A promulgação e implementação da Lei n. 12.846 no ano de 2014 importou termo de matriz anglo-saxônica ao ordenamento jurídico brasileiro – e que vem causando certo alvoroço, como a nova “coqueluche” para os operadores do Direito: trata-se do termo “compliance”, cujo significado advém do verbo “to comply” e significa cumprir, obedecer.
A rigor, a novel terminologia que fora incorporada ao cotidiano dos juristas, mormente advogados vinculados à área empresarial e, principalmente, empresários (e seus empregados), não é – ou, ao menos, não deveria ser – de desconhecimento dos cidadãos. Isso porque, em suma, “compliance” representa o dever de estar-se em conformidade aos postulados normativos. Consiste, portanto, apenas numa forma aparentemente mais rebuscada (pelo estrangeirismo) do princípio da legalidade que é de domínio público e senso comum: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, Constituição Federal de 1988). Ou seja, a obrigatoriedade de portar-se em consonância à lei compõe o ordenamento jurídico nacional desde, ao menos, 1988 – muito antes, portanto, da promulgação da lei em comento. A bem da verdade, a obediência a determinados ditames é pressuposto básico da organização social.
A Lei Anticorrupção (como ficou conhecida a Lei n. 12.846/14) enalteceu a disciplina da matéria em território nacional e entabulou responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas de direito privado, cujos atos negociais sejam enquadrados como “lesivos à administração pública nacional ou estrangeira”, que são classificados, comumente, como atos de corrupção, ainda que não se amoldem ao que dispõem os crimes de corrupção passiva (art. 317, CP) e ativa (333, CP) propriamente. A iniciativa para a edição da legislação em apreço guarda íntima relação com o reconhecimento, por parte do Estado, do poder lesivo de tais práticas corruptivas, somado à sua hipossuficiência na apuração de tais condutas e o poder que elas têm de promover uma concorrência desleal no mercado privado. Diante destes fatores, o ente público, através do Poder Legislativo, passou a repartir com os entes privados a obrigação de fazer cumprir os ditames legais e extirpar tais práticas do cenário econômico nacional. Ocorre que, para garantir a eficácia desta delegação, utiliza-se da coerção legal, através da possibilidade de aplicação de pesadas sanções àqueles que, eventualmente, não obedeçam (arts. 6º e 19).
As sanções previstas na lei são inegavelmente vultosas e, por vezes, podem representar obstáculo definitivo às suas operações, uma vez que a multa pode chegar a 20% do seu faturamento bruto, ou, quando não for possível a utilização deste critério, prevê-se multa de até R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
Com isso, tornamos ao cerne do presente trabalho. O programa de compliance (ou, na acepção tupiniquim, programa de conformidade ou integridade) representa mecanismo idôneo a demonstrar ao ente público que a empresa encontra-se compromissada a fazer cumprir a lei e não se utilizar de qualquer expediente ilícito na celebração de contratos com o ente público. Não se trata, porém, de um cumprimento da lei pura e simplesmente, mas, o traço distintivo do que se deve compreender por compliance é justamente a consagração, no ordenamento jurídico nacional, de mecanismos que remetem à autorregulação, por parte das empresas, a fim de alcançar o objetivo maior que é o cumprimento das leis. A Lei Anticorrupção conferiu poderes que permitem a descoberta de desvios por parte do próprio ente privado, autonomamente. Deste modo, pode ser aferido através da existência de códigos de ética/conduta, canais de denúncia, auditoria interna, políticas e diretrizes voltados a sanar desvios e fraudes e a efetividade de tais medidas será levada em consideração quando de eventual instauração de procedimento administrativo de responsabilização.
Em que pese o instituto ter ganho destaque com os julgamentos de grande repercussão na área crime, inarredavelmente tem aplicabilidade em outras áreas do direito, como, in casu, na seara trabalhista, sobretudo no Brasil, um dos países de maior litigância laboral no mundo.
Assim, deve-se, na consecução de um efetivo e exitoso programa de compliance trabalhista, atuar em duas frentes a saber: criação de políticas e procedimentos internos de observância à legislação (e jurisprudência) laboral e vigilância efetiva (interna e externa) de seu cumprimento.
Na primeira frente é necessário, mapeando as especificidades de cada núcleo organizacional, criar um ambiente transparente, sadio e respeitoso no trato interpessoal entre todos os funcionários, observando os ditames do complexo ordenamento jurídico trabalhista pátrio, passando, ainda, pela jurisprudência pertinente às relações trabalhistas. Neste sentido, por exemplo, devem ser coibidas atitudes preconceituosas, abusos hierárquicos, além de obediência a critérios objetivos em contratações, desligamentos e, claro, no trato entre colegas. Amplia-se, ainda, para a gestão empresarial ético-sustentável, na qual haja a atuação incisiva para obedecer a legislação posta, de forma a não suprimir direitos trabalhistas.
Neste diapasão, cumpre à empresa, por exemplo, evitar: a) tratamentos degradantes e/ou vexatórios na política de cumprimento de metas; b) revistas íntimas quando desnecessárias; c) políticas de isolamento de funcionários; d) supressão de vantagens e bônus garantidos em lei ou acordo/convenção coletivas de trabalho; dentre outros.
Já na segunda frente, é preciso comprovar o envio de esforços, de forma constante, no cumprimento de todo o regramento criado, tanto interna quanto externamente. Devem, então, as empresas, promoverem treinamentos constantes, palestras explicativas, submeterem-se à auditorias de controle e, também, provar a aplicação de penalidades (que obedeçam critérios objetivos) aos infratores das políticas internas criadas (sempre observando a razoabilidade e direito de defesa).
Dá-se, assim, uma interligação entre o conjunto de normas internas (regulamento interno e estatuto empresarial) com o ordenamento jurídico como um todo (CLT, Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, Portarias, Resoluções Administrativas), passando, por óbvio, pela jurisprudência trabalhista (Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST e TRT´s).
Nesta toada, a empresa deve aproximar seu setor de gestão do núcleo de apoio jurídico, visando, sobretudo em um cenário político-econômico de crise, reduzir o passivo trabalhista criado por indenizações e multas administrativas, tanto perante órgãos como Delegacias Regionais do Trabalho, quanto no Judiciário, em ações coletivas ou individuais.
A existência de programas de Compliance Trabalhista intenta, em última análise, a condução dos negócios com ética e integridade, melhorando o ambiente empresarial interno e a redução do passivo trabalhista oriundo de penalidades administrativas/indenizações judiciais, tendo, como consequência direta, o ganho de competitividade da organização como um todo.