A recuperação judicial de concessionária de serviço público

09/05/2016 às 16:53

Resumo:


  • A Lei nº 11.101/2005 extinguiu as concordatas e introduziu a recuperação judicial de empresas no Brasil, permitindo que empresários e sociedades empresárias em crise possam reestruturar suas dívidas e evitar a falência.

  • O processo de recuperação judicial é iniciado pelo devedor e envolve a apresentação de um plano de recuperação aos credores, que pode incluir medidas como dilatação de prazos, redução de valores e venda de ativos.

  • Questões surgiram sobre a aplicabilidade da recuperação judicial às concessionárias de serviços públicos, levando à edição da Medida Provisória nº 577/2012, convertida na Lei nº 12.767/2012, que veda a recuperação judicial para concessionárias do setor elétrico e detalha as regras para intervenção e caducidade das concessões.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Visto o caráter público da satisfação dos credores e como este deve ser analisado frente ao interesse público intrínseco aos serviços públicos concedidos, questiona-se: pode a concessionária de serviço público submeter-se ao regime da recuperação?

A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, conhecida como a nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, extinguiu as concordatas no país e introduziu no ordenamento jurídico nacional a recuperação judicial de empresa. Trata-se de um benefício legal à disposição do empresário individual e da sociedade empresária em crise e que exploram regularmente a atividade econômica há mais de dois anos.
A recuperação judicial tem por objetivo a remoção das causas de crise econômica/financeira, visando o reequilíbrio das contas da empresa. É um procedimento que o devedor tem a sua disposição para tentar evitar que a sua atividade chegue a fase pré-falimentar ou a própria falência.
O processo de recuperação judicial é solicitado por iniciativa do próprio empresário em crise, que apresenta perante o Poder Judiciário o pedido do benefício. Verificando o atendimento a todos os requisitos legais, o juiz defere o processamento da recuperação judicial, abrindo-se prazo para os credores realizarem as habilitações de crédito perante o administrador judicial e para o devedor apresentar o plano de recuperação judicial.
Neste plano, o devedor apresentará os meios que serão utilizados para a superação da crise. Normalmente o plano prevê a dilação para o pagamento das dívidas, redução no valor a ser pago, venda de filiais, dentre outros meios, na trilha dos exemplos previstos no art. 50 da referida lei.
O plano de recuperação judicial é submetido à aprovação dos próprios credores que, diante da apresentação de objeções consistentes ao plano, provocam a convocação da Assembleia Geral de Credores para a realização da sua análise. A rejeição do plano implica na determinação legal da convolação da recuperação judicial em falência, o que, de certa forma, conduz a sua aprovação pelos credores ou a apresentação de alterações ao plano, sujeitas a anuência expressa da recuperanda.
Ressalta-se que, com exceção das dívidas trabalhistas, na recuperação judicial comum não há limite legal para a dilação no pagamento das dívidas, existindo casos em que o pagamento supera amplamente o prazo de cinco anos. Não resta dúvida que os meios de recuperação previstos no plano impõem sacrifícios aos credores, sendo, muitas vezes, a única forma que alguns deles possuem para garantir o recebimento dos seus créditos.
Essas linhas gerais sobre a recuperação judicial demonstram o fundo precípuo deste instituto que é a aplicação dos princípios da viabilidade da empresa, prevalência dos interesses dos credores, publicidade do procedimento, par condition creditorium, conservação e manutenção dos ativos e conservação da empresa viável.
O juízo de viabilidade da empresa é feito pelos credores e pelo juiz, observados os seguintes parâmetros: a) grau de endividamento, b) ativo, c) passivo, d) relevância social. Sendo a sociedade empresária viável será aplicada a recuperação judicial, sendo inviável deverá o juiz converte a recuperação em falência.
Cabe destacar que a satisfação dos credores tem caráter público. Assim, o plano de recuperação apresentado tem que preservar o máximo esses interesses.
Visto o caráter público da satisfação dos credores e como este deve ser analisado frente ao interesse público intrínseco aos serviços públicos concedidos, o que se questiona é: pode a concessionária de serviço público submeter-se ao regime da recuperação judicial?
O primeiro caso ocorrido no país foi da CELPA, concessionária de distribuição do Estado do Pará, pertencente ao Grupo Rede, que ainda não havia sofrido a decretação de intervenção da ANEEL, surpreendeu a todos com a apresentação de um pedido de recuperação judicial, que foi aceito pelo juízo falimentar naquele Estado.
Com o pedido realizado no judiciário local a empresa viabilizou a recuperação da empresa, que incluía no seu plano o congelamento de todas as garantias e execução de créditos contra ela, inclusive aquelas garantias e créditos que, a teor da nova lei de falências e recuperação (Lei nº 11.101/2005), não deveriam ser afetados pela recuperação, como é o caso dos créditos garantidos por cessão fiduciária. Dentro desse processo, a concessionária em recuperação logrou ordem judicial para efetivar inclusive a revisão das suas tarifas. .

1.2.62. “Plano de Transição”: significa o plano protocolado junto à ANEEL em 13 de julho de 2012, cuja cópia se encontra no Anexo 1.2.58., em que, dada a situação delicada em que a CELPA se encontra, foi pleiteada, em caráter extraordinário, a flexibilização de certos aspectos operacionais da prestação de serviço, dentre os quais se destacam como mais relevantes: metas de qualidade, multas e compensações, custos operacionais regulatórios, perdas elétricas, base de remuneração, Programa Luz para Todos, inadimplência setorial, remuneração de ativos de terceiros e sub-rogação da CCC.

(...)

11.2. Aprovação da ANEEL. Todas as disposições deste Plano que dependam de aprovação pela ANEEL deverão ser por ela aprovadas para que surtam seus regulares efeitos, incluindo, especialmente, o Plano de Transição. As disposições deste Plano poderão ser adaptadas para cumprir as exigências da ANEEL, aplicando-se, no que for cabível, o disposto na cláusula 4.7.

Naquele momento, o Poder Concedente e o seu órgão regulador se viram impotentes frente ao processo de recuperação da CELPA, perdendo suas medidas de controle e intervenção ao Poder Judiciário, não obstante o reduzido conhecimento técnico e setorial deste.
Diante dos fatos ocorridos o Poder Executivo Federal, receando a extensão de tal situação às demais Concessionárias do Grupo Rede, editou a Medida Provisória nº 577, de 29 de agosto de 2012, a qual realizava alterações na Lei nº 8.987/95, no que concerne ao processo de intervenção nas concessionárias do setor elétrico. Em seguida, em 31 de agosto, editou decretos de intervenção em oito concessionárias do Grupo Rede.
A importância de estudo deste caso reside no fato do mesmo ter iniciado a discussão sobre a aplicação do instituto da recuperação judicial sem qualquer ponderação as empresas concessionárias de serviço público considerando que estas são prestadoras de serviços essenciais à população os quais, segundo a nossa Constituição Federal, apesar de ser garantida a sua exploração econômica, tal exploraçãoe subjuga-se a prevalência do interesse público.
Quanto ao tema em estudo o primeiro ponto interessante traçado por essa MP foi que ela estabeleceu que as concessionárias de serviço público no setor elétrico, enquanto vigentes as suas concessões, não poderiam se valer do benefício da recuperação judicial ou extrajudicial.
Não sendo possível a aplicação destes institutos ela fez uma série de detalhamentos no caso de necessidade de intervenção nas concessionárias deste setor. Em síntese os principais pontos:


•  a intervenção incidiria não somente sobre os bens e direitos, mas sobre a pessoa jurídica da concessionária;
• a ANEEL nomearia um interventor, considerando-se automaticamente suspensos os mandatos dos atuais administradores;
• enquanto perdurar a intervenção, competiria ao interventor administrar a pessoa jurídica da concessionária como um todo, gerindo seus financiamentos, contratos, bens, receitas e empregados;
• caberia à concessionária, por meio de seus acionistas controladores, preparar um plano de recuperação. Entretanto, ao contrário da recuperação judicial, este não seria submetido à aprovação dos credores ou do juízo, nem tampouco contaria com o benefício da suspensão dos processos executórios contra a empresa recuperanda por 180 dias;
• o plano de recuperação e correção de falhas e transgressões poderia incluir uma proposta de regime excepcional de sanções regulatórias para o período de recuperação, devendo este ser apresentado pelos acionistas em 60 dias à ANEEL, que gozaria de ampla discricionariedade para aprová-lo, e nesse caso fazendo cessar a intervenção, ou para rejeitá-lo, podendo nesse caso declarar a caducidade da concessão;
• tendo em vista que a aprovação ou rejeição do plano competiria à ANEEL (levando-se em consideração que esta não tem poderes para suprimir ou alterar os direitos dos credores da concessionária), por presunção esse plano de recuperação deveria ser negociado previamente pelos acionistas controladores da concessionária com os credores desta, antes de ser apresentado à ANEEL, sob pena de o plano não ser exequível.
• o indeferimento do plano de recuperação pela ANEEL poderia ensejar não somente a declaração de caducidade, mas poderá também, por decisão do poder concedente, resultar em operações societárias, alteração de controle, aumento de capital social ou constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor;
• estabelecia o bloqueio automático de todo o patrimônio e bens dos administradores da concessionária sob intervenção, ressalvados os bens considerados inalienáveis e impenhoráveis pela legislação em vigor, a exemplo de verbas de natureza salarial;
• impunha aos administradores da concessionária sob intervenção responsabilidade solidária pelas obrigações assumidas pela concessionária durante sua gestão ;
• extinta a concessão de serviço público no setor elétrico, o poder concedente nomearia órgão ou entidade da administração pública federal (Eletrobrás, por exemplo), para prestar temporariamente o serviço, assegurando sua continuidade, até que outro concessionário fosse selecionado e contratado por meio de novo processo licitatório. Ao novo concessionário caberia assumir as obrigações contraídas pelo órgão ou entidade prestadora temporária do serviço.

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A referida MP foi convertida na Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, a qual após as discussões no Congresso Nacional manteve o espirito do disciplinamento trazido pela proposta do Executivo realizando algumas correções como, por exemplo, a responsabilidade solidaria dos administradores pelas obrigações assumidas pela concessionária durante sua gestão limitada ao previsto pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Assim, conforme art. 18 da Lei nº 12.767/2012 às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica é vedada a aplicação da recuperação judicial e extrajudicial, previstos na Lei no 11.101/95 salvo posteriormente à extinção da concessão.
Cabe assinalar que não houve alteração das regras em relação ao previsto no art. 35, VI, da Lei nº 8.987/95, isto é, a concessão de serviços públicos de energia elétrica continua a extinguir-se pela falência.
Fato é que com a aprovação da Lei nº 12.767/2012, conforme previsto no §5º do art. 5º, às concessões do setor elétrico não se aplicava mais a disciplina da intervenção prevista na Lei nº 8.987/95 , sendo realizado um profundo detalhamento sobre os poderes do Poder Concedente, das competências da Agência Reguladora do setor e os direitos e obrigações do Concessionário.
Visto isso, observa-se que a disciplina trazida pela Lei nº 12.767/2012 aplica-se tão somente ao setor que explora os serviços públicos de energia elétrica por expressa vontade do legislador.
Desta maneira, ao setor de telecomunicações, não há impeditivo legal para a aplicação dos institutos da recuperação judicial ou extrajudicial da Lei n° 11.101/2005 à Concessionária. Conforme art. 114, I, da Lei nº 9.472/97 c/c art. 35, VI, da Lei nº 8.987/95, a Anatel deverá declarar a caducidade da concessão no caso de ocorrência de falência da concessionária.
No que concerne a uma possivel intervenção numa concessionária de serviço público de telecomunicações aplica-se as disposições da Lei nº 9.472/97, norma especifica do setor, e subsidiáriamente as normas gerais previstas na Lei nº 8.987/95. Neste sentido, caberá ao Conselho Diretor decidir sobre a intervenção e extinção, em relação às outorgas para prestação de serviço no regime público (art. 22, V, da LGT), com os procedimentos previstos na LGT .

Referências
BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
BRASIL. Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012.
Plano de Recuperação Judicial de Centrais Elétricas do P – Em recuperação Judicial (CELPA).  http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=12016. Acessado em 25/10/2014
Possibilidade de extinção de concessão de serviço público justificada na recuperação judicial de sociedade empresária. http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496955/000983270.pdf?sequence=1. Acessado em 25/10/2014

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