Vídeo tenta justificar o estupro da adolescente, no RJ.

Comentários culpabilizam a adolescente

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Desde que a adolescente, de 16 anos de idade, fora estuprada por mais de 30 homens, ela não teve mais sossego em sua vida. O artigo disserta sobre a noção de estupro.

Um vídeo tenta justificar o estupro da adolescente de 16 anos. [1] Moradora do RJ, ela fora estuprada por mais de trinta homens. O caso da adolescente tem causado movimentos sociais contra e a favor da adolescente. Para os grupos que a defendem, a adolescente é símbolo para as feministas, que cobram das autoridades públicas proteção às mulheres e educação contra o machismo. Já o grupo antifeminismo diz que a adolescente é culpada pelo estupro, já que é usuária de droga, vai na favela, junta-se aos traficantes.

Breve resumo sobre a guerra dos sexos

A guerra dos sexos não é contemporânea no Brasil e em outros países. Se nos primórdios da humanidade as mulheres tinham poderes de condução familiar, de governabilidade, e até de mandar matar quem a enfrentasse, gradativamente o sexo feminino fora perdendo direitos, de opinar, de trabalhar, de estudar [ascensão educacional]. A partir da Segunda Guerra Mundial, que exigiu mulheres na fabricação de armamentos, a descoberta da pílula anticoncepcional, na década de 1960, das tecnologias que deram liberdades às domésticas, como micro-ondas, máquina de lavar pratos, os estudos sobre desejo sexual feminino, como os estudos de Alfred Kinsey, e o distanciamento do poder das religiões na condução dos Estados, no Ocidente, o sexo feminino foi reavendo poderes retirados por séculos.

As mudanças comportamentais do sexo feminino — liberdade sexual, de escolher o tipo de trabalho, de conduzir à educação das proles, de participar da economia familiar, enfim, ter os mesmos direitos do sexo masculino — não agradaram aos homens heterossexuais. Séculos de dominação masculina, as novas gerações, a partir da década de 1960, por exemplo, não conseguiram se adequar aos novos comportamentos feministas. A liberdade sexual das mulheres representou uma afronta ao sistema de casta imposta pelos homens. As gerações masculinas, por exemplo, no Brasil, de 1960 até a década de 1970, viam as liberdades femininas como retrocesso para a civilidade. Mesmo que a liberdade sexual das mulheres tenha sido desencadeada a partir da década de 1960, até o final da década de 1970, mulheres e homens tinham a ideologia do “chefão” — Deus no céu, e o homem [sexo masculino], na Terra, mandando e desmandando. Necessário explicar a redundância “homem [sexo masculino]”: pela perda de poderes do sexo feminino, o mundo girava ao redor dos homens. Tanto é que livros sobre ciência e tecnologia sempre usavam a palavra “homem” como o centro das descobertas — não aceitavam as condutas das feministas.

A liberdade sexual foi um enorme abalo para a civilização humana machista. Porém, não menos importante, outros comportamentos considerados liberais [libertinos] incomodarão homens e mulheres que seguiam a cartilha da ideologia “chefão”. A minissaia, o acesso da mulher às Universidades, ao pleno emprego, a barriga descoberta quando grávida. Tudo incomodou aos que seguiam à cartilha. Por sua vez, surgiram movimentos sociais antifeminismo formados por homens e mulheres que achavam que as feministas estavam passando dos limites.

O estupro

O que é estupro? É preciso conceituá-lo. Por séculos, o ato sexual forçado praticado pelo marido era considerado como requisito do próprio matrimônio. Ou seja, o marido, quando queria saciar o desejo sexual, não poderia ter ação negativa por parte de sua esposa, porque o marido estava no exercício regular de direito. A norma jurídica mudou quanto ao exercício regular de direito. Pela norma do art. 213 do CP, o ato libidinoso, quando praticado pela coação, isto é, sem que a outra pessoa tenha o direito de se recusar ao ato, é crime.

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)”

O sujeito ativo na coação pode ser tanto o homem quanto a mulher. Se o homem, em qualquer fase da relação sexual, ou mesmo antes de iniciar, não quiser, a mulher tem que respeitá-lo, e a mulher deve parar de investir sexualmente. O mesmo vale para o homem que quer iniciar ou continuar a praticar ato libidinoso com a mulher. Ela tem o direito de pedir a cessação do ato. Ambos são detentores de direito, o direito à preservação de seus templos corporais. Isso vale até para os profissionais do sexo [prostituição]. Se o cliente quiser forçar o profissional, o crime é consumado. Alguns inquirirão:

“Profissionais do sexo possuem templos corporais”?

Se nos basearmos nas religiões de cunho altamente dogmático, não. Pois a prostituição já é pecado, e a pessoa deve ser apedrejada. Se analisarmos pelo ângulo dos direitos humanos de Jesus Cristo, o corpo é um templo, e deve ser sempre respeitado e preservado de qualquer ataque. Pois, “Quem não tem pecado, que lance a primeira pedra!”. É a máxima filosofia de respeito à vida de qualquer ser humano, não importando a sua condição física, religiosa, ou sua conduta.

No caso da adolescente, ela estava sob efeito de droga. Para as normas penais [arts. 215 e 217-A], não importa se as drogas são ilícitas lícitas.

“Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)”
“Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2º (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 4º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)”

A vítima de estupro — homem ou mulher, heterossexuais ou LGBTs, profissionais do sexo —, é aquela que tem seu templo corporal violado por ato que não seja de sua plena consciência e anuência — uma pessoa, por exemplo, embriagada, que balança a própria cabeça para “anuir” a conjugação carnal ou ato libidinoso, não possui plena consciência do que faz. Porém, cada caso deverá ser analisado quanto à vulnerabilidade da vítima. Há prática costumeira de se oferecer bebidas alcoólicas para as mulheres, para elas “perderem a linha” — perderem o controle fático sobre suas condutas. Todavia, diante dos apelativos e indutores comerciais de cervejas, cada vez mais jovens e adultos consomem litros e mais litros de álcool como forma de “descontração”, “status social”, “liberdade” etc. Se os comerciais não influenciassem comportamentos humanos, não existiria, por exemplo, o CONAR.

Estupro e política

Já encontrei em outros sites afirmando que o estupro da adolescente é mera invencionice, porque ela já tinha relações sexuais com os traficantes. Em outros sites há sensacionalismo midiático e até oportunismo da esquerda [partidos políticos]. Encontrei o site Senso Incomum [2], o que me deixou pensativo, demasiadamente, com a analogia entre estupro e política:

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“É importante dizer o seguinte: Nenhum dos sedizentes (sic) humanistas de esquerda está lá muito interessado na segurança ou na integridade das moças que são obrigadas a viver em áreas dominadas por marginais e criminosos. Essa gente, esses tais pensadores, lá no fundo de suas almas, veem um caso desses como a oportunidade de ouro para vender sua ideologia. Além de ser estuprada pelos bandidos do morro, a moça, sem jamais saber, vira objeto do abuso narrativo dos pervertidos intelectuais, e que são muito mas (sic) do que apenas 33”.
(...)
Por fim, a cultura do estupro não passa de um mito perverso, feito para tornar todo e qualquer homem de família em um bandido em potencial. É uma teoria que não se sustenta a um exame minimamente sério, e que se submetida à própria descrição que a sustenta só leva a um responsável: a esquerda em si”.

Houve a justificativa de que o estupro da adolescente foi demasiadamente sensacionalista e politicagem.

Conclusão

Mesmo que a adolescente já tivesse, anteriormente, relações com os traficantes, ou qualquer outra pessoa, ou caso ela se encontrasse sob efeitos de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, qualquer conjugação carnal [penetração total ou parcial na vagina, e até a tentativa], ou ato libidinoso [coito anal, felação, cunilíngua, manipulação ou toques na genitália, no seio, no glúteo etc.], sem a plena consciência e anuência da adolescente, o ato de estupro é caracterizado. Admitindo que ela, sem uso de drogas, em perfeita consciência de seu ato, iniciasse cópula vaginal ou anal com três homens, sejam traficantes ou não, e, após algum tempo, chegassem mais homens, ela teria o direito de recusar os demais homens, de pedir que estes saíssem da localidade. Nenhum destes poderiam forçá-la, ou até mesmo simular situação de que ela estaria tendo relação com os três homens iniciais, como, por exemplo, desligar a luz para “brincar” de adivinhação: quem está praticando conjugação carnal ou ato libidinoso.

Agora, se um homem fosse coagido à conjugação carnal ou ao ato libidinoso, poder-se-ia configurar crime? Compreender o que é estupro, na contemporaneidade normativa penal [Titulo VI, Capítulo I, do DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940] é compreender a dignidade humana e sua proteção no ordenamento jurídico. Deixo aos leitores discernirem sobre o caso da adolescente de 16 anos. Há sensacionalismo, oportunismo político e feminista? Há verdades nos antifeministas e antipoliticagem [antiesquerda política]? A jovem é culpada por “procurar” o estupro coletivo? Os homens que transaram com ela, apenas exerceram seus “direitos” diante de uma oportunidade concedida pela adolescente?

É preciso discutir, explicar, no Brasil, o que é ou não estupro. E as autoridades públicas, os jornalistas e operadores de Direito têm o dever de informar. A liberdade de expressão não é único pressuposto para falarmos o que queremos, defendermos ideologias, mas também de explicarmos pelo crivo do Estado Democrático de Direito. Só assim os objetivos da Carta Política serão alcançados.

Referências:

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini Código Penal Anotado - 5ª Ed. Saraiva 2012.

BlastingNews. Com 11, vítima de estupro coletivo ficou com traficante, usou armas e bateu nos pais. Disponível em: http://br.blastingnews.com/brasil/2016/06/com-11-vitima-de-estupro-coletivo-ficou-com-traficante-uso...

[1] — Youtube. ÁUDIO SUPOSTA "VÍTIMA" DE ESTUPRO RJ - 28/05/2016 #COMPARTILHEM! Disponível em: http://www.youtube.com/embed/GaL5bp5Xw00

[2] — Senso Incomum. A cultura do estupro é um abuso dos pervertidos intelectuais. Disponível em: http://sensoincomum.org/2016/05/31/cultura-do-estupro-abuso-dos-intelectuais-pervertidos/

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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