Antes de adentrarmos no conceito de difusão vermelha, ou red notice, será necessária uma breve abordagem a respeito da Organização Internacional de Polícia Criminal, ou simplesmente Interpol, sigla em inglês para International Criminal Police Organization, organização internacional cuja finalidade é a cooperação de polícias de diferentes países, surgida em Viena, Áustria, em 1923, por iniciativa do chefe da polícia vienense Johannes Schober.
Sua primeira designação foi de Comissão Internacional de Polícia Criminal, sendo posteriormente adotada a denominação atual, no ano de 1956. Atualmente a organização está sediada na cidade de Lyon, França, e é composta por 190 países membros. Em linhas gerais, pode-se dizer que a Interpol é, essencialmente, uma central de informações voltada à integração das polícias ao redor do mundo no combate ao crime em escala internacional. Sua missão, como revela o próprio site da organização é “prevenir e combater a criminalidade através de uma cooperação reforçada e inovação em matéria policial e de segurança”. No Brasil, a Interpol é representada pela Polícia Federal e seu escritório está localizado no Complexo da Polícia Federal, em Brasília, contando ainda com representações estaduais em todas as Superintendências Regionais da Polícia Federal.
Nesse contexto, revela-se a difusão vermelha (red notice), cuja natureza está ligada ao cumprimento de mandados de prisão expedidos em desfavor de pessoa que se encontre em país diverso daquele onde teve decretada a sua prisão. Portanto, a difusão vermelha nada mais é do que um alerta internacional (na Interpol), expedido por autoridades judiciais de países membros, para fins de extradição de pessoas procuradas pela justiça criminal.
Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 872) esclarece:
Com o crescente caráter transnacional dos delitos, esse tema ganha cada vez mais importância. Daí por que a Interpol (...) que é uma polícia internacional formada por várias polícias nacionais interligadas, formando uma rede de auxílio à persecução penal transnacional, criou um instrumento, denominado de difusão vermelha, que visa auxiliar as autoridades nacionais no cumprimento desses mandados de prisão. Na dicção da doutrina, as difusões vermelhas (red notices), verdadeiros mandados de capturas internacionais, podem ser conceituadas como “registros utilizados pela Organização de Polícia Internacional (Interpol) para divulgar entre os Estados-membros a existência de mandados de prisão em aberto, expedidos por autoridades competentes nacionais ou por tribunais penais internacionais, no curso de procedimentos criminais”.
No Brasil a matéria está regulamentada pela instrução normativa nº 01, de fevereiro de 2010, da Corregedoria Geral de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo art. 1º determina que os juízes estaduais, federais, eleitorais ou militares, juízes de primeiro grau, desembargadores ou juízes de segundo grau e ministros de tribunal superior, ao expedirem ordem de prisão por mandado ou qualquer outra modalidade de instrumento judicial com esse efeito, tendo ciência própria ou por suspeita, referência, indicação, ou declaração de qualquer interessado ou agente público, que a pessoa a ser presa está fora do país, vai sair dele ou pode se encontrar no exterior, nele indicarão expressamente essa circunstância. Cabe observar que na forma do parágrafo único do referido artigo, a medida deverá ser adotada nos casos de ordem de prisão por decisão judicial criminal definitiva, de sentença de pronúncia ou de qualquer caso de prisão preventiva em processo criminal. Ademais, o art. 2º determina que o mandado de prisão seja imediatamente encaminhado, por cópia autenticada, ao Superintendente Regional da Policia Federal (SR/DPF) no respectivo estado, com vista à difusão vermelha, isto é, à inclusão da informação no sistema da Interpol.
Difusão vermelha a ser cumprida no estrangeiro
Procedendo a autoridade judiciária brasileira na forma determinada pela instrução normativa nº 01/CNJ, será emitida pela Interpol notícia acerca da existência do mandado de prisão expedido em desfavor do procurado para todos os seus países membros, tencionando assim a possível localização e captura do procurado. Logrando êxito a difusão vermelha, deverá o Brasil formalizar pedido de extradição do preso.
Difusão vermelha a ser cumprida no Brasil
Para cumprimento da difusão vermelha em território nacional, entende o STF ser indispensável a existência de pedido de extradição em tramitação naquela Corte. Havendo o pedido, o Ministro Relator poderá determinar a prisão preventiva do procurado para fins de extradição, com fundamento no que estabelece o art. 102, I, “g”, da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
Inexistindo, todavia, o pedido de extradição, restará configurado constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do procurado, caso seja cumprido o mandado de prisão. Ou seja, o cumprimento de mandado de prisão expedido por Poder Judiciário estrangeiro contra pessoa que reside no Brasil, sem pedido de extradição, não poderá produzir efeitos no território nacional. Nesse sentido, a Lei nº 12.878/13, alterou o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), estabelecendo novas regras à prisão cautelar para fins de extradição, consolidando assim o entendimento do STF. Desse modo, foram alterados, recebendo nova redação, os arts. 80, 81 e 82 da Lei nº 6.815/80:
Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, quando previsto em tratado, diretamente ao Ministério da Justiça, devendo o pedido ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória ou decisão penal proferida por juiz ou autoridade competente.
§ 1o O pedido deverá ser instruído com indicações precisas sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias do fato criminoso, a identidade do extraditando e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a competência, a pena e sua prescrição.
§ 2o O encaminhamento do pedido pelo Ministério da Justiça ou por via diplomática confere autenticidade aos documentos.
§ 3o Os documentos indicados neste artigo serão acompanhados de versão feita oficialmente para o idioma português.
Art. 81. O pedido, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, será encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. Não preenchidos os pressupostos de que trata o caput, o pedido será arquivado mediante decisão fundamentada do Ministro de Estado da Justiça, sem prejuízo de renovação do pedido, devidamente instruído, uma vez superado o óbice apontado.
Art. 82. O Estado interessado na extradição poderá, em caso de urgência e antes da formalização do pedido de extradição, ou conjuntamente com este, requerer a prisão cautelar do extraditando por via diplomática ou, quando previsto em tratado, ao Ministério da Justiça, que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, representará ao Supremo Tribunal Federal.
§ 1o O pedido de prisão cautelar noticiará o crime cometido e deverá ser fundamentado, podendo ser apresentado por correio, fax, mensagem eletrônica ou qualquer outro meio que assegure a comunicação por escrito.
§ 2o O pedido de prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro.
§ 3o O Estado estrangeiro deverá, no prazo de 90 (noventa) dias contado da data em que tiver sido cientificado da prisão do extraditando, formalizar o pedido de extradição.
§ 4o Caso o pedido não seja formalizado no prazo previsto no § 3o, o extraditando deverá ser posto em liberdade, não se admitindo novo pedido de prisão cautelar pelo mesmo fato sem que a extradição haja sido devidamente requerida.
Exemplificando: se estiver em solo brasileiro um criminoso procurado internacionalmente cuja “red notice” tenha sido expedida, sua prisão só se realizará mediante a apresentação do pedido oficial de extradição pelo país interessado. Frise-se que antes da expedição do mandado de prisão, o pedido de extradição será submetido à apreciação do STF, ficando a autoridade policial impedida de agir (a não ser para monitorar o criminoso) enquanto não for apreciado o pedido, e decretada sua prisão.
Contudo, parte da doutrina considera tal interpretação do STF incompatível com o princípio geral da cooperação das relações internacionais, previsto no art. 4°, IX, da Carta Magna. Rento Brasileiro (2015) salienta que por força do princípio do mútuo reconhecimento das decisões judiciais e objetivando imprimir maior eficácia ao princípio da justiça penal internacional, seria suficiente que o Supremo interpretasse a parte final do art. 5°, LXI, da Constituição (ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente) incluindo nessa interpretação a autoridade judiciária estrangeira. Indo além, do mesmo modo que as autoridades judiciárias estrangeiras cumprem a difusão vermelha originária do Brasil, por confiarem que houve a expedição regular desta ordem, com observância da lei e da Constituição Federal, o Brasil também deve confiar na difusão vermelha proveniente do exterior.
Jurisprudência selecionada
PRISÃO PREVENTIVA PARA EXTRADIÇÃO – STF: 1. Pode o Supremo Tribunal Federal rejeitar pedido de extradição passiva quando a submissão do estrangeiro à Jurisdição do Estado requerente implicar em violação a direitos humanos internacionalmente reconhecidos, dentre eles, a garantia de ser julgado por juiz isento, imparcial, e sob a égide do devido processo legal, o que configura exceção ao princípio da contenciosidade limitada. 2. É relevante a alegação de violação a direitos humanos a futura submissão do extraditando ao julgamento por magistrada demissível ad nutum, que teria sido punida em razão de ter proferido decisão favorável a corréu em situação similar à do extraditando. A isso, soma-se o fato de o Estado requerente estar sendo intensamente questionado pela comunidade internacional por atitudes de menoscabo à democracia, consistentes na perseguição de opositores, cooptação de magistrados para decisão em favor dos interesses do Poder Executivo e punição aos integrantes do Poder Judiciário e membros do Ministério Público com atuação independente, além do que a anterior adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foi notoriamente denunciada. 3. Matéria concernente ao mérito de futuro pedido de extradição a ser apresentado a este Supremo Tribunal Federal quando, à luz do contraditório, poderão o extraditando e o Estado requerente produzir provas, na acepção jurídica do termo, a respeito de suas alegações. 4. No processo de extradição passiva, a prisão preventiva é a regra. Excepcionalmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a concessão de medidas cautelares alternativas à prisão, particularmente em hipóteses cuja permanência no cárcere seja singularmente penosa ao extraditando. 5. Não se antecipa juízo de mérito sobre a procedência de eventual pedido de extradição passiva para concessão de liberdade, salvo quando a improcedência puder ser antecipadamente declarada, estreme de dúvidas. 6. A manutenção da prisão preventiva para a extradição decorre da regular aplicação da lei (art. 84, parágrafo único, da Lei 6.815/80 e art. 208 do RISTF), e não implica, por si só, em risco de submissão do extraditando a um julgamento que desborde da cláusula do devido processo legal, o qual só se concretizará quando (e se) for apreciado o mérito do pedido de extradição a fim de deliberar sobre sua entrega ao Estado requerente. 7. Prisão preventiva convertida, excepcionalmente, em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, o que se revela suficiente no caso concreto para assegurar eventual êxito de pedido de extradição. (PPE 760/DF - Distrito Federal. Ag.Reg na Prisão Preventiva Para Extradição. Rel. Min. Edson Fachin, j. em 10/11/2015, 1ª Turma)
Referências
BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de processo penal. 3 ed. rev. amp. atual. Salvador: Jus Podium, 2015.
Instrução Normativa Nº 1 de 10/02/2010. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/atos?documento=208>. Acesso em 26 de setembro de 2016.
Interpol. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Interpol>. Acesso em 29 de setembro de 2016.
Mandado de prisão com difusão vermelha (red notice). Disponível em < http://conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=2_&ver=1865>. Acesso 22 de setembro de 2016.
Pesquisa de jurisprudência do STF. Disponível em <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp>. Acesso em: 25 de setembro de 2016.
Interpol. Disponível em <http://www.interpol.int/>. Acesso em: 25 de setembro de 2016.