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Há estabilidade no emprego público?

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20/05/2016 às 15:46
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3. A ESTABILIDADE NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS TRAVADAS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como visto, nos termos do art. 41 da Constituição Federal, a estabilidade é uma garantia outorgada aos ocupantes de cargo público de provimento efetivo, após o atendimento de alguns requisitos. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a Emenda Constitucional nº 19/1998:

tornou expresso, no caput do art. 41, que a estabilidade só beneficia os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo, pondo fim ao entendimento defendido por alguns doutrinadores de que os servidores celetistas, sendo contratados mediante concurso público, também faziam jus ao benefício;[36]

Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que a estabilidade, juntamente com outras garantias decorrentes do regime estatutário, objetiva proteger os servidores ocupantes de cargos efetivos para que possam atuar de forma impessoal, o que beneficia, em última análise, todos os administrados.[37] Com base nesse raciocínio, conclui:

Finalmente, o regime normal dos servidores públicos teria mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender a peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado.[38]

Nessa linha, em regra, apenas os servidores estatutários ocupantes de cargos de provimento efetivo fazem jus à estabilidade.[39] Ou, nas palavras de Odete Medauar, “a efetividade propicia a aquisição da estabilidade ordinária”.[40] Ao regime trabalhista, porque restrito, nas entidades de direito público, às atividades subalternas,[41] bem como às pessoas de direito privado (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado, caso instituídas pelo Poder Público), que se prestam à exploração de atividades econômicas,[42] não se aplica o instituto da estabilidade, garantia desnecessária face à natureza das atribuições de tais servidores.

Há, porém, exceções.

Odete Medauar observa que:

(...) episodicamente, os textos constitucionais vêm atribuindo estabilidade a servidores, não ocupantes de cargo efetivo, que tenham cinco anos de serviço público na data em que foram promulgadas: as Constituições Federais de 1946, ADCT, art. 23; de 1967, art. 177, §2º; e de 1988, ADCT, art. 19, concederam estabilidade extraordinária – nesta hipótese, inexiste o pressuposto da efetividade, também inexistindo, como decorrência automática, a ocupação de cargo efetivo.[43]

Assim, a princípio, apenas aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88 é assegurada, excepcionalmente, a estabilidade.

No entanto, a Súmula nº 390 do Tribunal Superior do Trabalho,[44] embora não admita a estabilidade dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista (no que é acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal[45]), reconhece o direito à estabilidade aos servidores celetistas da Administração direta, autárquica e fundacional.

Ocorre que esse enunciado, na parte em que reconhece a estabilidade aos servidores celetistas (empregados públicos) de entidades de direito público, mostra-se incorreto, como bem demonstrado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Não tem qualquer sentido a Súmula 390, I, do TST, quando estabelece que “o servidor celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”; esse entendimento já era difícil de ser aceito na redação original do artigo 41 da Constituição, mas chegou a ser adotado pelo STF, antes da Emenda Constitucional nº 19/98. Porém, a partir da Emenda nº 19, que só assegura estabilidade ao servidor nomeado para cargo de provimento efetivo, não mais se justifica a outorga de estabilidade ao servidor celetista, que é contratado (e não nomeado) para emprego (e não cargo). A distinção entre cargo e emprego resulta claramente da Constituição, especialmente do artigo 37, I, II e VIII, e também do respectivo regime previdenciário. Os ocupantes de emprego são beneficiados com os direitos sociais previstos no artigo 7º (proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, fundo de garantia), não assegurados aos servidores estatutários; e o próprio regime previdenciário é diverso, consoante decorre do artigo 40, §13, da Constituição. A Súmula 390, I, do TST iguala situações que, pela Constituição, são submetidas a regimes jurídicos diferenciados.[46]

Por outro lado, nada obsta que leis infraconstitucionais confiram uma estabilidade própria a determinadas categorias de empregados públicos.

É o caso da Lei federal nº 9.962/2000, que, no seu art. 3º,[47] estabelece que a rescisão do contrato de trabalho por tempo indeterminado do empregado público concursado, por ato unilateral da Administração Pública, somente poderá ocorrer nos casos de: a) prática de falta grave; b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; c) necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa; ou d) insuficiência de desempenho.

Ao condicionar a demissão do empregado público à ocorrência de determinados fatos, a referida lei “cria uma estabilidade relativa, diversa da garantida constitucionalmente ao servidor estatutário”.[48]

Nesse caso, o ato unilateral de desligamento do empregado público, além de vinculado, deve ser devidamente motivado, sem prejuízo da observância da ampla defesa e do contraditório.[49]

Essa lei, contudo, abrange apenas “o regime de emprego público do pessoal da Administração direta, das autarquias e fundações, sob o regime da CLT e legislação trabalhista correlata”.[50] Logo, não se aplica aos empregados públicos de entidades de direito privado da Administração indireta.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo uma garantia outorgada aos ocupantes de cargo público de provimento efetivo, após o atendimento de alguns requisitos, a estabilidade de que trata o art. 41 da Constituição Federal não se aplica aos empregados públicos, independentemente de o contratante ser uma entidade de direito público ou privado.

É assegurada uma estabilidade excepcional ou extraordinária aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88.

Nada obsta, outrossim, que leis infraconstitucionais confiram uma estabilidade própria, especial, a determinadas categorias de empregados públicos, como ocorre em relação aos empregados públicos da Administração federal direta, autárquica e fundacional. Nos termos do art. 3º da Lei federal nº 9.962/2000, esses empregados, quando concursados, somente poderão ter os seus contratos de trabalho por tempo indeterminado rescindidos por ato unilateral da Administração Pública nos casos de: a) prática de falta grave; b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; c) necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa; ou d) insuficiência de desempenho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

FERREIRA, Flavia Malavazzi. O direito à estabilidade e a dispensa do servidor público concursado sob o regime da CLT. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 nov. 2014. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50674. Acesso em: 11 jun. 2015.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribuais, 2014.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 10, abril/maio/junho, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 08 set. 2015.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.


Notas

[1] Não obstante a sua relevância na estrutura administrativa, não será examinada aqui a função pública, porque desnecessário para os fins deste trabalho.

[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 236.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 526.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 236.

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 526.

[6] Celso Antônio Bandeira de Mello adota classificação diversa, preferindo a expressão servidores estatais para designar “todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência”; considera que a designação servidor público atualmente tem alcance restrito, não sendo “adequada para abarcar também os empregados das entidades da Administração indireta de Direito Privado” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 239).

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 528.

[8] Idem, ibidem. p. 528.

[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 236.

[10] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 534.

[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribuais, 2014. p. 908.

[12] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 534.

[13] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 314.

[14] “Tendo em vista que o empregador é o ente estatal, alguns preceitos do regime jurídico estatutário estendem-se aos celetistas; por exemplo: limite de remuneração (CF, art. 37, XI), proibição de acumulação remunerada de outro emprego, função ou cargo (CF, art. 37, XVII), possibilidade de sofrer sanções por improbidade administrativa (CF, art. 37, §4º, e Lei 8.429/92, art. 1º)” (MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 315).

[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 1032.

[16] Idem, ibidem. p. 1032-1033.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 516.

[18] Idem, ibidem. p. 517.

[19] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 969.

[20] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 518.

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[21] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 676.

[22] Idem, ibidem. p. 676.

[23] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 970.

[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 518-519.

[25] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 676.

[26] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 519.

[27] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 290.

[28] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[29] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 676.

[30] Idem, ibidem. p. 676.

[31] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[32] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 970.

[33] Idem, ibidem. p. 912.

[34] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 307.

[35] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 659.

[36] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 594-595.

[37] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 247.

[38] Idem, ibidem. p. 247.

[39] Nesse sentido é a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a qual, inicialmente, vacilou, estendendo algumas vezes a estabilidade ordinária também aos ocupantes de empregos públicos, como observa Paulo Modesto (MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 10, abril/maio/junho, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em 08/09/2015).

[40] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[41] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 250.

[42] Idem, ibidem. p. 246.

[43] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 321.

[44] ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000)

II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)

[45] Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 589.998, o qual teve a repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os empregados públicos de empresas estatais estariam sujeitos à dispensa por ato unilateral do empregador, não lhes sendo aplicável a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal.

[46] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 595.

[47] Art. 3o O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:

I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;

II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

Parágrafo único. Excluem-se da obrigatoriedade dos procedimentos previstos no caput as contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8º do art. 37 da Constituição Federal.

[48] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 595.

[49] FERREIRA, Flavia Malavazzi. O direito à estabilidade e a dispensa do servidor público concursado sob o regime da CLT. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 nov. 2014. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50674. Acesso em: 11 jun. 2015.

[50] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 315.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜHLMANN, Luis Henrique Cunha. Há estabilidade no emprego público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4706, 20 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49062. Acesso em: 28 dez. 2024.

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