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Da representação comercial autônoma: novos contornos da dicotomia entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado

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04/01/2017 às 12:00
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2. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL – POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO (SÃO PAULO)

2.1. Resultados da pesquisa

Da simples análise dos dados coletados, é possível verificar que entre os anos de 2007 e 2011 houve um considerável aumento de casos envolvendo a discussão judicial acerca da existência (ou não) de vínculo empregatício nas representações comerciais firmadas entre as partes, sendo que tal número manteve-se estável no período de 2011 a 2013, tendo apresentado severa diminuição entre os anos de 2013 e 2015.

Nesse compasso, o percentual representativo dos casos em que houve reconhecimento judicial de vínculo empregatício também foi crescente no interregno de 2007 a 2011, tendo sofrido uma pequena baixa em 2012. Em 2013, o quadro se inverteu – representando uma alta de casos em que a representação comercial não foi considerada legítima, sendo certo que em 2014 a queda foi drástica – com a manutenção de tais números para o ano de 2015.

Tabela 1 - número de processos x reconhecimento de vínculo empregatício

Ano

Número de processos

Vínculos empregatícios reconhecidos

Percentual

2007

6

2

33%

2008

9

3

33%

2009

12

5

42%

2010

22

9

41%

2011

27

12

44%

2012

25

10

40%

2013

25

15

60%

2014

17

6

35%

2015

19

6

32%

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

As razões para as variações acima indicadas podem ser as mais diversas possíveis – desde a alteração do quadro econômico-social do país (o que impacta diretamente no número de ações trabalhistas ajuizadas diariamente nos diferentes Tribunais Trabalhistas) até o desuso da Lei nº 4.886/65.

No entanto, um fator de suma relevância que também pode refletir nos números acima indicados é a assimilação pela sociedade (incluindo representantes e representados) acerca dos elementos tipificadores da subordinação jurídica nas relações de representação comercial autônoma.

Este estudo identificou pontualmente os indicadores considerados pelo Tribunal para fundamentar cada decisão – de forma que foi possível verificar que os elementos arrolados abaixo são frequentemente sopesados no momento da análise da existência de legítima representação comercial entre as partes (ou não):

  1. liberdade de atuação do representante comercial (indicado de forma genérica, sem que argumento exemplificativo);
  2. obrigatoriedade de produtividade mínima e/ou cumprimento de metas;
  3. fiscalização das atividades do representante comercial e/ou direção efetiva por prepostos do representado;
  4. obrigatoriedade do registro do representante comercial perante o Conselho Regional – nos termos do artigo 5º da Lei nº 4.886/65;
  5. controle de horário e/ou obrigatoriedade de comparecimento diário no estabelecimento do representado;
  6. estipulação de roteiro de visitas pelo representado;
  7. concessão de ajuda de custo e/ou assunção do risco do negócio exclusivamente pelo representado;
  8. possibilidade de substituição e/ou contratação de prepostos pelo representante;
  9. obrigatoriedade de venda exclusiva de produtos do representado;
  10. obrigatoriedade de atendimento exclusivo aos clientes cadastrados pelo representado;
  11. existência de um contrato escrito de representação comercial – nos termos do artigo 27 da Lei nº 4.886/65;
  12. confissão (ficta ou real) aplicada ao representado.

Foi possível verificar que no universo de cento e sessenta e dois casos julgados, no período de 2007 a 2015, houve o reconhecimento de vínculo de emprego em sessenta e oito ações.

O principal indicativo da inexistência de uma legítima representação comercial entre as partes foi, por óbvio, a ocorrência de fiscalização e/ou direção efetiva dos representantes comerciais pelos representados (74% dos casos) – característica inerente à relação empregatícia – o que se deu mediante a subordinação direta do representante comercial a prepostos do representado, sendo o representante submetido a ordens diretas de tais pessoas.

Tabela 2 – evidências coletadas nos casos em que houve reconhecimento de vínculo empregatício

Evidência

Número de casos

Percentual

Liberdade

24

35%

Obrigatoriedade de produtividade mínima e/ou metas

17

25%

Fiscalização/ direção efetiva

50

74%

Registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais

19

28%

Controle de horário/comparecimento diário

25

37%

Roteiro de visitas

7

10%

Ajuda de custa/risco da atividade do representante

16

24%

Contratação de empregados/substituição do representante

9

13%

Venda de produtos exclusivos

4

6%

Cadastro de cliente do representado

3

4%

Contrato por escrito

14

21%

Confissão do representado

11

16%

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Em que pese outros elementos não serem determinantes para o reconhecimento do vínculo empregatício – como comparecimento diário no estabelecimento do representado e exclusividade na prestação do serviço, eles foram frequentemente sopesados nas decisões proferidas pelo Tribunal.

Aliás, quanto ao cumprimento/controle de horário, é bastante oportuna a colocação de Maurício Godinho Delgado (2013, p. 610):

“Finalmente, é oportuno ponderar-se sobre uma dualidade curiosa: é que não obstante a exigência de horário conduzir à conclusão de existência de relação de emprego entre as partes, isso não significa que a ausência de horário prefixado e controlado elimine a possibilidade fática de ocorrência de relação de emprego. É que, afinal a lei trabalhista prevê, expressamente, a figura do empregado vendedor externo, não submetido a qualquer controle de jornada laborativa (art. 62, I, CLT)”.

A análise contraposta dos casos em que não houve o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes – e, portanto, foi reconhecida a existência de uma legítima relação de representação comercial, também evidencia que diferentes elementos foram constantemente utilizados pelo Tribunal para justificar suas decisões.

Nesse sentido, os dados abaixo indicados são bastante elucidativos:

Tabela 3 – evidências coletadas nos casos em que não houve reconhecimento de vínculo empregatício

Evidência

Número de casos

Percentual

Liberdade

46

49%

Obrigatoriedade de produtividade mínima e/ou metas

23

24%

Fiscalização/ direção efetiva

50

53%

Registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais

7

7%

Controle de horário/comparecimento diário

60

64%

Roteiro de visitas

40

43%

Ajuda de custa/risco da atividade do representante

27

29%

Contratação de empregados/substituição do representante

17

18%

Venda de produtos exclusivos

14

15%

Cadastro de cliente do representado

24

26%

Contrato por escrito

24

26%

Confissão do representado

0

0%

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Nesse sentido, faz-se necessário destacar que em diversos casos não havia prova nos autos da possibilidade de substituição do representante comercial e, tampouco, da existência de subordinação direta do representante a um preposto do representado – de forma que foi necessária a análise de outros traços que pudessem comprovar a autonomia/liberdade do representante.

Note-se, ainda, que o número de evidências existentes em cada caso não foi determinante para a maioria dos processos analisados – sendo certo que a existência de apenas uma e/ou duas evidências foi suficiente para se concluir pelo reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes.

Tabela 4 – Número de evidências em casos com reconhecimento de vínculo empregatício

Número de evidências

Número de casos

1 evidência

6

2 evidências

22

3 evidências

22

4 evidências

11

5 evidências

5

6 evidências

1

7 evidências

0

8 evidências

1

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Nesse mesmo sentido, eis os números que refletem a análise dos casos em que a relação havida entre as partes foi considerada uma legítima representação comercial:

Tabela 5 – Número de evidências em casos sem reconhecimento de vínculo empregatício

Número de evidências

Número de casos

1 evidência

4

2 evidências

15

3 evidências

37

4 evidências

13

5 evidências

17

6 evidências

6

7 evidências

2

8 evidências

0

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Ressalte-se, ainda, que, como oportunamente pontuado por Sílvio de Salvo Venosa (2014, p. 573):

“A lei que regulou a profissão entre nós exige, no art. 2º, o registro dos que exercem a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, criados por esse próprio diploma, sob a proeminência do Conselho Federal (art. 6º), que atuam como órgãos de classe. Acrescenta o art. 5ª que somente será devida a remuneração ao representante, como mediador de negócios comerciais, devidamente registrado. Atividade semelhante exercida por quem não seja representante regular não receberá os benefícios da lei”.

Além disso, o entendimento predominante da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que, a partir da Lei nº 8.420/92, que alterou a Lei nº 4.886/65, é de que o contrato de representação comercial dever ser, necessariamente, por escrito. Nesse sentido:

“A Lei n. 8.420/92, de acordo com nossa ótica, alterou o art. 27 de forma a colocar seu texto dentro dos objetivos do projeto original: a) excluiu da cabeça do artigo a expressão “quando celebrado por escrito”; b) alterou as alíneas d e j; c) revogou o parágrafo único, acrescentando-lhe três novos parágrafos.

Para nós, quer isto dizer que, a contar da vigência da Lei n. 8.420 (11-5-1992, data de sua publicação do Diário oficial da União), o contrato de representação deverá ser celebrado, necessariamente, por escrito” (SAAD, 2014, p. 80).

Por meio da leitura dos diversos acórdãos, foi possível verificar que são raras as decisões que se pautam exclusivamente na observância dos requisitos formais previstos na Lei nº 4.886/65 – ou seja, no registro do representante perante o Conselho Regional dos Representantes Comerciais, bem como na obrigatoriedade de pactuação da relação mediante um contrato por escrito.

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De acordo com as decisões proferidas pelo Tribunal, considerando que o princípio da Primazia da Realidade é basilar no Direito do Trabalho, a realidade deve se sobrepor às eventuais formalidades legais. Assim, em que pese tais indicadores serem, muitas vezes, avaliados pelo Tribunal, na maioria dos casos não se mostravam determinantes para o seu julgamento.

Note-se, ainda, que a análise isolada do número de casos julgados por cada Turma do Tribunal, bem como a conclusão pelo reconhecimento do vínculo empregatício (ou não), também pode desenhar uma tendência adotada por cada Turma julgadora:

Tabela 6 – Número de casos julgados em cada Turma x reconhecimento (ou não) de vínculo empregatício

Turma

Total de casos julgados

Com reconhecimento de vínculo

Sem reconhecimento de vínculo

2ª Turma

13

3

10

3ª Turma

20

4

16

4ª Turma

29

21

8

5ª Turma

6

4

2

6ª Turma

7

5

2

8ª Turma

10

5

5

10ª Turma

10

6

4

11ª Turma

16

1

15

12ª Turma

25

7

18

14ª Turma

10

7

3

17ª Turma

9

2

7

18ª Turma

7

3

4

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Nesse sentido, impossível ignorar que em aproximadamente 72% (setenta e dois por cento) dos casos julgados pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região houve o reconhecimento de vínculo empregatício em casos envolvendo discussões judiciais sobre a legitimidade da representação comercial havida entre as partes, ao passo que em apenas aproximadamente 6% (seis por cento) dos casos analisados pela 11ª Turma isso ocorreu.

Diante dos números e dados obtidos, é possível verificar que não existe nenhum padrão sistemático para o julgamento dos casos envolvendo questionamento judicial acerca da legitimação da representação comercial autônoma firmada entre partes.

O fato é que as peculiaridades de cada caso concreto devem ser analisadas pontualmente. No entanto, os indicadores ilustrados nesta pesquisa são de suma relevância, uma vez que utilizados pelo Tribunal para fundamentar suas decisões – de forma que devem servir de parâmetro para a sociedade adequar ou revisitar suas relações comerciais.

Ressalte-se, ainda, que resta impossível estabelecer uma conexão direta entre a existência de um determinado número de evidências e o eventual reconhecimento de existência de uma legítima relação de representação comercial.

Além disso, parece-nos incontestável que algumas Turmas do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região adotam uma tendência para o julgamento de casos com a natureza sob análise.

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Sobre a autora
Roberta Cavaletti de Carvalho

Especialista em Gestão de Pessoas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mais de treze anos de experiência profissional no Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho (preventivo, consultivo, contencioso). Sócia responsável pelo departamento trabalhista do Leiva e Carvalho Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Roberta Cavaletti. Da representação comercial autônoma: novos contornos da dicotomia entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4935, 4 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54812. Acesso em: 28 abr. 2024.

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