No apagar das luzes do ano de 2016 - tido por alguns como um ano que faria inveja àqueles compreendidos na Era das Trevas - fomos surpreendidos com um comentário proferido em rede nacional, aos vinte e nove dias do mês de dezembro, por renomado jornalista que, ao comentar a versão dos fatos pelo advogado de defesa dos acusados da morte do vendedor ambulante no Metrô Pedro II, sugeriu que o advogado também deveria ser preso.
Longe de adentrar nas minúcias do caso prático em tela, e sem o intento de tecer comentários estritamente técnicos sobre o infeliz comentário, lanço adiante algumas linhas reflexivas acerca do real papel do advogado criminalista em um Estado Democrático de Direito, bem como a forma como este é visto pela sociedade.
Pois bem. "Nunca antes na história deste Brasilzão", em um Estado Democrático de Direito (que mais caminha para um Estado de ódio e intolerância), a frase atribuída a Francesco Carnelutti esteve tão em voga: “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado”. É sabido que a advocacia, por si, já é uma das mais árduas profissões, mormente por tratar, basicamente, de conflitos. Conflitos estes que ganham proporções homéricas quando especados na seara criminal.
O advogado criminal, primeiro a ser convocado nos momentos de crises (“foi só uma cervejinha, sr, guarda. Vou ligar pro meu advogado”; “não preciso declarar esses bens, né?”; “fui injustamente multado!”; etc. etc. etc...), é, igualmente, o primeiro a ser criticado quando exerce seu mister, o qual, apesar de afeto ao campo privado, possui claro múnus público. Neste diapasão, exerce sua profissão atendendo a toda uma coletividade, mesmo que a sua atuação aparentemente crie mais conflitos do que soluções.
O profissional criminalista caminha na tênue linha entre a liberdade e a reclusão; a inocência e a culpa de seu cliente. Inocência que pode resultar na indignação, no desdém, no asco, no ódio... Ódio que jamais será a solução para determinado crime, que, importante mencionar, já aconteceu. O advogado não evita o crime. Ele trabalha para que aquele ser humano, doravante figurando como acusado, receba o tratamento previsto em lei, com isonomia e imparcialidade por parte do Estado-juiz.
A sociedade – cada vez mais pautada no ódio, como alhures cotejado – clama para que o advogado minta por ela, em pequenas situações do cotidiano, mas critica-o quando ele consuma a defesa de determinado cliente em processo penal. “Injustiça”, alguns clamam; “Ah se a vítima fosse um parente seu”, outros bradam. E assim, ódio gerando mais ódio, dificilmente o tão defendido Estado Democrático de Direito atenderá sua finalidade mais precípua: “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Parafraseando Nelson Mandela, uma verdadeira nação não pode ser conhecida pela forma como trata seus melhores cidadãos, mas sim, seus piores.
Em tempo: sobre o caso prático referido no início, manifesto minha profunda indignação ao ódio e ao preconceito, em toda a sua essência. Mas o comentário do repórter, no que atine ao “pedido de prisão” do advogado é, no mínimo, uma afronta a direitos básicos conquistados com muita luta e, inclusive, sangue.
Finalizo: nada apaga a dor de um crime. Mas ódio não se combate com ódio. Não é violando direitos básicos que teremos um bálsamo para a sociedade, uma solução milagrosa para a violência que diariamente nos assola.