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REsp 1.418.194/SP: entendimento do STJ sobre marco inicial do prazo prescricional para reembolso de valor aportado na construção de rede elétrica particular

30/08/2016 às 18:16
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A ação para recuperar a perda sofrida nasce para o prejudicado no momento em que o beneficiário absorve em seu patrimônio o bem a que não tinha direito.

Tivemos a oportunidade de publicar neste conceituado Portal Jurídico outros artigos versando sobre o dever de as concessionárias de energia elétrica incorporarem ao seu acervo patrimonial as redes elétricas particulares e, por conseguinte, indenizarem os proprietários de tais instalações*.

Tema intrigante e que divide opiniões diz respeito ao marco inicial do prazo prescricional para propositura da respectiva ação indenizatória.

Diante das recentes decisões do colendo Superior Tribunal de Justiça - com a edição, inclusive, de verbete sumular versando sobre a matéria -, surgiu a necessidade de publicação deste sucinto artigo jurídico, com o escopo de manter os interessados cientes do atual entendimento da Corte Superior.

Com efeito, acerca do prazo prescricional aplicável à espécie, o colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 547, que contém o seguinte enunciado, verbis:

Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de redes elétricas, o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de transição disciplinada em seu art. 2.028.

Portanto, existem duas hipóteses. Havendo a celebração de contrato entre as partes, o prazo prescricional é de cinco anos e, na ausência de contrato prevendo o reembolso, o prazo prescricional é de três anos, isso na vigência do Código Civil de 2002. Na vigência do Código Civil de 1916, o prazo prescricional é de vinte anos, observada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.

Interessa-nos, nesta oportunidade, a matéria alusiva aos casos nos quais não foram firmados contratos prevendo o ressarcimento do valor aportado para construção da rede elétrica, mesmo porque, havendo previsão de reembolso, o prazo prescricional passa a fluir a partir do vencimento do prazo previsto no instrumento contratual para fins de ressarcimento.

No que tange aos casos em que não existe contrato prevendo o reembolso, o tema se torna controvertido, pois alguns entendem que o prazo prescricional, nessa hipótese, passa a contar a partir do desembolso ou da construção da obra, ao passo que outra corrente defende que, nesses casos, o prazo prescricional passa a correr a partir da incorporação formal da rede elétrica ao acervo patrimonial da concessionária.

A nosso juízo, a razão jurídica milita em favor da segunda corrente. Isso porque somente se pode falar em enriquecimento sem causa quando o bem é transferido para a esfera patrimonial da concessionária sem a prévia e devida indenização prevista na legislação de regência.

Discorrendo especificamente sobre a regra prevista no artigo 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil de 2002, ensina Humberto Theodoro Júnior que “o enriquecimento, sem justa causa, é fonte da obrigação de restituir tudo o que o beneficiário lucrou à custa do empobrecimento de outrem (art. 884). A ação para recuperar a perda sofrida nasce para o prejudicado no momento em que o beneficiário absorve em seu patrimônio o bem a que não tinha direito. Ao mesmo tempo que sofre o prejuízo, adquire o prejudicado o direito ao ressarcimento, acompanhado da imediata pretensão. Tudo se passa simultaneamente. Por isso, do próprio fato do enriquecimento sem causa começa a correr a prescrição da pretensão de recuperá-lo. A situação é a mesma do ato ilícito: o responsável se coloca em mora desde o momento em que o praticou (art. 398)” (THEODORO JÚNIOR, Humerto, Comentários ao código civil, v. 3. t.2. Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p 327 – grifou-se).

Nas palavras do eminente Desembargador Soares Levada, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “É preciso coerência de princípios: se o STJ nos diz que a natureza da ação é de enriquecimento sem causa, só se pode falar em prescrição desde que ocorra tal enriquecimento, não antes”. Logo, “O prazo inicial de fluência prescricional conta-se da incorporação da rede à concessionária, pois só neste momento esta acresceu seu patrimônio ilicitamente, a partir de financiamento realizado pelo consumidor” (TJSP – AC 0102612-77.2010.8.26.0515 – 34ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Soares Levada – J. 09/02/2015 – grifou-se).

Nesse contexto, “considerando-se que a pretensão lastreia-se no enriquecimento indevido, o termo “a quo” do prazo apresenta-se correto, pois sem a incorporação da rede ao patrimônio da ré não há o enriquecimento que dá azo à pretensão” (TJSP – AC 3000287-84.2013.8.26.0444 – 25ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Vanderci Álvares – J. 05/03/2015 – grifou-se).

Não destoando, segundo o eminente Desembargador Carlos Russo, também do TJSP, o caso em tablado trata-se de “Lesividade, marcada ao instante em que a apelante, com a incorporação, passou a dispor de patrimônio, originariamente constituído pelo particular (rede de eletrificação em propriedade rural), esse o fato jurígeno, indutor da pretensão (reembolso de valores)” (TJSP – AC 3000305-08.2013.8.26.0444 – 30ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Carlos Russo – J. 11/03/2015).

Concatenando com o que fora até aqui exposto, na Reclamação nº 23.813/SP (DJe 18/03/2015), o Ministro Raul Araújo, do colendo Superior Tribunal de Justiça, destacou o seguinte excerto extraído da decisão objeto de insurgência na referida Reclamação:

Malgrado a orientação supra, não se tem por configurada a prescrição, porque não se conhece a data da incorporação objeto do pleito de repetição telado, ônus este que incumbia à concessionária-requerida, data, a propósito, que não se confunde com o período do financiamento (negrito no texto original). 

Já na Reclamação nº 23.152/SP, Sua Excelência destacou o seguinte excerto:

Assim, se cabia à concessionária/ré efetuar o plano de incorporação (Resolução Normativa nº 229 da ANEEL) e notificar o consumidor (artigo 71, §2º do Decreto nº 5.163/2004) é evidente que para merecer guarida seu pleito de reconhecimento de prescrição, também lhe cabia trazer aos autos prova de quando se deu a incorporação, ou seja, da devida notificação da autora dando-lhe ciência da incorporação da rede ao seu patrimônio (negrito no texto original).

E ainda:

Além disso, não me parece que, na ausência de comprovação nos autos da data em que a autora foi notificada acerca da incorporação da rede elétrica, o termo inicial da contagem do prazo prescricional possa ser aquele em que o financiamento foi contratado ou quando ocorreu o vencimento da primeira parcela ou, ainda, quando se iniciou o fornecimento de energia para a autora, pois se a presente ação visa à cobrança dos valores referentes ao custeio da construção da rede elétrica rural realizada pela autora que, posteriormente, foi incorporado ao patrimônio da empresa ré, por óbvio que o início da contagem do prazo prescricional se dará a partir da data em que houve a mencionada incorporação, repise-se, pois somente a partir de então é que a rede deixou de pertencer à autora.

Dessa forma, uma vez que não restou demonstrado pela ré quando se deu a incorporação da rede elétrica do autor, fica afastada qualquer possibilidade de reconhecimento da prescrição (grifou-se).

Para negar seguimento a tais Reclamações, o insigne Ministro valeu-se do seguinte argumento:

Registre-se que a parte reclamante não impugna, como lhe compete, os fundamentos utilizados pelo acórdão reclamado. Insiste, em vez disso, na tese dos prazos prescricionais abstratos previstos para a hipótese. Tema não debatido, nos termos pretendidos pela reclamação, no decisum impugnado.

Portanto, a reclamante não traz à baila fundamento suficiente que justifique a reforma do decisum, não impugnando argumentos essenciais, em especial a falta de provas quanto ao termo a quo do prazo prescricional, e não demonstrando em que medida o acórdão recorrido contrariaria o precedente desta Corte, assinalado como paradigma da divergência (grifou-se).

O mesmo entendimento foi adotado nas Reclamações 23.773/SP (DJe 07/05/2015), 23.766/SP (DJe 07/05/2015) e 23.753/SP (DJe 07/05/2015), de relatoria do eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Como se vê, acabou prevalecendo o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de que o prazo prescricional somente começa a fluir a partir da incorporação da rede elétrica ao patrimônio da concessionária.

Nem se diga, como contra-argumentação, que o Superior Tribunal de Justiça definiu que o prazo prescricional, na espécie, passa a fluir a partir da construção da rede ou do desembolso, pois, ao julgar improcedente a Reclamação nº 23.801/SP (DJe 24/03/2015), o eminente Ministro João Otávio de Noronha asseverou que os precedentes do STJ submetidos ao rito dos repetitivos não definiram o marco inicial do prazo prescricional. Aliás, confira-se:

Observa-se que os paradigmas encontram-se baseados: (a) no cálculo do prazo prescricional, caso haja pactuação contratual ou não (REsp n. 1.249.321/RS) e (b) no Decreto nº 41.019/1957 (REsp n. 1.243.646/PR), nada dispondo acerca da definição do termo inicial do cômputo do prazo prescricional (grifou-se).

No julgamento da Reclamação em referência, mais uma vez prevaleceu o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que a prescrição somente passa a fluir a partir da incorporação da rede ao ativo imobilizado da concessionária.

Nada obstante, ao julgar o AgRg no AREsp 280.180/SP, o Superior Tribunal de Justiça definiu que o momento da incorporação da rede é um “dado imprescindível para a análise do prazo prescricional”, assinalando, portanto, que o prazo prescricional passa a fluir a partir da data da incorporação:

 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. IMPLANTAÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. PRESCRIÇÃO. SOBRESTAMENTO EM RAZÃO DE MATÉRIA AFETA COMO REPRESENTATIVA DE CONTROVÉRSIA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA.

1. O artigo 543-C do Código de Processo Civil não previu a necessidade de sobrestamento nesta Corte do julgamento de recursos que tratem de matéria afeta como representativa de controvérsia, mas somente da suspensão dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida nos tribunais de segunda instância.

2. A agravante não traz qualquer argumento novo apto a infirmar a decisão ora agravada, mormente porque a questão da prescrição sequer foi analisada pelo Tribunal de origem por falta de elementos suficientes nos autos. O acórdão recorrido informa que não há prova do momento da incorporação da rede, dado imprescindível para a análise do prazo prescricional. Incidência das Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 280.180/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 19/03/2013 – grifou-se).

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Por fim, colocando uma pá de cal sobre o assunto, em 03/11/2015, o c. STJ realizou o julgamento do REsp 1.418.194/SP, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão (relator do recurso repetitivo que deu origem à Súmula 547), adotando, no ponto, o seguinte entendimento, in verbis:

3. O Código Civil/2002 consignou prazo prescricional específico para a pretensão em análise, limitando o lapso de tempo em que se permite ao prejudicado o ajuizamento da actio de in rem verso, malgrado o instituto não consistisse em novidade jurídica, sendo princípio implícito reconhecido no ordenamento de longa data. Realmente, o enriquecimento sem justa causa é fonte obrigacional autônoma que impõe o dever ao beneficiário de restituir tudo o que lucrou à custa do empobrecimento de outrem (CC, art. 884).

4. Assim, é do momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a redes elétricas do recorrido que, em tese, se tem configurado o enriquecimento ilícito, com aumento do ativo da recorrente e diminuição do passivo do recorrido, devendo ser este, portanto, o marco inicial do prazo prescricional.

5. Na hipótese, tanto o magistrado de piso como o Tribunal de Justiça enfatizaram não haver prova nos autos da data precisa em que ocorreu a incorporação ao patrimônio da recorrente. Em regra, não se mostra aconselhável a presunção de datas para fins de reconhecimento (ou não) de eventual prescrição, conforme jurisprudência do STJ, notadamente no presente caso, em que a situação envolve regra de transição de normas.

[...]

8. Recurso especial provido. (REsp 1418194/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 03/11/2015, DJe 27/11/2015 – grifou-se).

Como se vê, à luz desse recentíssimo precedente da Corte Superior, “é do momento em que a concessionária incorpora ao seu patrimônio a redes elétricas do Autor que se tem configurado o enriquecimento ilícito, com aumento do ativo da Requerida e diminuição do passivo do Requerente, devendo ser este, portanto, o marco inicial do prazo prescricional”.

Como se não bastasse, esse mesmo entendimento foi reiterado pelo eminente Ministro Luis Felipe Salomão, nos Recursos Especiais ns. 1.418.196/SP, 1.418.201/SP, 1.418.197/SP e 1.418.199, cujas decisões foram publicadas no Diário da Justiça eletrônico do STJ de 18/05/2016.

Dessa forma, pode-se afirmar, com inegável segurança, que o entendimento mais acertado é no sentido de que, na ausência de previsão contratual de desembolso do valor aportado para edificação de rede elétrica particular, o prazo prescricional passa a fluir a partir da efetiva incorporação da rede elétrica ao acervo patrimonial da concessionária, consoante recente precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça.

Outros artigos jurídicos versando sobre o tema:

* https://jus.com.br/artigos/26871/incorporacao-de-rede-eletrica-particular-por-concessionaria-ou-permissionaria-de-energia-eletrica

https://jus.com.br/artigos/25263/incorporacao-de-rede-eletrica-particular-por-concessionaria-ou-permissionaria-de-energia-eletrica

https://jus.com.br/artigos/17168/direito-de-propriedade-incorporacao-de-rede-eletrica-particular-pelas-concessionarias-e-ou-permissionarias-de-energia-eletrica

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Sobre o autor
Lucas Mello Rodrigues

Mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL) com reconhecimento do título no Brasil pela Universidade de Marília (Unimar). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná (CEULJI/ULBRA). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual e Cível. Aprovado no Exame da OAB na primeira vez que o realizou, quando ainda cursava o 9º período do curso de Direito. Aprovado em 1º lugar para o cargo de Oficial de Diligências do Ministério Público do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, onde exerceu a função por 2 (dois) anos. Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público Federal - MPF (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público do Trabalho - MPT (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Agente de Sistema de Saneamento da Companhia de Águas e Esgoto de Rondônia - CAERD (nomeado, renunciou à vaga). Sócio-proprietário do escritório Lucas Mello Rodrigues Sociedade Unipessoal de Advocacia. Autor do livro "Projeção da Autonomia Privada no Processo Civil e sua contribuição para a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva: autonomia privada e processo civil". Tem vários artigos publicados, inclusive em periódico de circulação nacional. É autor do anteprojeto da Lei 1.232, de 28 de julho de 2016, que "dispõe sobre o atendimento prioritário às pessoas idosas e demais pessoas que especifica nos estabelecimentos comerciais, de serviços e similares de Alto Paraíso [RO], e dá outras providências".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Lucas Mello. REsp 1.418.194/SP: entendimento do STJ sobre marco inicial do prazo prescricional para reembolso de valor aportado na construção de rede elétrica particular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4808, 30 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51223. Acesso em: 2 nov. 2024.

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