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Lava Jato ou anistia para os corruptos? Governabilidade estável ou “um país melhor”?

06/08/2016 às 13:24
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Hoje não teria apoio qualquer iniciativa de uma “anistia geral” da corrupção, seja em nome da governabilidade, seja em prol da estabilidade. Todos queremos uma economia melhor, mas isso não pode ter como custo o fim da Lava Jato. Devemos lutar contra todos os projetos de lei nesse sentido.

A excelente notícia é que o povo brasileiro (as formigas da selva brasileira, atacadas pelas raposas e os leões) já está fazendo uma acertada escolha: entre a continuidade da Lava Jato contra todos os corruptos (as raposas) das elites governantes (políticos, empresários e bancos corruptos) e a paralisação dos seus trabalhos (como pretendem os envolvidos poderosos), 85% querem o seu prosseguimento (pesquisa Ipsos, junho-16, com 1.200 pessoas, em 72 cidades – ver Estadão). Isso é alentador. Traz esperanças.

Por quê? Porque a partir da Lava Jato podemos, também, ser exemplo de redução drástica da corrupção, ao lado de Hong Kong, Cingapura, Filipinas, Índia, Geórgia e Botsuana. Mas é muito importante que sua atuação seja suprapartidária, porque a corrupção é sistêmica; deve ir fundo, investigar e punir (conforme o Estado de Direito) todos os comprovadamente envolvidos nessa calamidade nacional.

Eu acompanho essa maioria de 85% e estou convicto de que, eliminando as raposas sugadoras da nossa selva, melhoraremos muito o clima para evitarmos o populismo fundamentalista radical no Brasil, que é o mais cancerígeno vírus que ameaça a integridade das nações, com suas mentiras sedutoras (homogeneidade do povo, fim do pluralismo e da intolerância etc.). Notem que esses demagogos (as matracas) são bons para discursar, para emocionar e enganar o povo, mas depois fogem das responsabilidades ou não entregam o que prometeram.

Vejam o que ocorreu na Inglaterra: na campanha do Brexit (afastamento dela da União Europeia), os líderes populistas fanáticos (Boris Johnson e Nigel Farage – líder do grupo radical UKIP), que conduziram o povo à vitória do “leave” (saída), frustraram a população: o primeiro não quis se candidatar a 1º ministro, enquanto o segundo abandonou o seu partido. Ou seja: não tinham planos para o “day after”.

Impõe-se esclarecer: se o povo votou pela saída da UE é porque está muito descontente com ela (e tem lá suas razões: a UE é autoritária, tecnocrata e faz o jogo das elites – dos “leões” – do mercado mundial). O problema: os demagogos neofascistas e xenófobos (as matracas da nossa selva) inventaram alguns “bodes expiatórios” (emigração, refugiados etc.) e fizeram a população irada acreditar que tudo seria simples e descomplicado.

Prestemos atenção no deplorável comportamento dos populistas xamânicos. A primeira-ministra assumiu (Thereza May) e disse que somente agora vai constituir uma equipe para planejar como se dará a saída da UE. Os charlatões caíram fora dessa responsabilidade.

Mesmo que a Lava Jato afete a economia (gerando instabilidade na governança), mesmo assim, há sinal verde para a Lava Jato (85%; em jan/16 esse número era de 79%); 48% não concordam que a operação estaria piorando a economia. Mesmo que esteja (fechou empresas, gerou desemprego etc.), esse é um desprazer que temos que (dolorosamente) enfrentar, porque o mal gerado pelas elites e oligarquias kleptocratas (raposas) que estão roubando o país diuturnamente é muito mais terrível, particularmente para os menos afortunados (com “k”, kleptocracia é neologismo).

Outra boa notícia: agora, 69% (mais de 2/3 da população) sabem algo ou bastante sobre as investigações da Lava Jata e as ações da Justiça (contra 58% de jan/16); 31% nada sabem sobre ela (que escândalo: mas isso prova a existência dos dois "Brasis" e o quanto que faz falta melhorar a educação no país). Tudo vai terminar em “pizza”? Para 35%, sim (espero que não estejam certos). As investigações podem transformar o Brasil “num país sério”? Para 72% isso seria possível (essa questão é complexa porque a Lava Jato sozinha tem efeito limitado na cultura da corrupção, que exige muitas outras medidas preventivas).

O balanço final que se pode fazer da pesquisa aqui comentada (que é um mero “flash”, não há dúvida, mas não deixa de ser “acoroçoadora”) é que o povo sinaliza seu rechaço contundente contra a corrupção e a cultura da kleptocracia no Brasil (roubalheira dos donos do poder). Isso é muito positivo. Queremos mudanças nas nossas tradições malignas, eliminando-se do jogo político e empresarial os tumores do atraso e do subdesenvolvimento.

Hoje não teria apoio da quase totalidade da população qualquer iniciativa de uma “anistia geral” da corrupção, seja em nome da governabilidade, seja em prol da estabilidade. Todos queremos uma economia melhor, mas isso não pode ter como custo o fim da Lava Jato. Devemos lutar contra todos os projetos de lei nesse sentido.

Logo que terminou a 2ª Guerra Mundial, a ideia era julgar e limpar a Alemanha dos nazistas. Os julgamentos de Nuremberg (1946) deram início ao processo. Mas eram 8 milhões de nazistas (1/7 da população). Tornou-se impossível fazer a “limpeza” que se pretendia (ver Rogério Furquim Werneck, O Globo). Deliberou-se a “amnésia coletiva” (esquecimento geral).

Isso é o que a kleptocracia está desejando: um esquecimento geral. Mas isso é um absurdo. O que se pretende na guerra da Lava Jato é a eliminação das elites e oligarquias (políticas, econômicas e financeiras) corruptas, que não chegam nem a 0,1% da população. Mais: são lideranças que podem ser desprezadas sem nenhum prejuízo para o país (ao contrário, sem elas o Brasil pode ser muito melhor, abrindo-se espaço para novos líderes).

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Logo que concluída a ditadura na Argentina, aprovaram-se leis de anistia generalizadas (no governo Alfonsín). Depois, o Congresso revogou essas leis, e hoje centenas de condenações já levaram os cabeças desse crime contra a humanidade para o cárcere (muitos estão em prisão perpétua). Os crimes militares no Brasil continuam sob o limbo de uma decisão internacional.

De qualquer modo, para os crimes de corrupção da kleptocracia nacional não há nenhum apoio sério da sociedade civil. Portanto, não à “amnésia coletiva”, não à anistia e sim para o prosseguimento da Lava Jato contra todos os envolvidos (suprapartidariamente). É preciso desmantelar o projeto kleptocrático dos poderosos que levou o Brasil para o lamaçal e o atoleiro em que se encontra. Se a Lava Jato for abafada (como foi a operação Mãos Limpas na Itália), a indignação e a descrença ganharão tonalidades inéditas.

É nessas horas que as matracas demagogas populistas radicais facilmente seduzem a população (as formigas) com seus discursos xamânicos. Esse é o pior cenário que se pode imaginar para o Brasil, nos próximos dois ou três anos. Temos que evitá-lo. Está em nossas mãos fazê-lo. A vida humana é muito curta para se viver de forma infeliz num país que somente é subdesenvolvido em virtude das suas irresponsáveis e corruptas lideranças.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Lava Jato ou anistia para os corruptos? Governabilidade estável ou “um país melhor”?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4784, 6 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50645. Acesso em: 22 dez. 2024.

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