Veja-se o exemplo da oitiva de Delcídio do Amaral em processo criminal na operação lava-jato.
Após as perguntas da defesa de Lula e o início dos “esclarecimentos do juízo”, como diz Moro, os advogados do petista passaram a reclamar que as questões do juiz e as respostas de Delcídio do Amaral abordariam pontos fora do processo e, assim, demandariam novas perguntas pela defesa.
Cristiano Zanin Martins, Roberto Teixeira, Jair Cirino dos Santos, José Roberto Batochio e Juarez Cirino dos Santos representaram Lula e a ex-primeira-dama Marisa Letícia diante de Sergio Moro.
Quando o magistrado questionou o ex-senador sobre a mudança na lógica de indicações à diretoria da Petrobras a partir do enfraquecimento do governo Lula no mensalão, um dos advogados do ex-presidente o interrompeu e, então, travou-se o seguinte diálogo:
Advogado de Lula: Eu sou obrigado a pedir de novo uma questão de ordem. A questão é muito simples, Vossa Excelência está violando o princípio da ampla defesa, está perguntando à testemunha sobre fatos que não foram objeto da inquirição de hoje e está daí criando a necessidade de novas perguntas por parte da defesa, se vossa excelência permitir, senão fica um desequilíbrio no processo.
Sergio Moro: Tem uma ordem legal, doutor, de oitiva, primeiro Ministério Público, depois defesa e esclarecimentos do juízo.
Advogado de Lula: Mas o juízo só pergunta sobre questões que forem objeto da inquirição e pontos não esclarecidos.
Sergio Moro: [levantando a voz] Essa é a posição do juízo, doutor. Neste caso, é o que estou fazendo.
Advogado de Lula: Mas não é a posição do código de processo, é uma coisa que o senhor não pode fazer.
Sergio Moro: Como eu presido essa audiência, então eu entendo que eu posso fazer na minha interpretação.
Advogado de Lula: Então fica o protesto da defesa contra o comportamento de Vossa Excelência, que viola o código de processo penal.
Sergio Moro: Na sua interpretação, doutor. Na interpretação correta do código, o juiz pode fazer…
Advogado de Lula: Na interpretação de todos que trabalham com processo penal. Somos professores de processo penal.
Sergio Moro: Tá ótimo então, eu vou seguir com minhas indagações aqui, se a defesa permitir, evidentemente…
As testemunhas arroladas pela defesa devem ser ouvidas depois daquelas arroladas pela acusação. E se houver oitiva de testemunha fora do juízo de instrução? Elas devem ser ouvidas por carta precatória somente após a audiência, se, e desde que, houver prova a ser produzida pela acusação.
Somente as testemunhas arroladas pela acusação poderão ser ouvidas antes do referido ato processual instrutório, audiência,Por certo, as testemunhas não devem ser comunicar antes de prestarem depoimento, procurando-se evitar a natural influência de uma sobre a outra. Devem ficar em sala reservada, aguardando o momento de serem ouvidas em juízo, durante a audiência.
Para Grinover e outros, o corréu, embora parte, pode também ser visto como testemunha, com relação aos demais acusados, quando o Código de Processo Penal, no que respeita ao artigo 79, determina a unidade do processo. Tal posição foi lembrada pelo Ministro Luiz Fux, no julgamento do HC 102.926/MS, DJe de 10 de maio de 2011.
Não é demais lembrar, no passado, que o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo chegou a afirmar que, em face do artigo 153, § 16, da Constituição Federal(Emenda Constitucional n. 1/69), o depoimento do réu somente pode ser aceito como prova contrária a corréu se ao defensor do comparsa se assegurou o direito de reperguntar como concretização do principio constitucional do contraditório.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 470 AgR – sétimo/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 186, publicado em 2 de outubro de 2009, entendeu que o sistema processual brasileiro não admite a oitiva do corréu na qualidade de testemunha ou, mesmo de informante. Tal exceção é aberta para o caso do corréu colaborador ou delator, na chamada delação premiada, à luz do que se diz na Lei 9.807/99.
Sabe-se que o corréu, ao contrário da testemunha, ou ainda informante, tem o direito de permanecer calado, consoante os termos do artigo 5º, LXIII, da Constituição.
O corréu, por certo, mesmo que não exerça o direito de permanecer calado, ainda assim, não tem sequer o dever de falar a verdade ou prestar o compromisso a que se refere o artigo 203 do Código de Processo Penal.
O respeitável acórdão noticiado se arrima em interessante conclusão de Nucci quando anota que não pode o réu ser testemunha, pois não presta compromisso, nem tem o dever de dizer a verdade. Lembra Nucci que quando há delação(assume o acusado sua culpa e imputa parte dela a outro corréu), sustenta-se poder haver reperguntas do defensor do corréu delatado, unicamente para aclarar pontos pertinentes à sua defesa. Assim ocorrendo, haverá no curso do interrogatório, um momento propício a isso ou, então, marcará o juiz uma audiência para que o corréu seja ouvido em declarações voltadas a garantir a ampla defesa do delatado e não para incriminar de qualquer modo o delator.
Tais conclusões se fazem presentes no caso de uma possibilidade do corréu, que aceita o benefício da suspensão da condicional do processo, e está cumprindo tais condições, ser chamado para depor como testemunha ou informante. Tal situação além de incômoda para a situação processual desse corréu é, sem dúvida, uma coação ilegal, que pode ser rechaçada pelo remédio heróico do habeas corpus.
Colho excelente artigo publicado na Revista da OAB - Jundiaí (33.ª Subseção - OAB/SP), Ano I, n. 5, julho/2013, p. 26-28, Eduardo Parqua.
“Com o advento da Lei 11.690/08, passou-se a ter a seguinte redação: “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.
Como se nota, a respeito da inquirição das testemunhas, o CPP, abandonando o sistema presidencialista, passou a adotar o sistema inglês (direct/cross-examination). Pelo sistema presidencialista, o juiz iniciava as perguntas às testemunhas e, em seguida, as partes formulavam as suas perguntas por meio do magistrado. Com a adoção do sistema inglês, deve agora a parte, que arrolou a testemunha, iniciar a inquirição (direct-examination), sem a intermediação do juiz, abrindo-se à parte contrária, em seguida, a possibilidade de fazer diretamente as suas perguntas à testemunha (cross-examination). Neste sistema, ao juiz cabe apenas inadmitir as perguntas impertinentes, repetidas ou que puderem induzir a resposta, bem como complementar a inquirição, se porventura remanescerem pontos não esclarecidos.
Essa alteração buscou prestigiar o modelo acusatório (art. 129, I, CF), bem definindo a separação entre as funções de acusar, defender e julgar; colocando os sujeitos parciais como protagonistas da atividade probatória; buscando promover a equidistância entre o juiz e as partes e simplificando a colheita da prova. Nas palavras de Fauzi Hassan Choukr, “A não comunicação direta das partes com suas testemunhas é um traço característico do modelo inquisitivo de inspiração europeu-continental. Com efeito, o direito brasileiro, salvo a situação do Tribunal do Júri, não permitia a comunicação direta entre as partes e as testemunhas, sendo o discurso intermediado pelo magistrado, acarretando desta forma uma interrupção que, antes de recair exclusivamente sobre a pertinência do tema, interfere no próprio conteúdo do diálogo”. E, referindo-se à nova redação do aludido art. 212, frisa que “A ordem de inquirição indicada no artigo é clara: as partes têm a fala inicial e o juiz a fala supletiva, invertendo-se a lógica do modelo anterior. É um passo na direção da acusatoriedade (...)” (Código de Processo Penal – comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 414-415).”
Interpretando a nova disposição do art. 212 do CPP, a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha entendendo que a inversão da ordem de inquirição das testemunhas (primeiro o juiz, depois as partes) caracteriza nulidade absoluta do processo, por contrariar o devido processo legal (STJ – HC 145.182/DF – DJe 10.05.2010; HC – 121.216/DF – DJe 01.06.2009); enquanto a sua 6.ª Turma, diversamente, vinha considerando que tal inversão acarreta mera nulidade relativa, devendo, pois, para ser reconhecida, haver alegação oportuna, com a demonstração do respectivo prejuízo (STJ – HC 103.523/PE – j. 03.08.2010; RHC 27.555/PR - j. 09.08.2010; HC144.909/PE – Dje 17.03.2010; HC 121.215 – Dje 22.10.2010).
Posteriormente, conforme noticiado no Informativo 485 do STJ, “após aprofundado estudo dos institutos de Direito Processual Penal aplicáveis à espécie, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento no sentido de que a inobservância do modelo legal de inquirição das testemunhas constituiria nulidade relativa, sendo necessário para o reconhecimento do vício, arguição em momento oportuno e comprovação de efetivo prejuízo” (STJ – HC 210.703/SP – j. 20.10.2011). Nesse sentido, também tem se posicionando o Supremo Tribunal Federal (STF - HC 103.525/PE – Dje 26.08.2010).
Com base nesse entendimento, o STJ anulou audiência de instrução, e todos os atos posteriores, por ter a juíza, em determinado processo, realizado dezenas de perguntas às testemunhas de acusação, antes da sua inquirição direta pelas partes. Considerou-se que os questionamentos demonstraram o interesse na colheita de provas de caráter eminentemente acusatório. A defesa pediu para que constasse da ata a inversão da ordem de indagação prevista no CPP. Asseverou-se que, no momento da inquirição das testemunhas de defesa, a juíza não realizou perguntas, tendo, assim, nesse contexto, restado claro o prejuízo à defesa do acusado. Determinou-se, por fim, que nova audiência fosse realizada, com respeito ao art. 212 do CPP (STJ - HC 212.618/RS – j. 24.04.2012).
Temos o reconhecimento da necessidade de se respeitar o art. 212 do CPP do CPP, ou seja, de se permitir que as partes iniciem a inquirição das testemunhas, deixando-se para o juiz, em seguida, apenas a possibilidade de suplementá-la, acerca dos pontos não esclarecidos. Como negativo, temos a categorização, como mera nulidade relativa, do desrespeito ao art. 212 do CPP. É que, pelo tradicional regime da nulidade relativa, deve-se demonstrar oportunamente o prejuízo para que seja ela reconhecida, o que, muitas vezes, é difícil, para não dizer impossível.