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Mudança na jurisprudência: Supremo Tribunal Federal deixa de considerar como equiparado a hediondo o crime de tráfico de drogas privilegiado

(art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06)

27/08/2016 às 09:22

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal analisou a natureza hedionda do tráfico de drogas privilegiado, concluindo que não deve ser considerado crime de natureza hedionda.

  • A decisão da Suprema Corte resultou em mudanças significativas, permitindo benefícios como anistia, graça e indulto, progressão de regime com apenas 1/6 da pena e livramento condicional com menos tempo de cumprimento de pena.

  • A nova interpretação da lei pode impactar positivamente o sistema penitenciário, desafogando parcialmente a superlotação das prisões e concedendo benefícios aos condenados por tráfico de drogas privilegiado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Comentam-se as principais mudanças ocorridas após a decisão proferida pelo plenário do STF no sentido de afastar o caráter hediondo do chamado tráfico privilegiado, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

Muito se tem discutido acerca da natureza hedionda da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06, uma vez que para grande parcela da doutrina, o privilégio seria incompatível com o caráter hediondo do crime.

Nesse sentido, ganharam forças as teses defensivas que sustentavam que o tráfico de drogas privilegiado não seria uma conduta tão grave a ponto de ser equiparada a hediondo.

Diante desta discussão o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, por meio do Habeas Corpus nº 118533/MS impetrado pela Defensoria Pública da União, que sustentou vários argumentos, dentre eles, afirmou-se que o tratamento dado aos crimes hediondos violaria o princípio constitucional da proporcionalidade, em sua faceta de proibição de excesso. Afinal, o grave tratamento atribuído aos crimes hediondos seria incompatível com as consequências penais normalmente impostas aos acusados primários, de bons antecedentes, que não se dedicam às atividades criminosas e nem integram organizações desta natureza.

Na data de 24 de junho de 2015, o processo foi submetido ao Plenário para o julgamento. A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, proferiu seu voto no sentido de conceder a ordem no HC e afastar o caráter de hediondez do delito em análise. Sustentou que o tráfico privilegiado não se harmonizava com a qualificação de hediondez do delito definido no caput e no § 1º do art. 33 da Lei de drogas. O julgamento não restou concluído, sendo suspenso, em face do pedido de vistas, formulados pelos ministros Gilmar Mendes e Luiz Edson Fachin.

Finalmente, quase um ano depois, o julgamento foi retomado, na data de 23 de junho de 2016. Na oportunidade, o ministro Fachin, que reajustou sua posição para acompanhar o voto da relatora, mencionou que o legislador não desejou incluir o tráfico privilegiado no regime dos crimes equiparados a hediondos, nem nas hipóteses mais severas de concessão de livramento condicional, caso contrário o teria feito de forma expressa e precisa. Nesse sentido, o ministro considerou que a equiparação a crime hediondo não alcançaria o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição de pena, acrescentando que o tratamento equiparado a hediondo configuraria flagrante desproporcionalidade.

O atual presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou na mesma linha, a fim de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico privilegiado. Ademais, apresentou dados estatísticos contemplando o elevado número de encarceramento nos delitos desta natureza, em especial, o aumento significativo de mulheres cumprindo pena em razão de delitos relacionados ao tráfico de drogas que, não raras vezes, sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo considerada a participação de menor relevância nestes crimes.

Computados os votos, chegou-se a uma decisão, por maioria absoluta de votos (8x3), que o art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, não deveria ser considerado crime de natureza hedionda.

Votaram favoráveis no sentido de afastar o caráter hediondo do tráfico privilegiado, acompanhando o voto da ministra relatora Cármen Lúcia, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Vencidos ficaram os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Marco Aurélio, que sustentaram como hediondo o crime de tráfico privilegiado.


Posição do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado acerca do assunto, tendo seu entendimento se consolidado no sentido de não afastar a hediondez do tráfico privilegiado, tanto é verdade que editou a súmula nº 512.

Súmula 512 STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.)

Daí percebe-se que o STJ já seguia a mesma linha de raciocínio anterior do Supremo, uma vez que ambos os tribunais não afastavam a hediondez do crime de tráfico de drogas privilegiado. Todavia, com o novo entendimento proferido pelo Pretório Excelso no julgamento do HC nº 118533, a posição do STJ, agora, tende a ser alterada, mesmo que neste caso, a decisão da Corte Constitucional seja desprovida de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, uma vez que se deu em sede de HC. Resta, então, aguardar manifestação do STJ para saber se, de fato, a súmula será cancelada.


Consequências da nova decisão

Inicialmente, esclarece-se que o tráfico de drogas privilegiado tem previsão legal no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06, cuja natureza jurídica consiste em causa de diminuição de pena.

Esclarece-se, ainda que, o privilégio previsto no § 4º aplica-se somente para os delitos tipificados no caput e no § 1º do art. 33, conforme abaixo se observa.

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º  Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

(...)

§ 4º  Nos delitos definidos no caput e no § 1ºdeste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

A Constituição Federal determina que a lei considere o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins como delito inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Art. 5º (...)

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

A Lei nº 8.072/90, em seu art. 2º, confirma o mandamento constitucional referente aos crimes hediondos e equiparados, tornando-os insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança.

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança.

Ainda no contexto da Lei nº 8.072/90, o legislador estipulou regras próprias de progressão de regime, por serem crimes de maior gravidade. Assim, o apenado primário somente terá direito a progressão quando cumprido 2/5 da pena, ao passo que o reincidente progredirá com 3/5 da pena cumprida, diferentemente do que ocorre nos delitos comuns, quando o apenado passa a progredir com apenas 1/6 da pena, seja reincidente ou não (art. 112 da Lei nº 7.210/84).

Art. 2º (...)

§ 2º  A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

O art. 44 da Lei nº 11.343/06, reforça ainda mais o que foi dito acima, pois intitula, em especial o art. 33, caput e § 1o, como delitos inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça e indulto.

O parágrafo único deste artigo, por sua vez, traz normas próprias referente ao livramento condicional, cujo benefício passa a ser concedido após o cumprimento de 2/3 da pena, vedando-se ao reincidente específico (reincidência em crimes desta natureza).

Art. 44.  Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Parágrafo único.  Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.

Fazendo um paralelo com os artigos supramencionados e considerando o novo entendimento que passa a prevalecer na Corte Constitucional, é possível destacar as seguintes mudanças que certamente irão beneficiar os apenados.

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A partir de agora, o apenado condenado pelo delito de tráfico de drogas privilegiado, passa a ter direito à concessão de anistia, graça e indulto, causas extintivas da punibilidade, que até então eram vedadas.

No que consiste ao critério de progressão de regime, o apenado passa a progredir com apenas 1/6 da pena cumprida, seja primário ou reincidente, pois, afastado o caráter hediondo do tráfico privilegiado, as frações de 2/5, se primário e 3/5, se reincidente, passam a ser desconsideradas, tendo em vista a não incidência da Lei dos crimes hediondos, mas sim a regra prevista no art. 112 da Lei de Execução Penal.

Por fim, mudam-se também às regras referentes ao livramento condicional, pois, até então, o sujeito condenado por tráfico privilegiado só teria direito ao benefício caso cumprisse efetivamente 2/3 da pena imposta, nos termos do parágrafo único do art. 44 da Lei de drogas. Pelo entendimento atual, basta que o apenado cumpra 1/3 da pena, se primário, ou metade, se reincidente, incidindo na regra geral prevista no art. 83 do Código Penal Brasileiro.


Considerações finais

Como se verificou, a superação de entendimento na jurisprudência da Corte Constitucional resultou em significativas mudanças no aspecto prático, considerando que o tráfico de drogas privilegiado ganhou tratamento mais brando, admitindo a possibilidade da anistia, graça e indulto; a progressão de regime com apenas 1/6 da pena; e a possibilidade de livramento condicional com menos tempo de pena cumprido.

Outro aspecto que certamente terá efeito prático será o desafogamento parcial no sistema penitenciário, uma vez que não é surpresa que o complexo carcerário carece de infra-estrutura e abriga contingente muito superior a sua capacidade de lotação. Logo, esta sobrecarrega, ao menos, em tese, tende a diminuir, pois os apenados que cumprem pena pelo tráfico privilegiado, terão direito aos benefícios em tempo mais exíguo.

Inbubitavelmente, a vitória da defesa deve ser aplaudida, pois os argumentos trazidos pela DPU serviram de norte para os fundamentos da decisão proferida pelo Plenário do Supremo.

No mais, vale abordar que nada justifica a impunidade pelo tráfico de drogas, seja em sua modalidade comum ou privilegiada, justamente porque a conduta da traficância desencadeia diversos outros crimes, como roubos, furtos, receptação, associações e organizações criminosas, lavagem de dinheiro etc. Bem por isso, parece que a decisão da Corte Constitucional, não foi no sentido de abrandar a pena para este comportamento delitivo, muito pelo contrário, a ideia que se buscou alcançar foi pela aplicação da proporcionalidade, atuando o Supremo como interprete da norma e dando o tratamento adequado, considerando o quantum da pena imposta e a natureza do comportamento do agente, somado aos demais requisitos contemplados no tipo. 

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Sobre o autor
Willion Matheus Poltronieri

Delegado de Polícia. ex-Analista Judiciário. ex-Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós-graduado em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direitos Humanos Internacionais. Bacharel em Direito. Bacharel em Administração.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLTRONIERI, Willion Matheus. Mudança na jurisprudência: Supremo Tribunal Federal deixa de considerar como equiparado a hediondo o crime de tráfico de drogas privilegiado: (art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4805, 27 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51412. Acesso em: 22 dez. 2024.

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