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A responsabilidade civil e as implicações jurídico-penais referentes ao assédio moral nas relações trabalhistas

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4 O MOBBING E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICO-PENAIS

O escopo maior do Direito Penal é conceder a devida proteção aos bens jurídicos essenciais à estrutura da sociedade, tal proteção não se restringe à sua função repressiva e intimidadora de tal ramo do Direito, ocorrendo, principalmente, por meio do acordo entre o Estado e o cidadão, pelo qual ambos aceitam a se submeter a normas jurídicas justas, dentro de uma estrutura democrática, que viabiliza a promoção da justiça e a manutenção da paz social (CAPEZ, 2011, p. 19).

Dessa forma, “o Direito Penal protege, dentro de sua função ético-social, o comportamento humano daquela maioria capaz de manter uma mínima vinculação ético-social, que participa da construção positiva da vida em sociedade por meio da família, escola e trabalho” (grifamos) (BITENCOURT, 2011, p. 38).

Em 15 de maio de 2001, por meio da Lei n.º 10.224, o Código Penal vigente foi alterado, a fim de criminalizar a conduta do assédio sexual no trabalho, dispondo o art. 216-A, nestes termos: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 01 (um) a 02 (dois) anos” (grifo nosso). No entanto, deve-se frisar que o assédio moral no trabalho, apesar de sua alta lesividade e reprovabilidade, ainda não foi criminalizado pelo legislador, embora tal tipificação, cada vez mais, mostre-se alinhada com as necessidades dos trabalhadores e aspirações da sociedade farta de conviver com a impunidade daqueles que não se dispõem a manter conduta adequada com a coexistência pacífica, baseada na moralidade e legalidade, inerentes ao moderno Estado Democrático de Direito.

Ainda assim, o direito penal pátrio, apesar de não tipificar tal conduta, não descuida da proteção dos direitos fundamentais da honra, da imagem, bem como da privacidade das pessoas. Sobretudo, criminalizando as condutas de calúnia (art. 138, CP/1940), difamação (art. 139, CP/1940) e injúria (CP/1940, art. 140).

Conforme observa Nucci¹ (2012), caluniar é imputar falsamente a alguém a prática de um ato criminoso, tal modalidade de crime contra a honra costuma, por vezes, ser confundida com a injúria, uma vez que dizer que alguém é, por exemplo, um ladrão, não é, necessariamente, uma calúnia, a qual exige maior detalhamento, a ponto de, realmente, se levar a concluir que alguém cometeu um ilícito penal, para tanto, em nosso exemplo, seria preciso afirmar que “alguém, em data e local específicos, furtou coisa alheia móvel de terceiro”. Se tal fato, porém, for verídico, assevera o referido doutrinador, contra a acusação de calúnia, caberá a exceção da verdade. 

A difamação consiste em difundir fatos desabonadores da honra alheia, sejam eles verdadeiros ou falsos, portanto a “falsidade”, requisito fundamental da calúnia, aqui não se faz presente.

Já a injúria, contudo, é o mero xingamento, a ofensa, que visa atingir a autoestima, a consideração que o indivíduo faz de si próprio, portanto, ao contrário da difamação e calúnia, quanto ao crime de injúria, não é possível a retratação.

ASSÉDIO MORAL. ÔNUS DA PROVA. Tratando-se de pedido de indenização por danos morais, há que se visualizar a presença do ato ilícito praticado pelo empregador, bem como do dano moral sofrido pelo empregado, este abrangendo constrangimentos, humilhações, calúnia, injúria e difamação, a exemplo, e, à obviedade, o nexo causal entre a conduta do primeiro e a consequência danosa na esfera pessoal do segundo. No caso em tela, incumbia ao Autor, por força do que dispõe o art. 818 da CLT c/c art. 333, inciso I, do CPC comprovar que efetivamente sofreu dano moral, que se refere ao prejuízo ou lesão a bens sem valor econômico, ônus do qual não se desvencilhou. Recurso do Reclamante a que se nega provimento [...] (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. RO 276362009651908 PR 27636-2009-651-9-0-8. 1ª Turma. Rel. Des. Ubirajara Carlos Mendes, 2010).

4.1 EFEITOS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA QUANTO AO DEVER DE REPARAR OS DANOS

Conforme a redação do art. 935, do CC/2002, “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”, estabelecendo-se, conseguintemente, a independência relativa, o que possibilita, nos limites legais, a comunicação e influência de uma em relação à outra.

Cavalieri Filho (2008, p. 530), analisando os arts. 63 do Código de Processo Penal de 1941 (CPP/ 1941) e o art. 475 – N do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/ 1973), observa que “[...] em face da nossa legislação vigente, a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível. Ela jamais poderia valer como título executivo judicial sem produzir os efeitos da coisa julgada”.

Cabe observar, também, que o art. 91, I, do CP/1940, estipula como um dos efeitos da condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”, harmonizando-se, portanto, com os artigos retromencionados.

De outro modo, a sentença absolutória não terá o mesmo condão, pela inteligência do art. 386 do CPP/ 1941, esclarece Bitencourt (2011, p. 770) que “a sentença penal absolutória não impede a propositura da competente ação indenizatória no juízo cível, a menos que o fundamento da absolvição seja o reconhecimento da inexistência material do fato, de que o acusado não foi o autor do fato, ou de que agiu sob excludente de criminalidade”.

Portanto, aplicar-se-ão os arts. 64 e 66 do CPP/1941, afinal, a vítima não ter conseguido produzir, na esfera penal, o conjunto probatório necessário para uma condenação, não significa que não possa lograr êxito em demonstrar, no âmbito civil, a autoria do acusado e o liame de casualidade entre a conduta deste e a produção dos danos, além do mais, a anistia e a prescrição da pretensão executória não prejudicam a pretensão de reparação civil, o que não se aplica, contudo, em relação à pretensão da pretensão punitiva (NUCCI¹, 2012).

A sentença condenatória transitada em julgado torna-se título executivo no juízo cível, sendo desnecessário rediscutir a culpa do causador do dano (art. 63 do CPP). Após prévia liquidação para a apuração do quantum devido, pois a sentença penal condenatória transitada em julgado é um título executório incompleto, deve-se ingressar com a execução do valor apurado. No juízo cível somente poderá ser discutido o montante da reparação. Observe-se que, na hipótese de ter sido aplicada a nova pena substitutiva de prestação pecuniária (art. 43, I, de acordo com a redação determinada pela Lei n. 9.714, de 25-11-1998), o valor em dinheiro pago à vítima ou seus dependentes será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os benefícios (CP, art. 45, § 1º, com a nova redação) (CAPEZ, 2011, p. 534).

Consoante ao que já se afirmou, vigora no direito brasileiro, em relação à comunicação de instâncias, o sistema da independência, com certa mitigação, assim, a ação para a reparação dos danos se dá exclusivamente junto ao Juízo Civil; mas, tendo sido proposta uma ação na seara criminal, a sentença condenatória valerá como título executivo judicial, que dispensará a discussão acerca da culpa e materialidade dos danos, devendo-se, apenas promover a liquidação, a fim de se chegar ao valor da indenização, dentro dos parâmetros legais (GONÇALVES, 2013, p. 339).

Consoante ao que preceitua o art. 387, inc. IV, do CPP/1941, o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Essa disposição, inserido ao Código de Processo Penal vigente pela Lei n.º 11.719 de 2008, tem sido criticado por parte da doutrina, por não atender aos anseios efetivamente reformadores que se destinariam à melhoria da administração da Justiça, sobretudo, reduzindo, em muito, a enorme demanda que tanto sobrecarrega o Juízo Cível país afora. Quanto a isso, faz-se mister observar as considerações de Nucci² (2012, p. 741 – 742), nestes termos:

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Ora, para o estabelecimento de um valor mínimo o juiz deverá proporcionar todos os meios de provas admissíveis, em benefício dos envolvidos, mormente o réu. [...] Se o acusado produziu toda a prova desejada neste campo, por que fixar apenas um valor mínimo? Seria o mesmo que dizer: “a Justiça Criminal fixa ‘X’, mas se não estiver contente pode demandar no âmbito civil, onde poderá conseguir o que realmente merece”. Essa situação nos soa absurda. Ou o ofendido vai diretamente ao juízo cível, como se dava anteriormente, ou consegue logo o que almeja – em definitivo – no contexto criminal. A situação do meio termo é típica de uma legislação vacilante e sem objetivo. Desafogar a Vara Cível também precisa ser meta do Legislador. Incentivar o ofendido a conseguir a justa reparação, igualmente. Porém, inexiste qualquer razão para a fixação de um valor mínimo. Dá-se com uma mão e retira-se com a outra. Aguardava-se autêntica inovação. Pleitear no contexto criminal, de uma vez por todas, a indenização civil era o objetivo. O meio-termo foi a solução adotada pelo legislador que quer mudar, mas não sabe exatamente como nem o porquê.

No que se refere, especificamente, aos retromencionados crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), observa-se alguns aspectos pertinentes à responsabilização civil dos ofendidos, tendo em vista que o art. 953 do Código Civil vigente determina que “a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”, destacando, o artigo retromencionado, em seu Parágrafo Único, que “se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, de conformidade das circunstâncias do caso”.

Começa o dispositivo dizendo que, no caso de injúria, difamação ou calúnia, há obrigação de reparar o dano. É do dano patrimonial que aí se cogita. Pode consistir, por exemplo, em perda de emprego em virtude de falsa imputação da prática de crimes infamantes, como furto, apropriação indébita, criando dificuldades para a obtenção de outra colocação laborativa. Como o prejuízo material é de difícil prova, manda o parágrafo único que, à sua falta, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, de conformidade com as circunstâncias do caso (GONÇALVES, 2013, p. 6).

Portanto, cometidos algum dos referidos crimes contra a honra do trabalhador, deverão ser aplicadas as sanções penais cabíveis, sem nenhum prejuízo à reparação civil e considerando as retromencionadas regras concernentes aos efeitos da sentença criminal no âmbito civil e trabalhista.

O curso do processo seguirá as referidas normas instrumentais, que concernem à comunicação das instâncias civil ou trabalhista (a depender do caso concreto, conforme se esclareceu) e penal, com o escopo precípuo de facilitar a indenização da vítima, consagrando os princípios da economia e celeridade processuais, evitando, também, conflitantes decisões do Poder Judiciário que poderiam constituir num fator de descrédito da Justiça.

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Sobre os autores
Washington Navarro de Souza Júnior

Graduando em Direito, pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, e pesquisador, atualmente, vinculado ao Programa Institucional de Iniciação Científica (PROINIC), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Ionete de Magalhães Souza

Graduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Pós-Graduada stricto sensu - Mestrado em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2001) e Doutorado em Direito - Universidad del Museo Social Argentino (2013). Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA JÚNIOR, Washington Navarro ; SOUZA, Ionete Magalhães. A responsabilidade civil e as implicações jurídico-penais referentes ao assédio moral nas relações trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4737, 20 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49552. Acesso em: 20 abr. 2024.

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