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A nova Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) e suas implicações no Direito Societário

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26/07/2016 às 10:13
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A nova Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) prevê a vinculação de todos os sócios à convenção de arbitragem inserida no estatuto social, assegurando ao acionista dissidente o direito de recesso.

1. Introdução

A arbitragem, definida por José Rogério Cruz e Tucci[1] como sendo “uma técnica de heterocomposição de controvérsias mediante a intervenção de um ou mais árbitros, escolhidos pelas partes, a partir de uma convenção de natureza privada” é considerada, pela doutrina, um meio adequado para a solução de conflitos.

Não obstante a opinião de alguns de que a arbitragem violaria o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, é pacífico o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que as partes, ao escolherem dirimir os seus conflitos por meio do juízo arbitral, estão renunciando o acesso à via judicial, mas não à jurisdição[2].

Recentemente, a Lei nº 13.129/2015 alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) em vários pontos, sendo a questão da arbitragem no direito societário, um deles. Ademais, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), prestigiou, sobretudo no artigo 3º, a instituição da arbitragem como método de solução de conflitos.

O presente artigo visa analisar as implicações que a alteração introduzida pela nova Lei da Arbitragem acarretou no Direito Societário.


2.  A nova lei de arbitragem nas Sociedades Anônimas

A opção por essa via de solução de controvérsias tem sido cada vez mais utilizada no meio empresarial, visando a obtenção de soluções mais ágeis, técnicas e sigilosas, visto que a demora na solução dos conflitos surgidos no seio da empresa, bem como a publicidade destes podem acarretar a sua instabilidade perante o mercado, colocando em risco o sucesso do empreendimento[3].

Dentre os vários tipos de conflitos instaurados dentro das empresas passíveis de serem dirimidos pela arbitragem, as questões societárias têm ensejado alguns questionamentos que a nova Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) procurou dirimir.

Um dos questionamentos diz respeito ao conflito estabelecido entre a vontade da maioria social e o direito de cada acionista escolher a forma como solucionar os seus problemas, quer seja com a sociedade, quer seja com os demais acionistas. Isso porque o § 2º, do artigo 109, da Lei das S.A, dispõe que “os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembleia geral”.

Em contrapartida, o § 3º do referido artigo, acrescentado pela Lei nº 10.303/2001, dispõe que “ o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”.

Insta consignar que ambos os parágrafos não estão em desacordo, posto que a arbitragem, a despeito de ser um meio adequado (alternativo) de solução de conflitos, não se caracteriza por ser um meio amigável de solução de disputas, mas sim, constitui um meio jurisdicional de solução de conflitos. Desse modo, o § 3º, do artigo 109, da Lei das S.A., ao estabelecer a arbitragem como meio de solucionar as divergências da sociedade, não retira do sócio dissidente ou ausente, o direito ao acesso à jurisdição[4].

Pedro A. Batista Martins[5] sustenta ser necessário que “esses instrumentos de composição de controvérsias sejam encarados pelas autoridades e pelos operadores da justiça com mentes abertas e como verdadeiros auxiliares na inesgotável tarefa de realização da justiça.  Trata-se de equivalentes jurisdicionais capazes de multiplicar a ajuda e a cooperação do particular com o Estado no campo da administração da justiça”.

 Com posicionamento diverso, José Edwaldo Tavares Borba[6] entende que o §3º, do artigo 109, da Lei das S.A. afronta o equilíbrio contratual, uma vez que confere ao controlador, que tem o poder de alterar o estatuto, a prerrogativa de instituir a arbitragem como meio de solucionar as controvérsias entre ele e os minoritários ou a companhia, submetendo os acionistas dissidentes a um procedimento arbitral compulsório.

 Em artigo publicado por Pachikoski e Salla[7], os autores ressaltam que as disputas possíveis de serem submetidas à arbitragem devem ser as relacionadas ao pacto social; assim, as disputas que não estejam relacionadas às atividades da empresa ou que não decorram da interpretação do contrato social onde está inserida a cláusula compromissória não se sujeitarão à jurisdição arbitral.

 A possibilidade da instituição da arbitragem no estatuto social trouxe uma outra reflexão, qual seja, se os novos sócios também se submeteriam ao procedimento arbitral. Alguns doutrinadores entendem que a vinculação do novo sócio à cláusula compromissória preexistente equivaleria à celebração de um contrato de adesão, ensejando, nesse caso, a aplicação do artigo 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem que estabelece:

“Artigo 4º, § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

Tal entendimento, contudo, não se sustenta, visto que o novo sócio não se encontra em situação de hipossuficiência em relação aos sócios antigos, ingressando na sociedade como um investidor ciente das especificidades da empresa. Ademais, não há na relação societária, desigualdade de forças e nem interesses contrários entre as partes, características inerentes aos contratos de adesão[8].

Segundo Guerra[9], a compra de ações e a consequente participação do novo sócio na sociedade exige deste o conhecimento das relações a que a sociedade e os acionistas estão submetidos, não podendo ser equiparada ao contrato de adesão, nem ser disciplinada pelas regras próprias das relações de consumo.

Nesse mesmo sentido, o entendimento de Valério[10] que afirma não poder o novo sócio escolher os direitos e obrigações a que estará sujeito, sob pena de inviabilizar a condução das relações internas da sociedade. Para o referido autor, pelo fato do investidor não estar obrigado a ingressar na sociedade, presume-se que ele, ao fazê-lo, manifestou voluntariamente a sua vontade, por meio da avaliação e da aceitação das disposições estatutárias da empresa.

Ressalta-se, a seguir, o entendimento da jurisprudência que, mesmo antes da alteração introduzida pela nova Lei de Arbitragem, já reconhecia a vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória inserida no estatuto da sociedade.

 “Recurso Especial. Processual Civil. Societário. Ação de Execução Específica de Cláusula Arbitral (Lei 9.307/96). Acordo de Acionistas. Previsão de Solução Alternativa de Conflitos: Resolução por Mediação ou Arbitragem. Compatibilidade. Cláusula Compromissória (vazia) Existência. Força Vinculante. Validade. Recurso Parcialmente Conhecido e Desprovido. 1. O convívio harmônico dos juízos arbitrais com os órgãos do Judiciário constitui ponto fundamental ao prestígio da arbitragem. Na escala de apoio do Judiciário à arbitragem, ressai como aspecto essencial o da execução específica da cláusula compromissória, sem a qual a convenção de arbitragem quedaria inócua. (...) 5. Apenas questões sobre direitos disponíveis são passíveis de submissão à arbitragem. Então, só se submetem à arbitragem as matérias sobre as quais as partes possam livremente transacionar. Se podem transacionar, sempre poderão resolver seus conflitos por mediação ou por arbitragem, métodos de solução compatíveis. 6. A ausência de maiores detalhes na previsão da mediação ou da arbitragem não invalida a deliberação originária dos contratantes, apenas traduz, em relação à segunda, cláusula arbitral "vazia", modalidade regular prevista no art. 7º da Lei 9.307/96. 7. Recurso especial conhecido em parte e desprovido”. (REsp 1331100; Relatora: Min. Maria Isabel Gallotti; T4; DJe: 22/02/2016)

“Convenção de arbitragem. Sociedade anônima. Demanda declaratória de nulidade de deliberações tomadas em assembleia geral extraordinária. Extinção da demanda sem julgamento de mérito. Decisão mantida, por fundamento diverso do empregado. Cláusula compromissória existente no acordo de acionistas da companhia. Validade reconhecida. Extinção da demanda, com fundamento no inciso VII do art. 267 do C.P.C. Precedentes da Corte. Recurso desprovido, alterado o dispositivo da sentença”. (AP nº 1042408-29.2013.8.26.0100; Relator: Campos Mello; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data de julgamento: 29/02/2016)

“Extinção sem julgamento do mérito, nos termos do inc. VII, do art. 267 do CPC - Razoabilidade - Fundamento da ação todo voltado para supostas violações ao Acordo de Acionistas, por meio do qual se instituiu cláusula compromissória arbitrai - Obrigatoriedade de sua observação - Inteligência da Lei n° 9.307/96 - Sentença mantida - Recurso improvido”. (AP nº 0009234-90.2011.8.26.0011; Relatora: Lígia Araújo Bisogni; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data de Julgamento: 16/10/2012).

Para dirimir tantos questionamentos acerca da arbitralidade subjetiva, ou seja, a possibilidade de vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória inserida no estatuto social pela vontade da maioria[11], o legislador optou por alterar a Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) e inserir à Lei das S.A., o artigo 136-A que dispõe:

“Artigo 136-A   A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quórum do artigo 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do artigo 45”.

Por esse dispositivo legal, tem-se que a inclusão da cláusula arbitral no estatuto social da companhia, mediante a aprovação de 50% + 1 dos acionistas, vinculará também os acionistas discordantes, os quais poderão exercer o direito de recesso no prazo de 30 (trinta) dias.

Faz-se importante ressaltar que um dos princípios do Direito Societário é o princípio majoritário que, de acordo com Pedro Batista Martins[12],  possibilita à empresa adequar as suas regras e funcionamento às necessidades e às mudanças que ocorrem no mercado; assim, um determinado número de participação societária (quórum) deterá o direito de ajustar os rumos da companhia, transformando-se na voz da sociedade.

Para o referido autor, a controvérsia sobre o alcance da cláusula arbitral inserida no estatuto social da empresa deve ser enfrentada considerando-se o princípio majoritário aludido, visto que a maioria deve refletir a vontade da coletividade, estando, desse modo, autorizada a estabelecer as regras sociais.

A despeito da referida alteração legislativa ter respondido a muitas dúvidas até então existentes, José Romeu Garcia do Amaral[13] entende que a eficácia da cláusula compromissória deva ser relativizada em determinadas situações, a fim de se evitar que acionistas controladores pretendam incluí-la com o propósito de desestimular o ativismo judicial daqueles que lhe são contrários.

Para Fábio da Rocha Gentile[14], a cláusula arbitral aprovada em assembleia geral não deve ser considerada absoluta, uma vez que o artigo 115, caput, da Lei das S.A considera abusiva a alteração estatutária que contrarie os interesses da sociedade ou dos outros acionistas, podendo esta vir a ser anulável, nos termos do § 4º do referido artigo, quando utilizada para o exercício abusivo do poder controlador.

Nesse mesmo artigo, o autor ressalta que:

“Quando criado por casuísmo, para inviabilizar ações de responsabilidade, onerar medidas jurídicas com custos desproporcionais e retaliar acionistas minoritários que se oponham ao poder controlador, o compromisso arbitral subverte-se: deixa de ser eficaz, acessível e equânime, e se torna um subterfúgio, não um sucedâneo ao Poder Judiciário.  Nesse contexto, o direito de retirada, que a nova lei confere ao acionista contrário à cláusula de arbitragem, não pode servir para convalidar o abuso do poder de controle. O pagamento de haveres, pelo exercício do recesso, é uma contrapartida à legítima instituição da arbitragem, e não uma moeda de troca para calar acionistas que se opõem a práticas abusivas”.

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Quanto ao direito de retirada do acionista dissidente, também previsto no caput do artigo 136-A da Lei das S.A, pode-se dizer que o mesmo não é absoluto, tendo em vista os limites estabelecidos no § 2º, incisos I e II, in verbis:

“Art. 136-A, § 2º  O direito de retirada previsto acima não será aplicável: I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe;

 II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso II do art. 137 desta Lei”.

O inciso I do § 2º do artigo 136-A diz respeito aos novos segmentos de negociação criados pela BM&F BOVESPA, cuja participação das empresas é voluntária. Todavia, ao assinarem o contrato de adesão com a Bolsa, as empresas se submetem a normas de governança corporativa, tais como: maior compromisso com os acionistas minoritários, capital social composto apenas por ações ordinárias, circulação de uma parcela mínima de ações representando 25% do capital, e adesão à Câmara de Arbitragem para a resolução de conflitos societários, dentre outras obrigações[15].

Outra hipótese de não aplicação do direito de retirada do sócio dissidente é quando a inclusão da convenção é realizada no estatuto social de companhia aberta, cujas ações são dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos do artigo 136-A, § 2º, inciso II, da Lei das S.A.

Denota-se, portanto, que a nova Lei de Arbitragem, ao inserir o artigo 136-A na Lei das S.A, dissipou a controvérsia acerca da vinculação dos acionistas quando da inclusão da convenção arbitral no estatuto social, obrigando a todos, desde que observado o quórum previsto no artigo 136 da referida lei.


3.  Considerações Finais

Não resta dúvida, pelo exposto, que a arbitragem é um meio adequado de solução de conflitos cada vez mais prestigiado nos dias de hoje, sobretudo pelas empresas que buscam rapidez e sigilo na solução dos seus conflitos societários.

Até a entrada em vigor da nova Lei da Arbitragem, havia uma certa controvérsia doutrinária acerca da vinculação do acionista dissidente ou ausente à cláusula arbitral inserida no estatuto social da empresa, tendo sido essa questão solucionada pela nova Lei, que introduziu o artigo 136-A na Lei das S.A.

Tal dispositivo legal estabelece a vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória, desde que observado o quórum qualificado previsto no artigo 136 da lei das S.A, conferindo ao acionista dissidente, o direito de recesso.

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Sobre a autora
Regina A. Zampini

Advogada no escritório Segalla Advocacia - Sociedade de Advogados, e pós-graduanda em Direito Contratual na PUC-COGEAE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAMPINI, Regina A.. A nova Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) e suas implicações no Direito Societário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4773, 26 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49808. Acesso em: 25 abr. 2024.

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