O CPC de 1973 falava em sentença de mérito proferida com base no artigo 269, I, do CPC e que se distingue da tutela antecipada do artigo 273 (Código de Processo Civil de 1973), que é uma decisão provisória (tutela de urgência), ao passo que o julgamento antecipado da lide é julgamento definitivo do mérito (lide).
Sabe-se que deverá haver julgamento de mérito toda vez que, ultrapassado o exame das questões formais, o processo estiver escorreito para receber decisão sobre o objeto da controvérsia submetida à cognição judicial.
Tal solução dependerá da natureza da matéria controvertida, podendo ocorrer em dois diferentes momentos, a saber: i) imediatamente após a estabilização do objeto do processo; ou ii) depois da fase instrutória.
A primeira dessas duas situações configura hipótese de “julgamento antecipado do mérito”, contemplada no artigo 355 do novo diploma processual, possível quando: “I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no artigo 344 e não houver requerimento de prova, na forma do artigo 349”.
Bem ensinou José Rogério Tucci (Novo Código de processo civil traz mudanças no julgamento antecipado, Consultor Jurídico) que a precipitação do julgamento do mérito deve ocorrer toda vez que o juiz se encontre devidamente instruído acerca dos fatos submetidos à sua apreciação, podendo aplicar o direito ao caso concreto, independentemente da produção de qualquer outra prova, além da documental já constante dos autos.
No Código de Processo Civil de 1973 havia as seguintes hipóteses:
a) desnecessidade de prova em audiência: a questão é unicamente de direito, não havendo necessidade de audiência;
b) quando ocorrer os efeitos da revelia (art. 319), uma vez que presumem-se verdadeiros os fatos afirmados na inicial, face a presunção ou veracidade (art. 334, IV do CPC).
O julgamento antecipado da lide é um atendimento ao princípio da economia processual. No ensinamento de Cândido Dinamarco (Direito processual civil, 1975, pág. 96 e 97), a ideia de uma decisão dada em um momento em que se situa no meio do arco normal do procedimento, e que varia conforme a situação de cada processo, em concreto, foi inspirada no direito alemão, onde existe, desde 1924, "a decisão segundo o estado dos autos".
A origem do julgamento antecipado da lide é decorrência do despacho saneador.
Informa-se que o despacho saneador teve origem remota no Decreto n.° 3, de Portugal, de 29 de maio de 1907, com a finalidade de apreciar as nulidades e as irregularidades que possam influir no exame ou na decisão da causa.
Pelo Decreto n.° 12.353, de 1926, ainda em Portugal, o art. 24 prescreveu que, findos os “articulados” (fase postulatória), o juiz apreciasse, além das nulidades, a legitimidade das partes e sua representação no intuito de dar celeridade processual.
Ainda, em Portugal, em 1928 e 1929, entendeu-se que, logo após a fase postulatória, desde que presentes os elementos que proporcionassem decisão de mérito, esta poderia ser proferida no momento do saneador.
É o despacho saneador a decisão proferida logo após a fase postulatória, na qual o juiz, examinando a legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação do processo ou da ação, dispondo sobre a correção de vícios sanáveis, examinando, de ofício, as condições da ação e os pressupostos processuais (Despacho Saneador, Galeno Lacerda, Sérgio Antônio Fabris Editor, pg. 7).
No despacho saneador, o juiz poderá:
a) pôr termo ao processo ou à ação;
b) ordenar diligências para suprir nulidades ou irregularidades;
c) declarar o processo isento de vícios (o processo está apto para instrução) e a sentença de mérito (juízo de valor sobre o pedido), pois mérito é direito substancial (conceito de sentença definitiva, Rev. Forense, vol. 111, p. 328).
Ocorrerá a antecipação temporal da tutela jurisdicional, por meio de ato decisório de mérito, toda vez que um dos pedidos deduzidos pelo autor, ou, ao menos, parte de um pedido, revelar-se incontroverso (inciso I); ou estiver em condições de receber imediato julgamento, porque suficiente a prova produzida nos autos (inciso II).
Nesses casos o recurso cabível será agravo de instrumento, à luz do artigo 356, § 5º, do novo CPC.
Ainda o novo CPC prevê a possibilidade de o autor liquidar ou executar desde logo a condenação “reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto” (parágrafo 2° do artigo 356).
Ausente o quantum debeatur, porque ilíquido o ato decisório, o demandante tem a faculdade de providenciar, consoante o artigo 509, a liquidação do montante da condenação.
Se a decisão que julgou parte do mérito transitar em julgado (artigo 356, § 3º do novo CPC) o cumprimento da sentença será definitivo.
Permanece a lição de Ada Pellegrini Grinover (O julgamento antecipado da lide: enfoque constitucional, in Revista de Processo, n. 5, ano II, 1977, pág. 112):
a) o julgamento antecipado da lide indica a apreciação do meritum causae e a solução da lide, através de sentença definitiva, em julgamento antecipado, sem instrução;
b) não podem ser ultrapassados os limites de seu cabimento, indicados na lei processual;
c) questão exclusivamente de direito é a que se configura quando os fatos são incontroversos; questão de direito e de fato, mas sem necessidade de produção de prova em audiência, é aquela em que os fatos controvertidos são impertinentes ou irrelevantes;
d) haverá necessidade de instrução, não podendo aplicar-se o julgamento antecipado da lide sempre que a questão de mérito se basear em fatos controvertidos, pertinentes e relevantes;
e) a questão de mérito – de direito e de fato – não poderá dispensar a prova em audiência, quando os fatos controvertidos forem pertinentes (dizendo respeito à causa) e relevantes (de sua existência ou inexistência podendo resultar consequências que influam sobre o convencimento do juiz);
f) a consequência do uso indevido do instituto será a nulidade insanável da sentença que julgou de forma antecipada a lide.
HIPÓTESES DE NULIDADE:
a) nulidades absolutas: infração de norma imperativa que visa o interesse público (pressupostos processuais positivos de existência e de validade, pressupostos processuais negativos, condições de ação, condição de procedibilidade);
b) nulidades relativas, infração de norma imperativa, protetora do interesse da parte;
c) anulabilidade, infração de norma dispositiva em relação à parte.
Consequência da incorreta aplicação do art. 330 do CPC: nulidade absoluta a ser declarada em Recurso Especial (RTJ 113/416, 123/666, ou em rescisória (TRF-1.ª Região, AC n.° 1040-SP, j. 1.4.87).
JURISPRUDÊNCIA DO ART. 330 DO CPC/73:
“Evidenciando-se a necessidade de produção de provas, pelas quais, aliás, protestou o autor, ainda que genericamente, constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, fundado na falta de prova do alegado na inicial” (STJ-3.ª turma, REsp n.° 7.267-RJ, j. 20.3.91, rel. Min. Eduardo Ribeiro).
“Inexiste cerceamento de defesa se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação da audiência” (STJ-3.ª turma, REsp n.° 1.344-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 4.12.89).
“Investigação de paternidade, não pode ser julgada antecipadamente. Neste caso, há cerceamento de prova” (STF, RT 599/246).
“A ação de usucapião admite o julgamento antecipado se não há necessidade de produção de prova em audiência” (RT 558/1960 (STJ, REsp 5.469, rel. Min. Sálvio de F. Teixeira, v.u., j. 20.10.92, Bol AASP 1785/100).
Sempre ocorrerá nulidade se, embora proferido julgamento antecipado, a sentença de improcedência do pedido estiver paradoxalmente fundamentada na ausência de prova do fato constitutivo deduzido pelo autor (cf., v. g., TJ-SP, 4ª Câmara de Direito Privado, apelação 0002562-07.2007.8.26.0270, relator-desembargador Ênio Santarelli Zuliani, v. u.).
Ademais, tratando-se de revelia, presumidos verdadeiros os fatos deduzidos na petição inicial, (artigo 344) e não sendo requerida a produção de prova, se porventura o réu ingressar no processo a tempo de se manifestar (artigo 349), deverá igualmente ser proferido julgamento antecipado do mérito.