro de um contexto político, a questão desses débitos e como deveriam e poderiam ser pagos, de forma a preservar o equilíbrio da Federação.

A discussão nos leva a lembrar os limites das chamadas questões políticas.

É o problema da judicialização da política, matéria que empolga os publicistas.

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A propósito do dilema das questões políticas: "A esfera do tribunal ê unicamente decidir acerca dos direitos individuais, não investigar de que modo o Executivo (ou seus funcionários) se desempenha de encargos cometidos a sua discrição.". (BARBOSA, Rui. Atos Inconstitucionais. Campinas: Russel, 2003, p.110.)

Três são os efeitos políticos desta decisão: a) em primeiro lugar, enviou a Suprema Corte uma mensagem ao Parlamento no sentido de que as leis devem ser submetidas a um prévio controle de constitucionalidade; b) a sentença buscou marcar uma fronteira entre questões jurídicas de um lado e questões políticas de outro; c) firmou-se, ainda, a fronteira entre discricionariedade da administração pública, questões políticas e lesões aos direitos individuais.

O exame das inúmeras listas de matérias ensejadoras de discricionariedade política, como aquela composta por Rui Barbosa, na esteira da melhor doutrina estadunidense, torna visível a enorme plasticidade da categoria teorética das questões políticas, que recobre atos sujeitos a regimes extremamente diferenciados, alguns concernentes à função legislativa (e.g., a fixação do regime tributário ou o exercício da sanção e do veto), outros à função de chefia de Estado (e.g., a declaração de guerra ou a celebração de tratados) e outros à função administrativa (a distribuição orçamentária da despesa e o provimento dos cargos federais). A amplitude da base material da cláusula de exclusão prossegue sendo a sua marca característica, como se pode comprovar pelo seu uso na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, que vislumbra questões políticas: nos atos interna corporis do Poder Legislativo; no desenvolvimento do processo legislativo sob a égide de disposições regimentais das Casas do Congresso ou ao exercício da função de controle parlamentar, por exemplo, a constituição e o funcionamento de comissões parlamentares de inquérito; no desempenho excepcional de função judicante pelo Senado Federal, em matéria de crimes de responsabilidade; na responsabilização político-disciplinar de parlamentares; na apreciação dos pressupostos para a edição de medidas provisórias (BARBOSA, Rui. Atos Inconstitucionais, cit., p150.).

Em sendo uma questão política, o Supremo Tribunal Federal dá prazo a esses entes federativos para uma autocomposição, através de uma mediação, na qual o mediador não sugere soluções, deixando às partes a solução do conflito, sem a intervenção direta. É o mediador um moderador.Assim devolve-se a negociação à política.

De toda sorte, a decisão traz a cristalina conclusão de mais uma “barbeiragem econômica” do atual governo.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A necessidade de uma negociação política em prol da sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4696, 10 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48614. Acesso em: 24 abr. 2024.

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