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Averbação da certidão de dívida ativa (CDA) na matrícula imobiliária: proteção à propriedade e à satisfação do crédito público

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15/01/2017 às 11:02
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Averbação da Certidão de Dívida Ativa – CDA na Matrícula do Imóvel de titularidade do sujeito passivo como instrumento de fomento à satisfação do crédito público

Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 ( Lei nº 13.080/15), o crédito em Dívida Ativa da União, em 2013, chegou a R$ 1,273 trilhão. Desse total, apenas 1,8% (R$ 23, 4 bilhões) foi recuperado pelo Executivo. No mesmo ano, a arrecadação de todos os tributos federais chegou a R$ 1,13 trilhão, 11% a menos do que o valor devido por contribuintes ao fisco. 2

De acordo com o Relatório Justiça em Números 20163 do CNJ, esse tipo de processo representa 39% do total de casos pendentes e 75% das execuções pendentes no Poder Judiciário. Os processos desta classe apresentam alta taxa de congestionamento, 91,9%, ou seja, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados.

Por demanda do Conselho Nacional de Justiça, (CNJ), entre novembro de 2009 e fevereiro de 2011, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) executou o projeto de pesquisa denominado Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal da União4, com a finalidade de determinar qual o tempo e o custo de tramitação das ações de execução fiscal na Justiça Federal.

Em tal pesquisa se apurou que o objetivo maior do processo de execução fiscal, que é a localização do patrimônio do devedor para a satisfação do crédito público, é alcançado, em média, 6 (seis) anos após o ajuizamento do executivo fiscal.

Ao propor medidas saneadoras das deficiências congênitas do processo executivo fiscal, a partir dos dados apurados na emérita pesquisa, pontuou o diligente pesquisador coordenador Alexandre dos Santos Cunha que:

“Se a citação pessoal válida e imediata, seguida da localização e penhora dos bens, é tão importante para o sucesso do executivo fiscal, como indicam os dados previamente apresentados, a gestão com foco em resultados preocupar-se-ia mais com estratégias de localização do executado e de seus bens que com o mero cumprimento formal das atividades cartorárias que lhes são subjacentes.”

Inobstante não se tenha, na meticulosa pesquisa, contabilizado o interregno entre a inscrição em dívida ativa do crédito tributário e a propositura do executivo fiscal, certo é que entre a expedição da CDA e a localização de bens do sujeito passivo, no bojo do executivo fiscal, ocorre um hiato que faculta a dilapidação do patrimônio dos devedores e corresponsáveis tributários e, ao mesmo tempo, estimula o não pagamento dos tributos,

Em verdade, a não averbação da CDA na matrícula do imóvel do sujeito passivo ensejará, na hipótese de eventual alienação ou oneração sucessivas de tal, um processo judicial sem resultado, com ajuizamento de intermináveis embargos de terceiros. Assim, frustra-se sobremaneira a possibilidade de recuperação do crédito fiscal e estimula-se a judicialização da questão.

Já se for, na fase administrativa da cobrança da dívida ativa, levada a efeito pela autoridade fiscal a averbação da CDA na matrícula do imóvel do sujeito passivo, o crédito fiscal já estará garantido, obtendo-se, em tese, efeito similar a averbação da penhora deflagrada por ordem judicial no executivo fiscal, ainda que haja alienações sucessivas, já que tal ônus originário estará publicizado, de forma ostensiva, na matrícula do imóvel. Isso porque os eventuais adquirentes, ainda que ultimadas alienações sucessivas no interregno entre a averbação da CDA e da propositura do executivo fiscal, já estarão cientes, por meio da averbação notícia da inscrição da CDA na matrícula, que tal bem, em caso de insolvência do sujeito passivo primevo, estará reservado para o pagamento da respectiva dívida fiscal.

Seguindo essa ordem de ideias, Luciano Amaro pontua que:

“ Em suma, sem embargo dos desencontros dessas lições, a presunção na redação anterior do preceito legal, instaurava-se a partir da propositura da ação de execução até a penhora. No novo texto, a presunção atua desde a inscrição da dívida. Após a penhora, o crédito fiscal já está garantido, o que afasta a ideia de fraude em eventual alienação de bens que o executado realize. Registre-se, apesar de óbvio, que a presunção só cabe se a alienação puser o sujeito passivo em situação de insolvabilidade. Se o devedor possui outros bens que possam garantir a execução não há motivo para impedir que negocie livremente algum bem de seu patrimônio. (Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473)

Nesse diapasão, a averbação da CDA na matrícula do bem imóvel representará um procedimento prévio de cobrança administrativa do crédito fiscal, com um efeito imediato (averbação da dívida fiscal na matrícula) sem necessidade de decisão judicial ou ajuizamento da ação de execução fiscal. Por tal mecanismo, há uma legítima expectativa de que o devedor e/ou corresponsável tributário liquidem a dívida até mesmo extrajudicialmente, a fim de que eventual averbação no Cartório de Registro de Imóveis seja cancelada, evitando-se, pois, o contencioso judicial.

Em decorrência, a averbação da CDA na matricula imobiliária, especificamente de créditos tributários, objeto ou não de ação de execução fiscal, emitida em nome do devedor e/ou corresponsável tributário, vai mitigar a possibilidade de fraude, incentivará os meios administrativos de cobrança extrajudicial dos créditos fiscais e resguardará os interesses dos pretensos adquirentes de imóveis de titularidade do sujeito passivo.

Nessa toada, o Provimento nº 32/2015 da Corregedoria Geral da Justiça do Espirito Santo regulamentou a averbação da CDA na matrícula do imóvel do sujeito passivo, por meio da inclusão do item 26, no inciso II, do artigo 1.068, do respectivo Código de Normas, com a seguinte redação:

26) da certidão de dívida ativa (CDA) especificamente de créditos tributários, objeto ou não de ação de execução fiscal, emitida pela Fazenda Pública do Estado do Espírito Santo em nome do devedor e/ou do corresponsável tributário.

Vale lembrar que o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter)5, regulamentado pelo Decreto nº 8.764, de 10 de maio de 2016, ao concentrar todos os indicadores pessoais nacionais em base de dados única gerida pela Receita Federal, facilitará a localização do patrimônio imobiliário do sujeito passivo inscrito em dívida ativa.

Destarte, o intercâmbio efetivo das informações entre os atores envolvidos (Receita Federal e Cartórios de Registro de Imóveis) pelo Sinter, a respeito do devedor e seus bens, torna o ambiente propício à imediata averbação da CDA na matrícula , de modo a tornar mais rápidas e efetivas tanto a citação, quanto a penhora, dando, assim, eficiência e efetividade ao executivo fiscal, quando não quitada a dívida na fase extrajudicial.

Outro aspecto de extremo relevo para se ultimar a averbação da CDA na matrícula do imóvel de titularidade do devedor e/ou corresponsável tributário reside no interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidade sociais, ou seja, dos direitos sociais ou prestacionais, especialmente em tempos de austeridade fiscal, capitaneados pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que limita por 20 anos os gastos públicos.

Como visto, tal avanço na publicização do débito tributário, por meio da averbação da CDA, na esteira da emérita iniciativa capixaba, fomentará a proteção do direito civil fundamental à propriedade e, ao tornar mais eficiente e efetiva a cobrança judicial e extrajudicial dos créditos tributários, dos direitos sociais ou prestacionais, potencializando, inclusive, o Programa Nacional de Governança Diferenciada das Execuções Fiscais da Corregedoria Nacional de Justiça, instituído pelo Provimento nº 57, de 22 de julho de 2016.


Dos emolumentos para averbação da CDA : averbação sem valor declarado

A averbação da certidão de dívida ativa expedida pela União, Estados ou Municípios, com lastro no artigo 167, II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73, por ser destinada a mera publicidade da existência da inscrição administrativa de débitos tributários não pagos do titular do direito real, versa acerca de hipótese de averbação sem valor declarado.

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Ademais, a publicidade é o único objetivo da averbação de que se trata no caso, não se confundindo com a futura e eventual averbação da penhora que tem regulamentação própria nas tabelas de emolumentos dos Estados federados.

É digno de nota ainda que a União Federal estará isenta do pagamento de custas e emolumentos pela averbação da CDA, por força do Decreto-Lei nº 1.537/77, recepcionado pelo art. 236, § 2º, da Constituição Federal, tendo em vista que compete a União fixar normas gerais acerca dos emolumentos dos serviços extrajudiciais (Lei Federal nº 10.169/2000), conforme robusta fundamentação lançada no ADI 1800/STF.


CONCLUSÃO:

A averbação da Certidão de Dívida Ativa – CDA de créditos tributários, objeto ou não de ação de execução fiscal, emitida pela União, Estados ou Municípios, na matrícula do imóvel de titularidade do devedor e/ou corresponsável tributário, com lastro no artigo 167, inciso II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73, de modo a publicizar nos livros fundiários tal circunstância extra-tabular que pode afetar a aquisição desses bens, tutelará a boa-fé, dará impulso ao comércio jurídico, diminuirá custos transacionais, blindará o fisco contra a dissipação patrimonial do bens do devedor, fomentará mecanismos extrajudiciais de cobrança do crédito tributário e tornará mais eficiente e efetivo o executivo fiscal.


Notas

1 No mesmo sentido: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS.  1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC.     2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.     3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais.”(Supremo Tribunal Federal. RG no REsp 914.045, Rel. Min. Edson Fachin, DJ 19.11.2015)

2 MIRANDA, Tiago. Dívida ativa supera arrecadação; propostas para agilizar cobrança não andam. Brasília. Câmara Notícias. Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/480908-DIVIDA-ATIVA-SUPERA-ARRECADACAO-PROPOSTAS-PARA-AGILIZAR-COBRANCA-NAO-ANDAM.html . Acesso em 30.12.2016.

3 Justiça em números 2016: ano-base 2015/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2016.

4 CUNHA, Alexandre dos Santos et al. Custo unitário do processo de execução fiscal na Justiça Federal. Brasília: Ipea; CNJ, 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_custounitario.pdf>. Acesso em 03.01.2017.

5 Sinter apoiará o combate á sonegação e á lavagem de dinheiro. Brasília: Portal Planalto: 2016. http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/12/Sinter-apoiara-o-combate-a-sonegacao-e-lavagem-de-dinheiro Acesso em 03.01.2016.

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Sobre o autor
Jeferson Luciano Canova

Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP). Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANOVA, Jeferson Luciano. Averbação da certidão de dívida ativa (CDA) na matrícula imobiliária: proteção à propriedade e à satisfação do crédito público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4946, 15 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54980. Acesso em: 2 mai. 2024.

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