História do breve golpe de 2016

16/05/2016 às 08:41
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Após o afastamento de Dilma Rousseff e a posse do Michel Temer é preciso contar a história de como ele chegou ao poder de forma ilegítima. Artigo revisado e ampliado após o vazamento do áudio de Romero Juca.

Consolidado o golpe, precisamos refazer o caminho que ele perseguiu até o afastamento de Dilma Rousseff. O golpe não começou com a formulação e a aceitação do processo de Impedimento por Eduardo Cunha, mas com guerra declarada em 2014 pelos derrotados e pela imprensa contra a presidenta reeleita. Como disse em seu discurso, Dilma foi sabotada de todas as formas possíveis e imagináveis pelos principais veículos de comunicação e pelo PSDB, partido que toda a semana inventava uma forma nova de instigar manifestações de rua.

Um dos líderes das manifestações de rua contra Dilma Rousseff foi adotado pela Folha de São Paulo e se juntou ao bando de analistas, especialistas e articulistas aloprados que diariamente atacavam a presidenta nos jornais e nas redes de TV. A campanha midiática suja contra Dilma Rousseff foi intensa e semelhante a que ocorreu contra João Goulart entre 1962 e 1964.

O discurso usado por todos os inimigos de Dilma era irracional, elitista e tinha como principal componente um anti-comunismo embolorado. Nenhuma novidade, João Goulart também foi chamado de comunista apesar de ser apenas um capitalista reformista. Escondidos atrás dos ataques pessoais maldosos feitos contra Dilma Rousseff estavam os interesses petrolíferos norte-americanos no Brasil.

Já se tornou consensual a conclusão de que o processo da Lava Jato foi uma das pedras fundamentais do golpe de estado de 2016. Esta operação jurídico-midiática foi desencadeada por um juiz treinado nos EUA que nem se deu ao trabalho de esconder sua parcialidade, seu anti-petismo e sua visão politizada, partidária e extremamente punitiva do Direito Penal. O processo forneceu imagens, vazamentos, discursos jurídicos e imagens policiais, quase sempre contra líderes petistas (no final contra o próprio Lula).

A imprensa se encarregou de dar o máximo de visibilidade às acusações maliciosas e infundadas sacadas contra o governo e contra as lideranças petistas pouco se importante com o verdadeiro fato jornalístico: a maioria dos políticos apanhados na rede da Lava Jato eram membros do PMDB e do PSDB. Michel Temer (líder do golpe de estado) e Aécio Neves (líder tucano que instigou manifestações de rua contra Dilma) foram várias vezes citados como beneficiários pessoais das propinas pagas, mas isto não foi investigado pela justiça e não ganhou qualquer destaque na TV.

A finalidade da Lava Jato não era extinguir a corrupção, mas apenas dar aos corruptos liderados por Michel Temer condições para assaltar o poder. No exato momento em que ficou claro que isto ocorreria, o juiz da Lava Jato foi premiado nos EUA e saiu de cena depois de ter sido ostensivamente exposto na TV como herói nacional.

Assim que assumiu o cargo de presidente, Michel Temer nomeou várias pessoas denunciadas em razão da Lava Jato e extinguiu a Controladoria Geral da União, órgão regulatório que fiscalizava a gestão orçamentária e que teve um papel decisivo em vários escandalos de corrupção dos líderes do PMDB, do PSDB e do próprio PT. A imprensa que bradava contra a corrupção do PT e abafava os escandalos envolvendo o PMDB e do PSDB ficou satisfeita com a extinção da CGU em razão da vitória do golpe de estado que ela mesma instrumentalizou.

A evidente corrupção da oposição nunca foi objeto de questionamento sério durante o golpe. Como dizia o cartaz ostentado nas ruas numa manifestação contra Dilma: “Cunha é corrupto, mas está do nosso lado.” A partir da posse de Michel Temer não existe mais corrupção no Brasil, pois corruptos ligados a ele foram nomeados para vários Ministérios. Além disto, é provável que o novo governo inunde as empresas de comunicação brasileiras com verbas de publicidade. Isto não é corrupção? A corrupção do jornalismo é algo ético?

A pedra fundamental do golpe foi a Lava Jato, mas o operador do golpe foi sem dúvida alguma Eduardo Cunha. Pressionado pela denúncia criminal de corrupção que contra ele foi sacada pelo MPF, o presidente da Câmara dos Deputados tentou chantagear Dilma Rousseff para salvar seu mandato. Como não conseguiu o que queria, Cunha resolveu aceitar um processo de Impedimento absurdo e trabalhou para conseguir a maioria necessária para que o mesmo fosse aprovado na Câmara dos Deputados. Além dos deputados perseguidos pela Justiça por crimes semelhantes ou piores que aqueles que foram imputados a Eduardo Cunha, vários parlamentares honrados e mais ou menos desonestos também votaram contra a presidenta.

O grande facilitador do golpe de 2016 foi, sem dúvida alguma, o Supremo Tribunal Federal. O Tribunal recebeu a denúncia criminal contra Eduardo Cunha e não o afastou imediatamente do cargo. Se isto tivesse ocorrido, o operador do golpe não teria tido condições de aceitar o pedido de Impedimento e de construir a maioria necessária para que o mesmo fosse aprovado. Ao facilitar o golpe o STF cumpriu sua vocação elitista e anti-democrática, pois é cediço que aquele Tribunal instrumentalizou a ditadura de 1964/1988 ao considerar válidos os famigerados Atos Institucionais. Desta feita, porém, a credibilidade internacional do STF foi seriamente abalada, pois a imprensa internacional denunciou o golpe de 2016 e notou que o Tribunal agiu como facilitador do mesmo.
Mas o que realmente comprometeu a imagem pública e institucional do STF foi o vazamento da gravação da conversa telefônica de Romero Juca. O áudio demostra que vários Ministros da Corte participaram da conspiração para depor Dilma Rousseff e levar Michel Temer ao poder por razões mesquinhas. A CF/88 foi rasgada pelo STF em troca de aumento salarial. Num país sério o STF seria dissolvido e todos os seus membros perderiam o emprego. Mas como estamos no Brasil nada disto ocorreu. Gilmar Mendes continuará a ser o advogado de defesa de Aécio Neves no STF. Durante a primeira semana da tirania peemedebista ele evolveu o Inquérito do seu cliente ao PGR.

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Quando da votação do Impedimento, Dilma Rousseff foi traída por vários parlamentares que faziam parte da bancada do governo. Isto ocorreu porque a presidenta suspendeu a execução de várias despesas orçamentárias aprovadas através de emendas dos Deputados Federais.

A atitude de Dilma Rousseff em relação às emendas orçamentárias dos parlamentares foi duramente criticada por um jornalista amigo meu numa conversa que tivemos durante a primeira manifestação de apoio a presidenta no Anhangabaú. Em defesa de Dilma Rousseff, porém, sempre poderá ser usado um argumento racional plausível: na qualidade de presidenta da república ela estava sujeita ao crime de responsabilidade caso permitisse a execução das obras desejadas pelos parlamentares sem a necessária disponibilidade de caixa. Ao fim e ao cabo, Dilma foi afastada do cargo por crime de responsabilidade não porque agiu de maneira criminosa e sim porque governou de forma responsável evitando a execução das obras desejadas pelos parlamentares que traíram o governo deposto.

O sistema político brasileiro é absolutamente irracional e injusto. Os parlamentares podem aprovar a execução das obras que desejam, mas é o presidente da república que responde por crime de responsabilidade caso as mesmas sejam executadas sem que haja o dinheiro necessário. Os parlamentares e o parlamento são irresponsáveis em relação às emendas orçamentárias aprovadas. Para piorar as coisas, os próprios parlamentares que aprovaram emendas orçamentárias que foram justificadamente não executadas pelo presidente podem depor o chefe do poder executivo. Foi o que ocorreu no caso de Dilma Rousseff que, sendo honesta e inocente, também teve o azar de ser julgada por centenas de bandidos que deveriam estar na Papuda e não no Congresso Nacional.

A irracionalidade do sistema político-administrativo brasileiro explica porque ao votar o Impedimento os deputados (e depois deles vários senadores) fizeram discursos idiotas ou ofereceram seus votos às esposas, esposos, filhos e amigos torturadores. O que mais eles poderiam dizer? Que eles mesmos empurraram a presidenta para a cova ao aprovar obras que, sem cometer crime de responsabilidade, ela não poderia executar por falta de dinheiro?

É evidente que o golpe de estado disfarçado de impedimento não vai resolver a crise brasileira. Também é evidente que a disposição da população de resistir à posse de Michel Temer só vai acarretar repressão, mais resistência e aumento exponencial da repressão. Um golpe dentro do golpe não pode ser descartado. Também não pode ser descartada a implosão do novo governo em razão das contradições que foram criadas pelo próprio Michel Temer.

Suas primeiras medidas afetam diretamente os mais pobres. Numa penada ele aumentou em 237% as prestações das casas construídas pelo Minha Casa Minha Vida. O resultado imediato disto será a inadimplência, a reintegração de posse dos imóveis e sua venda às pessoas ricas. Não podemos descartar a hipótese de centenas ou milhares de casas serem compradas por especuladores interessados em transformar em locatários os ex-proprietários.

A redução ou extinção de vários outros programas sociais recolocará nas mãos do PT, de Lula e de Dilma Rousseff milhões de brasileiros que aceitaram silenciosamente o golpe de estado em razão da encenação jurídico-midiática da Lava Jato. Estes cidadãos, que foram iludidos para serem pessoalmente prejudicados, certamente serão os opositores mais radicais e violentos que Michel Temer terá que enfrentar nos próximos meses.

Logo após Michel Temer assaltar o poder o WikiLeaks revelou que ele era informante da Embaixada dos EUA. Apesar de toda a proteção que a imprensa está dando ao novo governo, a informação é intensamente compartilhada na internet e já repercutiu em vários jornais europeus importantes. A credibilidade internacional do novo presidente já era baixa em razão do golpe de estado e desapareceu no exato momento em que todos ficaram sabendo que ele é um espião norte-americano.

Em razão de sua incapacidade de trair o povo brasileiro, Getúlio Vargas saiu da vida para entrar na História. Ele é e continuará sendo conhecido como o “pai dos pobres”. Michel Temer corre o risco de sair da vida e da História como aquele que traiu o Brasil e que traiu Dilma Rousseff para poder trair as esperanças depositadas nele em razão da campanha da imprensa em favor do golpe. Pequena perda direi. Não tenho piedade alguma deste ambicioso traidor que se esqueceu da regra três, onde menos (a verdade) vale mais (do que a propaganda disfarçada de jornalismo).

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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