Renan Calheiros (PMDB-AL), em áudio gravado pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, falou de várias pistas e ideias para levar adiante a Operação Abafa (a Lava Jato e o impeachment). Seguem alguns trechos das falas de Renan (transcritos por Rubens Valente, Folha):
1) [A situação tá] “grave e vai complicar. Porque Andrade fazer [delação], Odebrecht, OAS. Todos vão fazer [delação]” [Executivos da Andrade Gutierrez já fizeram delação e detonaram a campanha eleitoral de Dilma-Temer de 2014; Odebrecht e OAS estão em fase de negociação];
2) [Eu conversei com a Dilma – referindo a um “acordão” para mantê-la presidente] “Ela continuar presidente, o Michel assumiria e garantiria ela e o Lula, fazia um grande acordo. Ela tem três saídas: licença, renúncia ou impeachment. E vai ser rápido. A mais segura para ela é pedir licença e continuar presidente. Se ela continuar presidente, o Michel não é um sacana” [Fala-se expressamente em “acordo”, garantias para Dilma e para Lula, Michel garantiria tudo isso; o exercício do poder no Brasil sempre foi extrativista e cleptocrata; todos procuram se garantir para a preservação do “sistema”, que está programado para o enriquecimento politicamente favorecido para os poucos das elites/oligarquias que dominam o Brasil];
3) “A melhor solução para ela é um acordo que a turma topa. Não com ela. A negociação é botar, é fazer o parlamentarismo e fazer o plebiscito, se o Supremo permitir, daqui a três anos. Aí prepara a eleição, mantém a eleição, presidente com nova…” [Renan refere-se ao “acordão” do parlamentarismo que acabou não prosperando, posto que atropelado pelo impeachment];
4) “Queres que eu faça uma avaliação verdadeira? Não acredito em 30 dias, não. Porque se a Odebrecht fala e essa mulher do João Santana fala, que é o que está posto…” [Mônica, mulher do João Santana, já está falando, já está fazendo delação premiada; dentre as pessoas citadas está Eike Batista, que deu dinheiro para as campanhas lulopetistas fazendo depósitos no exterior; a Odebrecht ainda está em fase de negociação];
5) [Temos que achar uma saída. Com quem falar? Sarney] [Sarney trabalha “por fora” para a manutenção do “sistema” extrativista e cleptocrata; conseguiu emplacar seu filho para ministro do Temer; a Nova República, iniciada com Sarney em 1985, deu continuidade ao exercício concentrado do poder, onde os poucos se alimentam das riquezas politicamente favorecidas];
6) “Me disse [inaudível] ‘ó, se o Renan tiver feito alguma coisa, que não sei, mas esse cara, porra, é um gênio. Porque nós não achamos nada.’;
7) “Deus me livre, Delcídio é o mais perigoso do mundo. O acordo [inaudível] era para ele gravar a gente, eu acho, fazer aquele negócio que o J Hawilla fez”;
8) “É um rebotalho de gente”;
9) “Michel, eu disse pra ele, tem que sumir, rapaz. Nós estamos apoiando ele, porque não é interessante brigar. Mas ele errou muito, negócio de Eduardo Cunha… O Jader me reclamou aqui, ele foi lá na casa dele e ele estava lá o Eduardo Cunha. Aí o Jader disse, ‘porra, também é demais, né’”;
10) [A Globo passou do limite] “Eu marquei para segunda-feira uma conversa inicial com [inaudível] para marcar… Ela me disse que a conversa dela [Dilma] com João Roberto [Marinho] foi desastrosa. Ele disse para ela… Ela reclamou. Ele disse para ela que não tinha como influir. Ela disse que tinha como influir, porque ele influiu em situações semelhantes, o que é verdade. E ele disse que está acontecendo um efeito manada no Brasil contra o governo” [Dilma tentou se valer da mídia financista para preservar seu governo];
11) “O Lula está consciente, o Lula disse, acha que a qualquer momento pode ser preso. Acho até que ele sabia desse pedido de prisão lá…”;
12) “Mas aí, nesse caso, ela tem que se ancorar nele. Que é para ir para lá e montar um governo. Esse aí é o parlamentarismo sem o Lula, é o branco, entendeu?”;
13) [“Se a Odebrecht mostras as contas não tem mais jeito”] “Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é [inaudível]”;
14) [Conversa de Renan com Dilma] “Ela avaliou esse cenário todo. Não deixei ela falar sobre a renúncia. Primeiro cenário, a coisa da renúncia. Aí ela, aí quando ela foi falar, eu disse, ‘não fale não, pelo que conheço, a senhora prefere morrer’. Coisa que é para deixar a pessoa… Aí vai: impeachment. ‘Eu sinceramente acho que vai ser traumático. O PT vai ser desaparelhado do poder’”;
15) [O PSDB é o próximo da vez] [concordando] “Não, o Aécio disse isso lá. Que eu sou a esperança única que eles têm de alguém para fazer o…”;
16) […vamos passar uma borracha no Brasil] “Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso” [essa seria uma outra estratégia para promover a operação “Abafa”: proibir o preso de delatar; seria inconstitucional porque o preso não pode ser tratado desigualmente; o mecanismo de preservar o seu direito é só permitir delação de preso quando ele requer];
17) [manifestando contra a posição do STF de prender após a segunda instância] “A lei diz que não pode prender depois da segunda instância, e ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso”;
18) “E, em segundo lugar, negocia a transição com eles [ministros do STF]”;
19) [Mas eles não vão negociar com Dilma] “Não negociam porque todos estão putos com ela. Ela me disse e é verdade mesmo, nessa crise toda –estavam dizendo que ela estava abatida, ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável, ela está gripada, muito gripada– aí ela disse: ‘Renan, eu recebi aqui o Lewandowski,querendo conversar um pouco sobre uma saída para o Brasil, sobre as dificuldades, sobre a necessidade de conter o Supremo como guardião da Constituição. O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável’;
20) “Estamos perdendo a condição política. Todo mundo” [na verdade, todo mundo deixou de ser intocável; a Lava Jato está pegando todo mundo e está desmontando o “sistema” extrativista e corrupto];
21) “Primeiro eu disse a ele, ‘Michel, você tem que ficar calado, não fala, não fala’”;
22) “Não vão botar, não. [inaudível] E da leniência, detalhar mais. A leniência não está clara ainda, é uma das coisas que tem que entrar na…”;
23) “E tudo com medo”;
24) “Aécio está com medo. [me procurou] ‘Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.’”;
25) [inaudível] sexta-feira. Conversa muito ruim, a conversa com a menina da Folha… Otavinho [a conversa] foi muito melhor. Otavinho reconheceu que tem exageros, eles próprios tem cometido exageros e o João [provável referência a João Roberto Marinho] com aquela conversa de sempre, que não manda. […] Ela [Dilma] disse a ele ‘João, vocês tratam diferentemente de casos iguais. Nós temos vários indicativos’. E ele dizendo ‘isso virou uma manada, uma manada, está todo mundo contra o governo.’” [A conversa com Otavinho “foi muito melhor”].
O Brasil se cansou dessa velha política e desses velhos extrativistas do mercado. Os Cunhas, Jucás, Renans, Sarneys, Lulas, Aécios etc. e as Odebrechts da vida são a síntese desse modelo ultrapassado de sociedade não inclusiva e vergonhosamente injusta, que vem dos senhores de engenho, onde poucos (as elites econômicas e as oligarquias políticas) saqueiam à luz do dia a quase totalidade da população, sobretudo por meio do sequestro do Estado.
Via Lava Jato (empoderamento das instituições jurídicas), incontáveis representantes desse baronato da rapinagem e das pilhagens estão sendo expulsos do jogo econômico e político (que deve ser saneado mais profundamente). É imprescindível a extirpação dos “cânceres” malignos desenvolvidos ao longo da nossa História (senhores de engenho, fazendeiros coronéis, tiranetes, industriais sugadores do erário, empresários e políticos que se põem acima da lei etc.).
Por um utópico consenso ou por uma revolução não violenta da sociedade civil, enquanto não fizermos o que os ingleses fizeram em 1688 (Revolução Gloriosa), o que os norte-americanos fizeram em 1776-1781 (Guerra da Independência, o que os franceses fizeram em 1789 (Revolução Francesa), o que os japoneses fizeram em 1868 (Revolução Meiji) e o que os sul-coreanos fizeram em 1961 (Revolução na Educação), não mudaremos o Brasil. É preciso derrubar ou transformar o “sistema” (extrativista e cleptocrata). A Lava Jato já está fazendo uma parte da revolução. A outra cabe à sociedade civil. A mudança de atores não altera a História, que nos conta crises atrás de crises, das quais brotam o caos (que é a antessala do colapso). Algo pode ser feito antes do colapso (e imediatamente).