Impossibilidade de imposição pelo juiz de limite final ao período englobado por cumprimento de sentença condenatória em alimentos no decorrer do processo

14/12/2016 às 10:05
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Apresentaremos, neste texto, a defesa da tese de que a imposição de limite final ao período englobado por ação de cumprimento de sentença de alimentos violaria o disposto no art. 528, §7º, do Código de Processo Civil, sendo passível, portanto, de reforma por meio do recurso cabível.

No dia a dia da prática jurídica, especialmente em ações de cumprimento de sentença condenatória a pagar alimentos em que os interesses das partes são patrocinados pela Defensoria Pública, não é incomum que o Juízo limite o período englobado pela ação às pensões vencidas até a data do despacho inicial, até a data da citação do executado, ou mesmo até a data da prisão deste.

Considera-se que tal prática se mostra contra legem, não podendo o magistrado estabelecer limitação dessa natureza.

Nos termos do art. 528, §7º, do Código de Processo Civil, o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

Trata-se da consagração em texto legal do entendimento já consolidado por meio da Súmula nº. 309 do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, evidente que devem ser objeto da mesma ação de cumprimento de sentença de alimentos pelo art. 528, caput, do Código de Processo Civil as três pensões vencidas e inadimplidas anteriormente ao ajuizamento da demanda e todas aquelas que se vencerem no curso do processo. Somente poderia o Juízo exigir ação de execução diversa para cobrar débitos pretéritos, que já perderam o caráter emergencial, mas nunca limitar a cobrança de débitos futuros.

Corroborando tal entendimento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão que concedeu alvará de soltura diante de pagamento de parte ínfima da dívida. Inadmissibilidade. Necessidade de quitação das três últimas prestações antes da citação e das que se vencerem no curso do processo. Súmula 309 do STJ. Recurso provido para restaurar o mandado prisional.

(TJ/SP – AI 994.09.288443-9 – 4ª. Câmara de Direito Privado – Rel.: Des. Teixeira Leite – Julgamento: 25/03/2010)

RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. ALIMENTOS. PARCELAS VINCENDAS. SÚMULA 309/STJ. DIMINUIÇÃO DO VALOR DA PENSÃO. LEGALIDADE DO DECRETO DE PRISÃO.

1. Não se mostra suficiente a quitação das três últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da ação para o afastamento do decreto de prisão, sendo necessário o pagamento das prestações vencidas no curso do processo. Incidência da Súmula 309/STJ.

2. (...)

3. Recurso desprovido.(STJ – RHC 24332/SP – Quarta Turma – Rel.: Min. Fernando Gonçalves – Julgamento: 02/10/2008).

Decisões proferidas no sentido de limitar o período final do cumprimento de sentença de alimentos, além de violar o mencionado dispositivo legal e Súmula, também ferem os princípios da celeridade e da economia processual.

Não se duvida aqui das boas intenções dos magistrados que proferem atos decisórios com esse propósito, que defendem que a limitação determinada aceleraria e otimizaria o feito. Porém, na prática, não é o que se observa.

As limitações temporais obrigam a parte exequente ao ajuizamento de sucessivas ações de cumprimento de sentença de alimentos, sendo necessária a distribuição de nova demanda cada vez que o executado se manifeste no feito anterior.

Resta salientar que, no ambiente peculiar de atendimento da Defensoria Pública, a parte exequente é pessoa pobre, economicamente hipossuficiente, vítima do sistema econômico adotado por nosso (des)governo, um sistema que, na visão marxista, possui um caráter hostil à natureza humana, escravizador, que transforma o homem em um instrumento da riqueza de outros. Ademais, em sua esmagadora maioria tratam-se os exequentes de crianças que já estão há vários meses sem qualquer auxílio material por parte de seu genitor.

Mostra-se, portanto, desproporcional e nada célere exigir que a parte exequente, a cada nova citação, justificativa ou prisão do executado, sem comprovar o pagamento integral do débito, dirija-se à sede da Defensoria Pública portando novas cópias do título executivo e de documentos pessoais para o ajuizamento de uma nova demanda.

Em primeiro lugar, haveria uma exigência que extrapolaria as possibilidades financeiras da parte.

Insta salientar, ainda, que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, assim como inúmeras Brasil afora, trata-se de instituição recente, vivenciando ainda seus primeiros anos, e contando com pouco pessoal para atender satisfatoriamente ao enorme número de demandas de execução de alimentos distribuídas diariamente.

A hipossuficiência da parte exequente e a falta de estrutura da Defensoria Pública consolidam uma situação crítica que dificultaria o ajuizamento de sucessivas execuções, o que poderia inviabilizar a tutela da pretensão de vantagem da qual os alimentandos são titulares, havendo real violação ao princípio do acesso à ordem jurídica justa.

Em segundo lugar, a exigência de sucessivas ações de execução significaria desperdício de tempo, de trabalho, de pessoal e até mesmo de papel (algo relevante em época de conscientização ambiental). Evidente, portanto, o vilipêndio ao princípio da celeridade.

Óbvia, ainda, a violação ao princípio da economia processual. Por que se determinar a distribuição de sucessivos processos se a questão pode ser objeto de uma única demanda? Cada novo feito distribuído demandaria nova autuação, sobrecarregando a serventia judicial, em primeiro lugar. Ademais, seriam necessárias a expedição de novos mandados de citação e a realização de novas diligências por meio de Oficiais de Justiça, sendo certo que, havendo um único processo, no caso de alimentante representado por advogado constituído, as intimações poderiam ocorrer por meio da imprensa. 

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Conclui-se, portanto, que eventual decisão que limite o período englobado por ação de cumprimento de sentença condenatória ao pagamento de alimentos, com fundamento no art. 528, §7º, do Código de Processo Civil, e na Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser reformada por meio da interposição de recurso de agravo de instrumento, visto que fere normas e princípios legais.

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Sobre o autor
Mario Fagundes Filho

Defensor Público do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense, Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

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