1 INTRODUÇÃO
O presente artigo jurídico tem como finalidade examinar a atuação feminina na política e buscará responder ao seguinte questionamento: quais as medidas a serem adotadas para melhorar o atual quadro da participação da mulher no cenário político brasileiro?
Em busca da hipótese ao referido questionamento, calcada na doutrina, legislação, documentos oficiais e dados estatísticos obtidos pelo sítio do Tribunal Superior Eleitoral, com apoio de artigos jurídicos dispostos em web sites e revistas especializadas, a pesquisa foi dividida em três partes: a primeira apresenta um panorama histórico-evolutivo da conquista dos direitos políticos pelas mulheres: do direito ao voto à elegibilidade; a segunda dispõe sobre a atual participação feminina na política; a terceira apresenta melhorias para o cenário político, no que concerne à representatividade feminina no parlamento.
A metodologia aplicada se direcionou ao método dedutivo, que possibilitou à autora apresentar a hipótese ao problema suscitado e o seu posicionamento sobre todo o exposto, que se dará em sede de considerações finais.
2 A CONQUISTA DOS DIREITOS POLÍTICOS PELAS MULHERES
A participação feminina nas eleições é, de certo modo, recente na história brasileira. O Código Eleitoral de 1932, instituído pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro daquele ano, foi o primeiro diploma legal a conferir à mulher a possibilidade de participar na escolha dos governantes brasileiros. O art. 2º do referido diploma estatui: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.”[1]
Veja-se que ao utilizar a expressão “sem distinção de sexo” o legislador ampliou o eleitorado brasileiro. A partir de então, homens e mulheres maiores de 21 anos, e obedecendo aos critérios de alistamento constante no Código Eleitoral, escolheriam os seus representantes junto ao governo.
Apesar da importante conquista para as mulheres, o voto não era obrigatório, como acontecia aos homens com idade igual ou inferior a 60 anos. É o que sem tem exposto no art. 121 do Decreto nº 21.076/1932: “Os homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral.”
Foi preciso muita luta para que a mulher tivesse voz ativa na tomada de decisões da nação, seja como eleitora, seja como candidata ao governo. A Constituição Imperial de 1824 não estendia os direitos políticos, neles abarcados o direito ao voto, à mulher. Igualmente, a Carta de 1891 não recepcionou tal direito, contudo também não o proibiu.
À época, o voto era ato exclusivo dos que possuíam determinada renda e, ainda sim, fizessem parte das assembleias paroquiais. Estes eram os eleitores de 1º grau que, por sua vez, votavam nos eleitores de 2º grau. Estes últimos eram os responsáveis por escolher os Deputados.[2]
Em síntese ao exposto, discorre José Sousa:
A Carta Constitucional de 1824 não proibiu o voto feminino, assim como asseverado anteriormente não proibiu o voto dos analfabetos, explicitamente os requisitos eram os de renda, ofício e idade. A segunda Constituição brasileira de 1891 não o fez, mas também não o assegurou explicitamente. Só com o advento do Código Eleitoral de 1932, desta feita sem reservas. Essa situação de exclusão não era atribuída apenas ao Brasil, note-se que o mundo negava às mulheres o direito de votar e serem votadas. Às mulheres, foi negado o maior e mais legítimo instrumento de democracia ao longo da história da humanidade, situação que só veio mudar na virada do século XIX para XX.[3]
Importante destacar que já havia movimentos pela luta da cidadania política das mulheres e seu consequente direito ao voto. Em uma sessão realizada para discutir uma Emenda ao Projeto da Constituição, em 27 de janeiro de 1891, arguiu o deputado Pedro Américo: “a maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialética exibida em prol da mulher-votante, não quis a responsabilidade de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano.”[4]
Em 1919, o Senador Paraense Justo Chermont apresentou o Projeto de Lei nº 102. Nele, a mulher maior de 21 anos participaria do processo de alistamento e de eleição. O projeto passou por todos os trâmites, todavia não foi convertido em lei.[5]
Antes mesmo da proclamação dos direitos políticos da mulher, dois importantes eventos femininos aconteceram. O primeiro, o alistamento eleitoral de Celina Guimarães Vianna, de Mossoró (RN), que aconteceu em 25 de novembro de 1927. O segundo, a escolha de Alzira Soriano de Souza como prefeita de Lajes (RN), em 1929.[6]
Conforme informações obtidas no sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
O Estado do Rio Grande do Norte, aproveitando-se da autonomia legislativa sobre matéria eleitoral conferida aos entes estaduais pelo sistema federativo de então, tornou-se pioneiro ao assegurar, pelo respectivo ordenamento jurídico, em 1926, o direito de votar e ser votado a todos os cidadãos “sem distinção de sexos”.[7]
Os direitos políticos conferidos à mulher no Código Eleitoral de 1932 foram recepcionados pela Constituição de 1934, onde o voto feminino passou a ser ato obrigatório, todavia somente para as mulheres que possuíam função pública remunerada. Antes disso, em 3 de maio de 1933, foi eleita a primeira Deputada Federal do país, representante do Estado de São Paulo, Carlota Pereira de Queiroz.[8]
Seguem palavras proferidas por Carlota Pereira Queiroz em um de seus discursos:
Além de representante feminina, única nesta Assembléa, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu paiz e identificada para sempre com os seus problemas [...]. Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que a mulher também fosse chamada a collaborar.[9]
Entre os anos de 1937 e 1945, os direitos políticos das mulheres não puderam ser exercidos, em razão da ditadura imposta pelo governo Getúlio Vargas. Superada a fase, em 1946 uma nova Constituição foi estabelecida e previa o direito feminino do voto, trazendo como inovação a extensão desse direito a todas as mulheres, independentemente de sua classe social.[10]
O Código Eleitoral de 1965 pôs termo às disposições ordinárias que imputavam o direito ao voto feminino somente às mulheres exercentes de função remunerada. Tais regramentos eram incompatíveis com a nova ordem Constitucional, que delegou o voto obrigatório às mulheres de um modo geral.[11]
Os anos de 1990 e 1994 foram marcados por fatos inéditos na história política brasileira, duas mulheres elegeram-se senadoras do país: Marluce Pinto, do PTB de Roraima, e Júnia Marise, do PDT de Minas Gerais, ambas em 1990. Roseana Sarney, em 1994, foi a primeira mulher a governar um Estado brasileiro, o do Maranhão.[12]
Em 1997, um importante avanço aconteceu nos direitos políticos das mulheres. A Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) estabeleceu cota mínima de 30% e máxima de 70% para candidatos homens e mulheres, após as eleições de 1998. Desde então, no mínimo 1/3 dos elegíveis em cada pleito são mulheres.
Em 2009, a Lei nº 12.034/09 inovou ao criar um fundo partidário especial, a fim de aumentar a participação das mulheres na vida pública e, em 2010, foi eleita a primeira Presidenta do país: Dilma Rousseff, compondo o rol mundial das 20 mulheres à frente do governo de um país. Em 2014, foi reeleita.[13]
Interessante mencionar, que antes de 1998 a maioria dos eleitores brasileiros eram homens. A participação feminina nas urnas só veio a superar a masculina a partir do pleito eleitoral de 2002. Desde então, o número de mulheres votantes é sempre superior ao de homens. Na última eleição geral, em 2014, o eleitorado feminino superou o masculino em mais de 5 milhões, sendo 74.459.424 (52,13%) e 68.247.598 9 (47,79%), respectivamente.[14]
3 A ATUAL PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA POLÍTICA BRASILEIRA
Conforme exposto, o Código Eleitoral brasileiro reserva um terço das vagas a serem ocupadas pelos representantes do povo para candidatas mulheres. Esta cota obrigatória é uma ação afirmativa que busca reduzir as desigualdades existentes entre os gêneros na política.
Doravante a existência da referida cota legal, nada impede que os partidos ampliem esse quantitativo. Em países cujo sistema eleitoral é do tipo proporcional, a maior parte dos partidos reservam entre 30% e 50% de suas vagas para as mulheres, como na Alemanha e Reino Unido. Na Suécia, não existe cota legal obrigatória, restando aos partidos a faculdade de decidir pela reserva de vagas para a representação feminina em cada eleição. Ainda assim, 45% das vagas disponibilizadas aos partidos são direcionadas às mulheres. A Itália segue o mesmo caminho, com 31% das vagas para elas.[15]
Além do sistema de cotas obrigatórias para as mulheres, a legislação eleitoral em outras duas oportunidades incentiva a participação feminina na política. A Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Reforma Eleitoral), alterou o art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos), que dispõe sobre a reserva mínima de 5% do fundo partidário para a criação, manutenção e promoção de campanhas com vistas ao despertar do interesse da população feminina para a atuação na vida política do país.
Hoje, o partido deve criar uma secretaria capacitada para cuidar especialmente dos programas para as mulheres:
Art. 44. [...].
V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total;[16]
A Lei nº 13.165/2015, que, dentre outros, amplia o incentivo à participação da mulher na política brasileira, igualmente alterou o art. 45, IV, da Lei dos Partidos Políticos para, além de promover e divulgar a atuação das mulheres na vida decisória da nação, resguardar o tempo mínimo equivalente a 10% da programação a qual o partido tem à disposição.
O mesmo diploma, em seu art. 2º, acrescentou ao Código Eleitoral o art. 93-A, que delegou ao TSE a responsabilidade de promover junto aos meios de comunicação, em cada ano eleitoral, até cinco minutos diários, informes, dentre outros, que incentivem a participação feminina na política.
Mesmo com o apoio legal, ao perscrutar a cartilha elaborada pelo Senado Federal, em parceria com a Procuradoria Especial da Mulher, cujo título é: “Mais mulher na política. Mulher, tome partido!”, vê-se que um dos grandes problemas para o baixo número de mulheres na vida política é justamente o descumprimento da legislação eleitoral pelos partidos.
Afere-se que, em 2010, muitos partidos deixaram de cumprir a disposição legal sobre a reserva especial para os programas de incentivo à participação feminina na política. Em 2011, o quadro foi melhor, todavia ainda aquém do legalmente estabelecido. 2012 foi o ano em que houve maiores investimentos em programas de incentivo à participação feminina, mas é possível notar que, ainda assim, existiram instituições partidárias que não cumpriram seu compromisso legal.
A escassez de programas de apoio à participação feminina contribui para o não despertar das mulheres para o trabalho junto ao governo, em representação aos seus pares na sociedade. O estudo “Mais mulheres no poder – As mulheres nas eleições de 2014”, de autoria do governo federal, aponta o desinteresse da população feminina em atuar nas tomadas de decisões da nação. Existe a cultura sexista de que o plenário é coisa para homem, tanto que 87% das entrevistadas relataram que nunca pensaram em ocupar um cargo público; ao contrário dos homens que, em grande parte, haviam cogitado a possibilidade: 75%. Elas ainda disseram (41%) que a falta de incentivo partidário é um dos obstáculos enfrentados, quando o interesse feminino pela política surge.[17]
A má gerência do fundo partidário, onde, em muitos casos, a reserva não obedece aos ditames legais, impede, por vezes, que as mulheres tenham os recursos necessários para levar a campanha adiante e concorrer em situação de igualdade com os homens. Ademais, pelo sistema de listas abertas, onde o candidato mais votado angaria outras vagas para a legenda, o incentivo financeiro maior e o apoio à campanha são destinados àqueles que apresentam maiores possibilidades de ganho para o partido. A conduta prejudica sobremodo as mulheres, principalmente as que dão os primeiros passos na vida política.
Vanessa Grazziotin pondera:
Com esse tipo de política eleitoral que temos no Brasil, a mulher nunca vai alcançar o seu espaço. Primeiro, porque os partidos são comandados por homens, a mulher quase não tem espaço dentro dessas agremiações; e, segundo, porque o acesso ao financiamento é para eles, não chega a elas.[18]
Atribui-se a esta irresponsabilidade legal à ausência de penalidades na legislação eleitoral, o que é deveras prejudicial para a nação, em face de dificultar a equidade de gêneros no seio político do Estado.[19] Como consequência, sequer o mínimo previsto para as mulheres no Congresso Nacional tem sido preenchido. Os dados informam que, na eleição de 2014, 6.449 mulheres se candidataram a um cargo, o equivalente a 28,62%, de um total de 22.530 candidaturas. Do universo de cadeiras disputadas, 51 da Câmara Federal e 5 do Senado foram preenchidas por mulheres, tão somente.[20]
4 ALTENARTIVAS PARA INCENTIVAR À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA
Algumas soluções podem ser adotadas para ampliar a participação feminina na política brasileira. A primeira, acredita-se que a mais importante, é a criação de penalidades severas aos partidos políticos que não cumprem a determinação legal de incentivar as mulheres brasileiras à participação da vida política do país.
Nesse sentido, em março do corrente ano, o presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, foi enfático ao declarar que serão penalizados os partidos que não cumprirem a lei de reserva de cotas para as mulheres em sentido estrito e não apenas para preencher o quantitativo destinado a cada partido. A medida será adotada já para as eleições municipais de 2016:
A partir das eleições municipais deste ano, o TSE passará a considerar fraude lançar candidaturas femininas apenas formalmente, para preencher o quantitativo determinado pela Lei Eleitoral, e não dar suporte a essa participação das mulheres com direito de acesso ao horário eleitoral gratuito no rádio e televisão e ao Fundo Partidário.[21]
Destarte, não basta preencher o percentual mínimo de 30% de mulheres pelo partido. É preciso ir além. Oferecer o suporte necessário para que as mulheres tenham interesse em ingressar na vida política e concorrer com os mesmos recursos com os homens do partido.
Outro ponto que deveria ser alterado é a legislação eleitoral em si. Os partidos dariam muito mais suporte às candidaturas femininas se, ao invés de uma cota de mulheres registradas a cada pleito, fossem obrigatórias as reservas de parte das cadeiras do plenário para ocupação feminina. De toda a certeza, haveria uma preocupação muito maior em incentivar a atuação política da mulher e a conduzi-la durante as campanhas. Nesse sentido, encontra-se em tramitação a Proposta de Emenda à Constituição nº 98/2015 que assegura o percentual de até 16% das vagas no Poder Legislativo para as mulheres.
Renata Caleffi e Eneida Desiree Salgado sugerem propostas para a ampliação efetiva da frente feminina no parlamento brasileiro. Listam-se:[22]
1) substituição das cotas de candidatura por cotas de representação;
2) para eleições de senadores, a cada mudança de 2/3 do senado, necessariamente uma mulher deveria ser eleita. Os partidos, no caso, indicariam, pelo menos, uma mulher, que concorreria com outras mulheres;
3) alteração do sistema eleitoral para o de listas fechadas com antecipação dos nomes que preencherão as vagas angariadas, com alternância entre homens e mulheres, precisamente;
4) manutenção das listas abertas, todavia com a reserva de vagas após apuração do quociente partidário. Nesse caso, 40% do resultado seriam destinadas às mulheres; com exceção dos partidos pequenos.
Em complemento, o estudo “Mais mulher na política. Mulher, tome partido!” recomenda novos caminhos para mudar o quadro de exclusão das mulheres da política brasileira:[23]
1) listas fechadas com regras de alternância de gêneros;
2) financiamento público para as campanhas;
3) adoção de cotas voluntárias pelos partidos;
4) maiores esforços partidários e institucionais para a conscientização da importância da mulher na política.