A atuação do controle jurisdicional brasileiro nas controvérsias políticas atuais.

A interferência do judiciário no campo legislativo

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02/01/2017 às 09:17
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O presente trabalho traz à baila a relevância de um tema que, embora recorrente nos estudos de grandes autores, faz-se necessário à persistência de sua investigação, pois, é um assunto sensível e de suma importância para progredirmos enquanto instituições

Sumário: I. Resumo. II. A criação do Estado e a separação dos poderes. a) John Locke e o direito de propriedade. b) Jean Jacques Rousseau e a teoria do contrato social. c) Montesquieu e a teoria da separação dos poderes. III. A evolução histórica, os reflexos do princípio da separação dos poderes e a divisão da função estatal. IV. A judicialização e o ativismo judicial no atual cenário brasileiro. V. A Suprema Corte brasileira vista a partir de uma postura contramajoritária e representativa. VI. Conclusão. VII. Referências bibliográficas.

I. Resumo

O presente trabalho traz à baila a relevância de um tema que, embora recorrente nos estudos de grandes autores, faz-se necessário à persistência de sua investigação, pois, é um assunto sensível e de suma importante para progredirmos enquanto instituições e enquanto democracia.

Há algum tempo o poder judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, vem sendo protagonista de várias controvérsias no cenário jurídico brasileiro, ganhando, neste contexto, o epíteto de guardião da Constituição, e, portanto, da democracia. É nesse sentido que emerge a necessidade de se ter um olhar mais apurado acerca de fatos recentes que encabeçam, de um lado, o judiciário e, do outro, o legislativo.

Atualmente, os holofotes estão voltados para o Supremo Tribunal Federal e muito se questiona sobre seu papel frente às controvérsias a serem resolvidas, bem como sobre a finalidade de se verificar quais critérios de legitimidade estão sendo balizados e os limites dessa atuação.

II. A criação do Estado e a separação dos poderes

 

{C}a.    John Locke e o direito de propriedade

Após Aristóteles, foi John Locke quem enfrentou o tema da divisão dos poderes. O autor inglês carregava consigo os ideais do liberalismo, sendo, inclusive, tido como o mais notável expoente do empirismo, além de ser um dos principais ideólogos do contrato social.

Locke partiu da ideia do estado de natureza, levando em consideração o princípio de que o ser humano não é bom e nem ruim, mas, indiferente, mantendo-se numa posição de neutralidade. Segundo ele, no estado de natureza, o ser humano tende a ser bom, diferentemente da visão hobbeseana.

O insigne filósofo contratualista, John Locke, percebeu, em seus estudos, a existência de alguns direitos, quais sejam: o direito à vida, direito à propriedade e o direito de punir. Mas, não havia apenas estes direitos, pelo contrário, o mesmo imaginava o surgimento de leis, que, de acordo com ele, seriam aplicadas a todos os indivíduos, para tanto, partiu de duas vertentes, as leis da natureza e as leis Divinas.

Para ele, as pessoas são neutras porque as leis não são criação delas, por isso, o estado de natureza de Locke é algo bom, pois as pessoas tendem a ser boas e, sendo assim, não criarão conflitos entre si.

Essa visão de bom, só é possível porque Locke supõe que o individuo já entende a ideia de propriedade privado, respeitando o espaço e o limite do outro. A propriedade privada ganhou uma ênfase especial na sua obra, “Segundo tratado sobre o governo civil[1]”, onde expôs suas ideias acerca da tripartição dos poderes[2].

Portanto, diante disso, faz-se necessário trazer à baila alguns nuances dessa obra que teve como foco a constituição do Estado, onde os indivíduos eram livres para praticar seus atos, levando em consideração certos parâmetros do direito natural.

O estado de natureza preconizado por Locke não afasta a possibilidade de um indivíduo lesar o outro, mas, por entender que o ser humano está propenso a ser bom, como dito linhas atrás, presume-se que se comportem de forma amigável, respeitando os limites do outro, bem como cuidando do local em que habitam. Entende-se que, ao agir assim, o Homem estaria conservando sua espécie, uma vez que evitariam maiores conflitos.

Com o passar do tempo, a sociedade foi evoluindo e as relações entre os indivíduos passaram a ser mais complexas, havendo, assim, a necessidade da criação de leis, onde uma parte dos membros da sociedade ficariam encarregados de elaborá-las, e a outra, de cumpri-las. Estabelecendo-se, assim, os primeiros traços democráticos.    

Com essas novas contingências, surgiu a necessidade não apenas da criação das leis, mas também, de um indivíduo que agisse com imparcialidade, retidão, probo em seus atos e de uma reputação ilibada, nascendo, portanto, a figura do juiz, que tinha o papel de resolver os conflitos existentes entre os indivíduos, aplicando as leis concernentes a cada caso e punindo, adequadamente, os que transgredissem as leis, bem como acompanhar se a punição foi devidamente cumprida.

[...] carece o estado de natureza de um juiz conhecido e imparcial, com autoridade para solucionar todas as diferenças de acordo com a lei estabelecida. Pois sendo cada um, nesse estado, juiz e executor da lei da natureza ao mesmo tempo, e por serem os homens parciais em favor de si próprios, a paixão e a vingança tendem a levá-los muito longe, e com ardor demasiado, em seus próprios pleitos, da mesma foram que a negligência e a indiferença os tornam demasiado descuidados quando se trata de terceiros (LOCKE, 1998, p. 496-497).

Começam a surgir os primeiros traços que emanaram a atividade legislativa e a jurisdicional. A atividade legislativa corresponde à competência de elaborar normas para reger as relações entre os indivíduos na sociedade. No entanto, os responsáveis pela elaboração das leis, acabavam não se submetendo às próprias leis que fizeram, gozando de certos privilégios/regalias em relação aos demais membros da sociedade, indo de encontro com os objetivos pretendidos para a criação da sociedade.

Por isso, tendo em vista esse desequilíbrio, foi necessária a criação do poder executivo, que ficaria encarregado por executar as leis, buscando o bem comum da sociedade e evitando que a lei não fosse cumprida por todos.

Vale salientar que, apesar da obra de John Locke não adentrar especificamente no tema separação dos poderes, ele mostrou, de forma explícita, as divisões das funções dos poderes.

 

{C}b.    Jean Jacques Rousseau e a teoria do contrato social

Rousseau foi, ao mesmo tempo, o mais odiado e amado dentre os filósofos da época, ganhou o título de ser o mais crítico dos filósofos modernos, sendo admirado por revolucionários, como Robespierre, mas, também, foi odiado pela burguesia e conservadores. 

Sua rejeição justificava-se por difundir ideias de que a civilização era a culpada pela degeneração da moral do Homem natural e que o comportamento humano se altera quando almeja ganhos e vantagens pessoais.

É um dos autores contratualistas e possui algumas diferenças e semelhanças com John Locke. Dentre as semelhanças, vislumbra-se a ideia do estado de natureza, que, no entanto, Rousseau vai além do que fora proposto por Locke. O objetivo de Rousseau não é analisar somente o âmbito judicial do Estado, mas, também, aquilo que mantém tal aspecto. Dessa forma, irá voltar-se para o âmbito social, para, a partir daí, mostrar como deveria ser o Estado. E é nesse sentido que ele chegará à conclusão que é a esfera social que ampara o aspecto legal do Estado.

Vale salientar que, ao contrario de Locke, Rousseau dedica-se a análise de três períodos, são eles: estado de natureza, estado de sociedade e o período mais sublime para ele, que é o contrato social.  

O estado de natureza é uma situação na qual não há Estado, assim, a partir dessa premissa, aduz-se que o homem não se relacionava com outros grupos, diferentemente de Locke - em que já havia uma proximidade com outros indivíduos, razão pela qual ele discorre sobre a propriedade privada, negociações entre indivíduos e etc. -, e para Rousseau não, pois, no início da evolução social e intelectual da humanidade, os indivíduos não tinham convívio uns com os outros, por isso que viviam bem no estado de natureza.

Esse convívio entre os indivíduos só era bom porque o indivíduo era dotado de bondade em sua essência. No entanto, chegará o tempo em que os grupos sociais irão se deparar uns com os outros, devido ao crescimento populacional, e quando isso acontecer, irá ocorrer o que Rousseau eternizou numa celebre frase: “o homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe”. É o momento em que uma determinada coletividade passa a conviver com outra, e, nesse momento, o homem passa a buscar não só o que necessita, mas o que ele julga que será necessário. O homem que era bom, agora passa a ser ruim.

Com o surgimento da propriedade privada, surgem também os conflitos, porque os indivíduos passaram a conviver com outros grupos e se corromperam, assim, haverá o desrespeito pela propriedade privada do outro. Para preservar a harmonia e manter o bom relacionamento, surge a necessidade de criação do Estado, que marca o término do estado de natureza e o início do estado de sociedade, o que não é visto com bons olhos por Rousseau (diferentemente de Locke, que considera essa passagem boa), porque esse estado de sociedade vai ter como intuito defender a propriedade privada, o que pode ocasionar alguns transtornos.

  Rousseau parte da premissa de que a propriedade privada irá provocar desigualdade social, segundo ele, o referido estado de sociedade estabelece, formalmente, a isonomia entre os indivíduos, contudo, na prática, os indivíduos são, economicamente, desiguais, pois não gozam das mesmas possibilidades. Outro aspecto relevante que ele considera é que, no estado de sociedade, o aparato legal é voltado para proteger a propriedade privada, assim, no caso de um processo eleitoral, por exemplo, quem tiver maior poder aquisitivo conseguirá ser escolhido.

E, uma vez sendo escolhido, aquele que tiver boas condições financeiras irá contribuir para o aumento do desequilíbrio social, gerando como consequência a falta de liberdade, ou seja, a lei estabelece que os indivíduos gozam de liberdade, porém, isso não acontece efetivamente, por exemplo, o indivíduo tem o direito de transitar livremente de um lugar para outro, no entanto, essa locomoção, muitas vezes, estará condicionada a sua capacidade aquisitiva.

No campo político, a partir da visão de Rousseau, têm-se que os indivíduos escolherão os candidatos que estão disponíveis e não aqueles que realmente queriam ver eleitos. Assim, ante o exposto, infere-se que, para Rousseau, os indivíduos não são completamente livres. A liberdade dos indivíduos nessa sociedade é uma liberdade aparente, enganadora, assim como a ideia de igualdade, isonomia.

Rousseau expõe de forma categórica: a liberdade é aparente, mentirosa, porque não será determinada por A, e sim por B, ou seja, certos indivíduos irão estabelecer regras para outros indivíduos. Com relação à igualdade, ele aponta que esta, encontra-se, apenas, no plano formal, pois na prática, não existe. É por isso que ele considera o estado de sociedade indesejável.

Para mudar isso, Rousseau apresenta o contrato social, onde os indivíduos saem do estado de sociedade (que ele considera indesejável) e ingressam no contrato social, que seria a condição ideal.  Essa condição ideal só seria viável se os indivíduos: a) reconhecessem que no estado de sociedade eles não tinham liberdade e buscassem ser mais participativos, saindo da zona de conforto; b) procurassem introduzir uma democracia direta, onde todos pudessem participar direta e ativamente na tomada de decisões, noutras palavras, passassem a elaborar as leis que eles mesmos irão obedecer.

Neste ponto, Rousseau critica a democracia representativa, pois as leis são feitas pelos representantes, sem a participação direta dos indivíduos que os elegeram, restando a estes, apenas cumpri-las. Segundo Rousseau, para assegurar a liberdade no âmbito político, é preciso que haja uma democracia direta satisfatória, onde os indivíduos, em conjunto, participem ativamente da elaboração das leis.

{C}c.    Montesquieu e a teoria da separação dos poderes

Montesquieu viveu no século XVIII, na França, em meio ao período do absolutismo francês, possuía uma visão liberal, ou seja, o grande foco nos seus escritos é a garantia da liberdade individual. É por isso que ele fará uma análise dos sistemas políticos da sua época, e será considerado como o criador de um dos principais princípios da atualidade, que é o da separação dos poderes. No entanto, para chegar até esse princípio, ele percorreu dois pontos de suma relevância, qual seja: o conceito de lei e a teoria dos regimes, para, enfim, chegar à separação de poderes.

Pra entender o conceito de lei, é preciso perceber que Montesquieu era uma espécie de sociólogo e não se dedicava apenas ao aspecto jurídico, mas, principalmente, aos fatos sociais, e é justamente daí, que vem a ideia para o conceito de lei, quando ele apresenta que as leis são conexões fundamentais que se originam da essência das coisas. Em linhas gerais, levando em consideração que as leis decorrem das relações entre os indivíduos, elas serão elaboradas tomando por base essas correlações, esses acontecimentos.

Para ilustrar melhor esse conceito de lei, Montesquieu utiliza-se do clima e do tamanho do território. Quanto ao clima, ele diz que quando o clima é frio, há condições favoráveis para o aparecimento de uma república, porque com esse clima as pessoas ficariam mais próximas umas das outras e essa aglutinação favoreceria os debates acerca da criação de leis. Em sentido oposto, o clima quente, estaria mais propenso ao despotismo, tendo em vista o afastamento das pessoas. Isso facilitaria com que o déspota criasse leis como bem entender, pois não precisa dos outros por perto para participar, para obter opiniões para criar as leis.

Já em relação ao tamanho do território, o raciocínio seria o mesmo. Em território pequenos haveria uma maior probabilidade do surgimento da república, porque as pessoas estariam próximas, mantendo contato entre si. As pessoas sabem da realidade local e de suas dificuldades, podendo criar leis para satisfazer suas necessidades. Nos territórios de grandes dimensões, haveria a impossibilidade de transporte, bem como de transmissão de informações entre localidades distantes, e isso favorecia o aparecimento do despotismo.

O segundo ponto diz respeito aos regimes, e, adentrando a teoria dos regimes, Montesquieu trabalha com a constituição de um regime politico. Essa noção partia, basicamente, da ideia de quantidade e qualidade, por exemplo, na natureza do despotismo, uma única pessoa governa de forma livre, sem objeções, nem limites. Diferentemente da república, onde todos irão governar. Nesta fase, ele chama atenção pra duas diferenças que se dá no campo da república, que é a república aristocrática e a república democrática. Vale salientar que, a república democrática de Montesquieu seria a mesma situação do contrato social do Rousseau, quando ele fala de democracia direta (todos criam a lei).

Também, tratou da monarquia, na qual uma única pessoa governa, mas, essa única pessoa governa de acordo com leis determinadas, criadas por outro poder, no caso o legislativo. Segundo Montesquieu, o princípio que rege a monarquia é a honra, que é de fundamental importância, pois, será o embrião para o nascimento da teoria da separação dos poderes.

A priori, a honra é encarada com certa repulsa, pois apresenta traços marcantes de individualismo, senão vejamos. No raciocínio de Montesquieu, na medida em que o indivíduo deseja o máximo de honra pra si, fatalmente faz com que o outro seja diminuído, apequenado, ou seja, o individuo quer desenvolver-se e ao mesmo tempo não deseja que o outro se desenvolva, pois, caso isto ocorra, surgirá uma disputa para saber quem será o mais honrado.

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Por fim, Montesquieu trata da separação dos poderes, que foi seu grande trunfo, sendo a sua mais notável colaboração para as gerações vindouras. Uma de suas inovações acerca do tema é a noção de freios e contrapesos, explicitando de que forma um poder vai controlar o outro, que não será apenas através dos mecanismos institucionais de separação dos poderes, mas também, e principalmente, pela questão da honra.

Há um sistema monárquico no qual o governo é representado pelo rei e o poder legislativo representado pelo parlamento. Assim, para serem honrados e reconhecidos como os melhores, os indivíduos buscarão fazer o melhor de si, dessa forma, se o rei tiver essa pretensão, vai fazer com que o parlamento fique ignorado, apequenado. Destarte, o parlamento irá fazer duas coisas: I) cingir o poder do rei; e II) fazer por merecer para ser honrado socialmente. Portanto, esse conceito de freios e contrapesos surge como corolário do princípio da monarquia, que é a honra.

Em síntese, a ideia é a de que quando o rei almejar progredir, o parlamento também fará a mesma coisa, e, quando ambos fizerem isso, um irá controlar o outro, um será o contrapeso do outro. Dessa maneira, é que os indivíduos terão sua liberdade preservada, porque o parlamento irá controlar a atuação do rei e o rei controlará a autuação do parlamento, cada qual com seus mecanismos de controle. Noutras palavras, quando um poder não se sobreleva ao outro, há um equilíbrio, e isso assegura a liberdade dos indivíduos.

Locke, que foi o primeiro a pensar em separação de poderes no sentido moderno, diz, apenas, que é necessária a separação de poderes para que não haja a concentração de poder em um só (que crie e execute a lei). Percebe-se que Locke não fala nada a respeito de equilíbrio, de que um irá controlar o outro. Portanto, essa é uma inovação que Montesquieu trouxe – freios e contrapesos.

Outra grande inovação é a separação da função judiciária. Outros autores já haviam falado da existência da função judiciaria, porem, todos eles deixavam o judiciário como uma função de um dos outros poderes (ou o judiciário seria exercido pelo executivo ou pelo legislativo).

Montesquieu, portanto, diz que a função judiciaria é uma função do estado, a qual precisa de um poder separado, surgindo assim o poder judiciário, que exerce a atividade jurisdicional do Estado de forma independente dos outros poderes. Na sua visão, os poderes são hierarquicamente análogos, ainda que não sejam harmônicos entre si.  

Não são harmônicos porque, segundo Montesquieu, do ponto de vista formal, o poder judiciário é igual aos demais poderes, mas, do ponto de vista político, o poder judiciário é inferior, sendo invisível e praticamente nulo, porque se os indivíduos viverem em harmonia uns com os outros, as demandas serão mitigadas, assim, o judiciário não seria útil, na visão dele.

O segundo ponto de fraqueza do judiciário seria o fato dele ser provisório, e não permanente como nos dias atuais.

III. A evolução histórica, os reflexos do princípio da separação dos poderes e a divisão da função estatal.

Primeiramente, deve-se salientar para a questão do termo empregado, qual seja “separação dos poderes”, pois, pode levar a uma falsa impressão e nos fazer pensar que há poderes estatais paralelos que competiriam ou disputariam entre si a primazia na definição das políticas públicas.

No entanto, não é exatamente isso que ocorre, uma vez que o poder estatal é unitário. O que existe é a divisão funcional do poder, onde separa o poder e atribui, ao mesmo, funções diferentes, estendendo-se a órgãos distintos, por um conjunto de razões de ordem constitucional e institucional.

 Apesar da utilização do nome “separação dos poderes”, o termo é amplamente difundido, sendo um princípio aplicado no sistema democrático e, por causa disso, o termo geral, inclusive previsto na Constituição Federal de 1988, no seu art. 2º. In verbis:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

A origem histórica do termo, remonta ao período da antiguidade, onde já havia um embrião dessa ideia básica. Mas, isso não quer dizer que essa ideia foi teorizada ou desenvolvida com as mesmas nuances que tem nos dias atuais. Cogita-se que em Políbio[3], durante a Grécia Antiga, já se desenvolvia a ideia de que dividir o poder por órgãos e estruturas diferentes, com lógicas e formas de atuação distintas, poderia contribuir tanto para a efetividade do poder quanto para o seu controle e sua legitimidade.

Apesar de advir de uma origem remota, a verdade é que esse conceito se consolida e se sedimenta com as revoluções liberais, notadamente, a partir da revolução inglesa do século XVI em diante, e, sobretudo, nas revoluções francesa e americana. 

A compreensão do contexto histórico ajuda a perceber o real alcance e finalidade desse princípio. A conjuntura histórica dava-se em meio à superação ao absolutismo, ou seja, de um poder extremamente concentrado, e por conta disso, potencial e/ou efetivamente arbitrário.

Quando nas revoluções liberais o povo se organizou por meio da burguesia – que era uma espécie de fio condutor -, para superar esse poder absoluto, concentrado, a ideia de separação dos poderes se impôs como natural. Natural a ponto de a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – declaração dos direitos da revolução francesa -, chegar a dizer que, em um estado onde não houvesse separação dos poderes e garantias dos direitos individuais, não teria Constituição (em seu sentido normativo).

Portanto, desde aquele momento, a separação dos poderes se incorpora como um dogma democrático, um verdadeiro pressuposto da atuação do estado de direito, e, desde então, é reproduzida não só nas Constituições, como também na prática política dos diferentes Estados democráticos.

O Supremo Tribunal federal quando se refere à separação dos poderes, afirma que o objetivo é evitar o surgimento de instâncias hegemônicas de poder, assim, faz-se necessário partilhar esse poder de forma que ele se controle e se mantenha em um estado de normalidade.

Além desse aspecto de controle, também há a ideia de aumentar a efetividade, a eficácia da ação estatal. No entanto, a função de controle desempenha um papel de destaque quando se adota a separação dos poderes.

 As noções ora trazidas, são necessárias para entender, mais adiante, em que medida o judiciário assume um papel de protagonista e de que forma esse protagonista pode ou não significar um desprestígio indevido aos demais poderes. Faz-se pertinente entender como esse princípio se organiza e como impõe determinadas exigências aos poderes.

 Um ponto de grande repercussão dentro do assunto em destaque é o conteúdo jurídico, abordando aquilo que se exige e/ou se determinar a partir da separação dos poderes. Existem duas[4] vertentes basilares que se complementam, proporcionando uma interação relevante entre si, são elas: a ideia de independência orgânica e a ideia de especialização funcional. Apesar de serem autoexplicativos, os termos possuem alguns contornos que merecem ser analisados.

 Adentrando ao tema, independência orgânica, como o próprio nome sugere, é a independência entre os diferentes órgãos que receberam essa partilha do poder politico. Com esse conteúdo, a independência orgânica é inerente ao próprio principio da separação dos poderes, o poder é dividido entre órgãos que têm uma independência entre si, como pressuposto para que haja uma divisão efetiva. Se não houver independência entre eles, continuaria o mesmo sistema de dominação de uma instância central, apenas delegando e coordenando outras instâncias que estariam sob a sua tutela.

Portanto, a independência orgânica é intrínseca à própria ideia de separação dos poderes. Disso, decorre que, cada um dos poderes tradicionais (Judiciário, Executivo e Legislativo), colocam-se num plano de coordenação, e não de subordinação entre si, não havendo hierarquia entre eles e, mais que isso, devem respeito às esferas recíprocas de atuação.

Essa independência orgânica é o motivo pelo qual não se admite que um mesmo agente público exerça, simultaneamente, a função de mais de um poder, pois, acarretaria numa confusão entre os poderes, quebrando essa independência, essa separação original. 

No regime constitucional anterior a 1988, percebeu-se uma clara preponderância do poder executivo, embora a Constituição registrasse, em tese, a separação dos poderes. Vislumbra-se, portanto, que essa preponderância colocava em risco a independência orgânica e, na prática, produzia o domínio de uma instância sobre as outras.

No regime atual - pós 1988 -, há uma independência formal no plano constitucional e há, também, um conjunto de garantias de cada poder, que permite a cada um deles exercer suas funções sem interferências indevidas ou limita essas interferências naquilo que é aceitável e normal na dinâmica política. Isso não significa, porém, que inexista controle entre eles, muito pelo contrário, é normal e desejável que os poderes estabeleçam controle entre si. Desde a Constituição americana, em 1787, já se percebia a incorporação dessa prática democrática, onde os poderes devem se controlar mutuamente, comumente conhecida como “checks and balances”.

No Brasil, esse termo foi historicamente traduzido como freios e contrapesos, que traz a ideia de que a atuação de um poder deve frear os excessos dos outros poderes, tudo isso dentro de uma órbita recíproca. Assim, a atuação coordenada e esses mecanismos coordenados de controle, produzem um estado de equilíbrio/estabilidade, evitando-se arbitrariedades. A Constituição possui vários destes mecanismos, por exemplo, o controle de constitucionalidade se insere nessa lógica de controle recíproco, bem como, a possibilidade que o poder legislativo tem de sustar, suspender, atos do poder executivo que tenham extrapolado o poder regulamentar ou as delegações legislativas.  

A interferência de um poder em relação ao outro, guardadas proporções, não deve ser vista como uma forma de subjugação, e sim, como uma forma de interação para produzir um equilíbrio dinâmico.   

Como dito linhas atrás, o princípio da separação dos poderes divide a função estatal em diferentes seguimentos, que são atribuídas a órgãos distintos: o poder legislativo com a função precípua de inovar o ordenamento jurídico, criando leis; o poder executivo na função típica e dominante de aplicar a legislação de ofício e desenvolver as políticas públicas; e o poder judiciário com a função típica de julgar as controvérsias que surgem. Deve-se salientar que essas funções sofreram uma considerável relativização e há diferentes pontos de interferência.

Essas funções são desenvolvidas com predominâncias e não com exclusividade, portanto, o normal é que cada um dos poderes exerça a função que lhe é típica, mas isso não significa que o exercício de função atípica seja impossível, mais que isso, não significa que o exercício de função atípica não possa ter um papel relevante dentro do sistema constitucional.

Porém, essa função atípica deve ser prevista, não pode ser presumida, pois trata-se de uma exceção a regra geral. Como exemplo, menciona-se o caso do poder executivo, que exerce função legislativa de forma atípica quando edita medidas provisórias (tem eficácia de lei, claro que condicionada a uma série de fatores), de acordo com o que a Constituição estabelece.

IV. A judicialização e o ativismo judicial no atual cenário brasileiro.

A priori, faz-se necessário trazer o conceito de ambos os institutos, tendo em vista que os mesmos, embora parecidos, sejam distintos.

No que diz respeito ao ativismo judicial, Elival da Silva Ramos[5], irá defini-lo como:

[...] exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. Não se pode deixar de registrar mais uma vez, o qual tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de constitucionalidade), quanto o seu espaço de conformação normativa invadido por decisões excessivamente criativas.

O ativismo se caracteriza por ser uma atitude expansiva do poder judiciário em relação a seus atos, acerca de questões que não foram previstas expressamente, como se verá posteriormente.

Já em relação à judicialização, o saudoso autor Marcus Faro de Castro[6], aduz que

A Judicialização da Política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do legislativo e do executivo se mostra falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições ocorre uma aproximação entre “Direito e Política” e, em vários casos, torna-se difícil distinguir entre um “direito” e um “interesse político”.

Noutras palavras, a judicialização caracteriza-se pela transferência de poder que é dado ao judiciário pelas instituições políticas, onde determinadas matérias com um nível de complexidade um pouco maior, tiveram que ser submetidas ao crivo do poder judiciário.

Para Luís Roberto Barroso{C}[7],

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais.

Faz-se pertinente enfatizar que a ascensão do poder judiciário não foi um privilégio apenas brasileiro, muito pelo contrário, trata-se de um fenômeno global, que ganhou maior visibilidade após a II guerra mundial. De lá pra cá, percebeu-se que a existência de um poder judiciário consistente era de suma relevância, tanto para a preservação democrática quanto para a promoção e manutenção dos direitos fundamentais[8].

 Além dessa constatação da importância do poder judiciário, verificou-se também, um progressivo descrédito com a política. Sendo assim, sempre que houver um caso concreto que necessite de resolução e não haja uma norma pronta para saná-lo, o judiciário terá que resolver, terá que decidir, sendo inconcebível que um magistrado alegue lacuna no ordenamento para não julgar.

O fenômeno da judicialização, segundo Luís Roberto Barroso, apresenta, basicamente, três causas[9] que refletiram em âmbito mundial, comumente conhecidas como causas gerais da judicialização. São elas, a ascensão do poder judiciário como uma instituição tenaz, a desconfiança/descrença nas instituições políticas e o fato de instituições políticas se esquivarem de tomar certas decisões, tais como, homossexuais, interrupção de gestação, casamento do mesmo sexo, entre outros assuntos. Portanto, há determinados temas que, pelo fato do legislativo não se posicionar ou se furtar de legislar, o judiciário acaba tendo que intervir quando os problemas surgem.

O Brasil, além das causas citados anteriormente, possui, em especial, duas circunstâncias que reforçam o fenômeno da judicialização. A primeira delas refere-se a seu constitucionalismo abrangente[10], pois o Brasil tem uma Constituição analítica, ou seja, uma Constituição que se dedica ao detalhamento de suas normas, abrangendo os mais diversos temas, dentre eles, os direitos fundamentais, a separação dos poderes, a ordem tributária, social, econômica e etc.

Portanto, levar determinado tema para a Constituição é, de certa forma, retirá-lo da política e levá-lo para o direito, porque na medida em que se tem uma norma constitucional tratando de idosos ou crianças e adolescentes, por exemplo, isso contribui para que as pessoas possam demandar em juízo ações baseadas nessas normas constitucionais.

A segunda circunstância seria o controle brasileiro de constitucionalidade[11], pois o que se percebe é a possibilidade da parte suscitar perante qualquer juízo uma questão constitucional, de modo a possibilitar que a Constituição, que já é abrangente, seja interpretada por qualquer juiz[12] diante de um caso concreto, e, além dos meios incidentais, há o controle por via direta/principal[13], com um rol[14] de legitimados bastante significativo. Tudo isso acaba contribuindo para o fenômeno da judicialização.

É pertinente enfatizar que, ao contrário do que supõe o imaginário social, as decisões do supremo, embora envolvam a judicialização de certas questões, nem sempre são decisões ativistas, mas sim de autocontenção.

Algumas questões bastante complexas foram levadas ao judiciário e decididas de forma a preservar a vontade do legislador, são exemplos: o caso das células tronco, ações afirmativas, lei da copa (que dava vantagem e benefícios para as empresas responsáveis pelas obras).

Nos casos citados acima, percebeu-se que a decisão do judiciário foi chancelando a decisão do poder legislativo, ou seja, validando as leis. Embora a matéria tenha sido judicializada, as decisões tomadas pelo judiciário não tiveram cunho ativista, mas, tão somente, de autocontenção judicial, respeitando as decisões políticas emanadas do Congresso.

Por outro lado, o cenário muda quando o legislativo não atua em uma matéria em que a Constituição demanda sua atuação ou quando estiver em jogo direitos fundamentais. Assim, diante de eventual inércia do legislador ou omissão do executivo, o poder judiciário não só pode como deve atuar, pois o judiciário tem o dever de fazer valer a Constituição, bem como tomar decisões envolvendo os casos concretos, a título de exemplo, enfatiza-se a decisão que confirmou a união homoafetiva – equiparando-as às uniões estáveis -, a interrupção de gestação, fidelidade partidária. Demonstra-se, aqui, o caráter expansivo da atuação do poder judiciário. 

Como os casos se repetiam e a demanda era crescente, e, em não havendo lei, o judiciário estabeleceu, acerca das uniões homoafetivas, que estas deviam ser tratadas como as uniões estáveis comuns, porque se baseiam no mesmo pressuposto, o afeto.

 

V. A Suprema Corte brasileira vista a partir de uma postura contramajoritária e representativa[15]

Embora harmônicos, não são raras as tensões entre o constitucionalismo e a democracia, pois, algumas vezes, a maioria, por ação ou omissão, pode desrespeita os direitos fundamentais das minorias. Portanto, é necessária uma interpretação dinâmica da Constituição, tendo em vista as vicissitudes sociais, objetivando-se a preservação, também, dos direitos das minorias.  Lênio Streck (2009) acerca do tema assevera que,

Se se compreendesse a democracia como a prevalência da regra da maioria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em que este “subtrai” da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, reservadas e protegidas por dispositivos contramajoritários. O debate se alonga e parece interminável, a ponto de alguns teóricos demonstrarem preocupação com o fato de que a democracia possa ficar paralisada pelo contramajoritarismo constitucional, e, de outro, o firme temor de que, em nome das maiorias, rompa-se o dique constitucional, arrastado por uma espécie de retorno a Rousseau.

E é nessa lógica que, para arbitrar tais tensões, faz-se necessário a criação de uma Suprema Corte, de um Tribunal Constitucional.

No caso brasileiro, tem-se o Supremo Tribunal Federal, que detém duas funções[16] importantes. A primeira, que é denominado contramajoritária, ocorre quando a Corte constitucional declara a inconstitucionalidade de uma lei ou anula um ato do Presidente da República, este órgão (STF) faz prevalecer sua vontade sobre a decisão do poder legislativo que criou a lei ou faz prevalecer sua vontade sobre ato do chefe do executivo, ou seja, estabelece-se um confronto com a vontade da maioria para preserva os direitos das minorias.

Essa função contramajoritária sempre ocasionou grande celeuma nos mais diversos campos de discussão no intuito de saber se ela seria ou não democrática. Mas, atualmente, já há um certo consenso de que essa função seja legitima, porque quando o judiciário, em nome da Constituição, em nome dos direitos fundamentais, invalida uma lei ou um ato do executivo, ele está fazendo isso em nome e em reforço da democracia.

Portanto, a doutrina se recompôs no sentido de avaliar melhor essa ideologia contramajoritária, na medida em que o judiciário, em especial os juízes – que não são detentores do voto popular -, podem invalidar decisões do processo político, seja do legislativo ou do executivo. Sempre levando em consideração a Constituição e os limites por ela estabelecidos.   

Existe, também, uma segunda função desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal, que é a representativa. Esta função vem sendo desempenhada gradativamente e isso ocorre quando o processo político não consegue atender no tempo adequado as demandas sociais que vão surgindo, por isso, o judiciário precisa intervir. 

Essa representatividade enfrenta certa resistência por problemas de legitimidade democrática, pois os juízes não passam pelo crivo do voto popular, bem como enfrenta problemas porque o judiciário não pode se furtar do seu papel contramajoritário, que é basicamente de dizer às maiorias que elas podem muito, mas não podem tudo. Tal função representativa deve ser exercida com cautela, parcimônia, razoabilidade, dentro das limitações.

  É necessário levar em consideração a relação do judiciário com outros poderes. Numa democracia os poderes se controlam mutuamente, sendo indesejável a supremacia de uma instituição sobre outra, pois a democracia é feita do equilíbrio entre os poderes.

Quando há esse protagonismo do judiciário diante das omissões legislativas, ele, de certa forma, acaba atuando como um “representante argumentativo do povo”, como bem definiu o insigne autor Robert Alexy[17]:

Todo poder estatal origina-se do povo, exige compreender não só o parlamento, mas também o tribunal constitucional como representação do povo. A representação ocorre, decerto, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal argumentativamente

Portanto, tem-se que a democracia não é feita apenas de votos, mas, também, de direitos e razões. 

Quando o poder legislativo atua fazendo escolhas políticas, tomando decisões e editando leis, ou seja, cumprimento de fato o seu papel, o judiciário, como regra geral, deve respeitar e não interferir. Decisões políticas, via de regra, numa democracia, devem ser tomadas por quem foi legitimado de forma democrática pelo voto. Ocorre que, quando tais decisões quedam-se inertes por parte do legislativo, deve o judiciário exercer um papel atípico.

VI. Conclusão                    

Extrai-se do exposto acima, que é necessário o respeito e a harmonia entre as instituições, no entanto, vale relembrar que os poderes podem se controlar mutuamente, e, nessa esteira, é salutar que o poder judiciário possa intervir em certos casos quando o legislativo seja omisso. Obviamente que esse não é o ideal, pois o legislativo deve ser diligente quanto às suas funções.

Ocorre que, por um motivo ou outro, o legislativo não cumpre seu dever constitucional e acaba se omitindo quanto ao seu papel legiferante. E, quando surgem as controvérsias, não resta outra opção para o judiciário senão intervir e resolver o problema, pois, o que não pode ocorrer é de um caso concreto ser levado ao judiciário e este se furtar de julgar determinada demanda alegando lacuna no ordenamento, devido à falta de uma norma, por exemplo.

Pelo contrário, a sociedade espera que o judiciário seja capaz de resolver os problemas, pacificar os conflitos e garantir a segurança jurídica. Embora os magistrados não tenham sido eleitos pelo povo, eles têm legitimidade constitucional, pois possuem o bafejo da soberania popular, ainda que indiretamente, porque o poder deles advém da Constituição, do poder constituinte originário. Portanto, o judiciário pode rever, sempre em confronto com os parâmetros constitucionais, os atos do poder legislativo.

O ideal seria um poder legislativo atuante, dotado de credibilidade e em perfeita harmonia com as vicissitudes do seu tempo, no entanto, o cenário é completamente adverso do pretendido. É necessária uma reforma no sistema político, pois o sistema atual além de não corresponder aos anseios sociais, consagra a centralidade do poder aquisitivo, não por acaso o financiamento de campanha eleitoral é um dos vários meios que levam a corrupção e ao desperdício de dinheiro.  

Há que se notabilizar a desfuncionalidade do congresso, haja vista o seu descrédito perante a sociedade. Atualmente, tem-se um congresso distante dos seus representados e dividido por setores, onde cada partido busca seu próprio interesse. Desta forma, o povo não se identifica com aqueles que os representam no Congresso, restando ao judiciário, por meio da sua função representativa - como dito anteriormente -, atuar sob a égide da Constituição para dirimir os casos controversos.   

De logo, esclarece-se que além da omissão legislativa, consistente em não editar uma lei que o texto constitucional estabelece, existem várias outras omissões sistêmicas, como por exemplo, a falta de proteção às minorias, a falta das condições mínimas no sistema penitenciário, dentre outras. Portanto, percebe-se que as omissões não são apenas no tocante a elaboração de leis, mas sim, no próprio sistema estrutural.

A jurisdição constitucional deve alternar momentos de prudência, no que tange às decisões políticas dos outros poderes, com momentos de ousadia, quando se tratar de garantir os direitos fundamentais. O poder judiciário não pode ser menos e nem mais do que lhe cabe, devendo, sim, manter um equilíbrio constante na sua atuação.

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