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Averbação da certidão de dívida ativa (CDA) na matrícula imobiliária: proteção à propriedade e à satisfação do crédito público

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15/01/2017 às 11:02
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A averbação da certidão de dívida ativa – CDA na matrícula imobiliária tutelará a boa-fé, dará impulso ao comércio jurídico, blindará o fisco contra a dissipação patrimonial dos bens do devedor e fomentará mecanismos extrajudiciais de cobrança dos tributos.

O direito à informação veiculado por meio da publicidade imobiliária, bem como as possibilidades de aperfeiçoamento da cobrança dos créditos públicos, vem repisando a necessidade da averbação da Certidão de Dívida Ativa – CDA de créditos tributários, objeto ou não de ação de execução fiscal, emitida pela União, Estados ou Municípios, na matrícula do imóvel de titularidade do devedor e/ou corresponsável tributário.

Isso porque a cláusula geral lançada no artigo 167, inciso II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73, em alinhamento às novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas e morais, é instrumento hábil para permitir o ingresso na matrícula imobiliária de informações relevantes a terceiros, por meio das quais o direito dos demais pares sociais se realize em melhores condições.

Nessa toada, faz-se mister pequena reflexão quanto aos antecedentes que deságuam na necessidade da averbação da CDA nos livros fundiários e sua correlação com o sistema protetivo da propriedade e do crédito público.


Da inexigibilidade da certidão negativa de débitos para alienação de bens imóveis

O arquétipo protetivo do crédito público lançado na Lei Federal nº 8.212/91 – Lei de Organização da Seguridade Social - condicionou a alienação ou oneração de direitos reais à apresentação da certidão negativa de débitos da empresa, ou equiparados, conforme dicção do artigo 47 :

“ Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.4.95).

I - da empresa:

[...]

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;”

Ocorre, no entanto, que a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) e o Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgãos integrantes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que balizam a atuação dos serviços extrajudiciais, mandam que se dispensem a apresentação das certidões negativas de dívidas tributárias e previdenciárias federais para alienação ou oneração de bens imóveis, ou dos respectivos direitos reais, de empresas, ou equiparados, desde o julgamento da Apel. Cív. 0003435-42.2011.8.26.0116, em 13.12.2012 (DJ 30.01.2013) que se reproduz:

“ A segunda exigência mantida pela r. sentença diz que, para o registro pretendido, é necessário apresentar a CND do INSS e a CND conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União, conforme o regramento do art. 47, I, "b", da Lei nº 8.212/91, e da instrução normativa nº 93/2001, da Receita Federal.

O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88:

‘Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I - transferência de domicílio para o exterior;

(…)

III - registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

IV - quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:

a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.’

Interessa, para o caso em exame, o inciso IV, alínea "b", que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

No caso posto, para o registro da escritura pública de partilha e adjudicação, está-se exigindo que o apelante apresente as CNDs do INSS e dos tributos federais em nome da autora da herança.

Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.” (Conselho Superior da Magistratura, Rel. Des. José Renato Nalini)1

Nesse sentido, confiram-se: (a) para a CGJ: Proc. 62.779/2013, j. 30/07/2013, DJ 07/08/2013; e Proc. 100.270/2012, j. 14/01/2013 (b) para o CSM: as Ap. Cív. 0015705-56.2012.8.26.0248, j. 06.11.2013, DJ 06.11.2013; 9000004-83.2011.8.26.0296, j. 26.09.2013, DJ 14.11.2013; 0006907-12.2012.8.26.0344, 23.05.2013, DJ 26.06.2013; 0013693-47.2012.8.26.0320, j 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0019260-93.2011.8.26.0223, j. 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0021311-24.2012.8.26.0100, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0013759-77.2012.8.26.0562, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0018870-06.2011.8.26.0068, j. 13.12.2012, DJ 26.02.2013; 9000003-22.2009.8.26.0441, j. 13.12.2012, DJ 27.02.2013; 0003611-12.2012.8.26.0625, j. 13.12.2012, DJ 01.03.2013; e 0013479-23.2011.8.26.0019, j. 13.12.2012, DJ 30.01.2013.

Com efeito, os Tabelionatos de Notas e os Serviços de Registro de Imóveis bandeirantes passaram a não mais exigir a certidão negativa de débitos de tributos ou contribuições federais para alienação ou oneração de bens imóveis, tanto por ocasião da lavratura de escrituras, quanto por ocasião do registro, das empresas ou equiparadas, em obediência às prescrições vertidas pelos órgãos censórios paulistas.

Nessa quadra, criou-se um círculo vicioso que facilita o não pagamentos dos créditos da União, uma vez que, entre a inscrição em dívida ativa e a propositura do executivo fiscal, ocorre um hiato que faculta a dilapidação do patrimônio imobiliário dos devedores e, ao mesmo tempo, estimula o não pagamento dos tributos.


Fraude fiscal : presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução

A inexigibilidade das certidões negativas de débitos de tributos e contribuições federais para alienação ou oneração de bens imóveis, ante a novel redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005 ao art. 185 do Código Tributário Nacional, criou um potencial vício oculto nas alienações operadas pelo devedor ou corresponsável com crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa, de modo que se presumirá fraudulenta a alienação ou oneração de tais bens, se o vendedor, por isso, for reduzido a insolvência.

Desse modo, a fraude fiscal, para sua configuração, sob a égide do novel art. 185 CTN, demanda tão somente a redução do sujeito passivo à insolvência, por conta da alienação ou oneração de bens, quando inscrito em dívida ativa, por crédito tributário, na esteira do prefalado artigo:

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. “

Outrossim, mercê da mitigação da presunção de fraude na execução civil privada, por força da Súmula n.º 375 do Egrégio STJ, o fenômeno é indiferente quanto à execução fiscal, cujo escopo não visa interesse particular, senão público, como destaca a melhor doutrina tributária, verbis:

“A presunção de fraude na alienação de bens é mais uma garantia do crédito tributário. Presume-se fraudulenta, diz o art. 185 do CTN, a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa . Assim, se alguém é devedor de tributo e vende ou por qualquer outra forma aliena algum bem depois de inscrito o seu débito tributário como dívida ativa, essa alienação se considera fraudulenta. Presume-se que o ato de alienação teve por objetivo frustrar a execução do crédito tributário. Cuida-se de presunção legal absoluta, isto é, que não admite prova em contrário. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211)

Tal concepção galgou contornos mais nítidos com o recente julgamento do Recurso Especial n. 1.140.990/PR, resolvido sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), no qual se decidiu que a Súmula n. 375 do STJ não se aplica às execuções fiscais. Pela relevância do julgado, transcrevem-se alguns trechos de sua ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC.  DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO - DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118⁄2005. SÚMULA 375⁄STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais. (...) 5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas. (...) 9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (...) (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das "garantias do crédito tributário"; (...) 11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008".

Destarte, a novel redação do artigo 185 do CTN trouxe uma espécie de cognoscibilidade legal da fraude fiscal, quando houver a alienação ou oneração de direito real de titularidade do sujeito passivo, inscrito em dívida ativa Federal, Estadual ou Municipal, e, por isso, for reduzido a insolvência, criando um “ônus oculto” aos interesses dos potenciais adquirentes.


Averbação da Certidão de Dívida Ativa – CDA na Matrícula do Imóvel de titularidade do sujeito passivo como mecanismo de proteção ao direito civil fundamental à propriedade

Faz-se mister combater os ônus ocultos, atacar os gravames opacos, guerrear as constrições que insistem em transcender os limites subjetivos dos processos administrativos em que nasceram, alcançando terceiros e tomado de assalto o adquirente de boa-fé.

A supressão da informação no fólio real prospera por não se cumprir, desde muito cedo, o robustecimento da publicidade registral lançado na Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), que visou a concentração, na matrícula, das informações e circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas, com reflexo, em suma, transcendental a terceiros de boa-fé.

O direito à informação, pois, é um direito-meio, isto é, um pressuposto para que o direito subjetivo dos demais pares sociais se realize em melhores condições. Assim, como corolário da proteção do direito civil fundamental à propriedade dos terceiros de boa-fé, mister a averbação da certidão de dívida ativa na matrícula do imóvel de propriedade do respectivo sujeito passivo, com lastro no artigo 167, II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73, in verbis:

“Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

[…]

II - a averbação:

[…]

5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas;“ (grifo nosso)

Com efeito, de rigor a aplicação da interpretação evolutiva (progressiva ou adaptativa) ao texto cunhado na parte final do artigo 167, II, 5, da Lei Federal nº 6.015/73, notadamente “outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas”, para autorizar a averbação da certidão de dívida ativa na matrícula do imóvel de titularidade do sujeito passivo, haja vista que a inscrição em dívida ativa, ante os efeitos previstos no art. 185 do CTN, tem irrefutável influência na disponibilidade jurídica do direito lançado no registro e, portanto, nas pessoas nele interessadas.

O lançamento do titular do direito real na dívida ativa, por créditos fiscais, restringe o direito de propriedade de forma considerável, como visto, de modo a justificar a inscrição da CDA no fólio real. Trata-se, portanto, de informação de suma relevância para qualquer um que se interesse pela aquisição da propriedade do sujeito passivo inscrito em dívida ativa. Não parece razoável que circunstância que limita tanto o direito de propriedade não conste do registro, cuja função principal é justamente reunir informações relevantes do imóvel matriculado.

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Nesse norte, a interpretação evolutiva propõe adaptar a lei às novas contingências, à evolução, ao progresso. Cumpre sublinhar, todavia, que o intérprete não cria a norma, limitando-se a revelar o seu conteúdo, consoante outra complexidade de fatores. Por isso, tal forma de interpretação não ofende o princípio da legalidade. A meta da interpretação é a adaptação da lei às necessidades e concepções do presente.

O fenômeno da interpretação evolutiva deita efeitos até no texto constitucional, segundo o eminente Ministro Gilmar Mendes, em obra doutrinária escrita em coautoria com Paulo Gustavo Gonet Branco, que o descreve como sendo “ uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto" (Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo : Saraiva, 2013, p. 134).

No mesmo sentido, cita-se a lição do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, também em obra doutrinária, quando explicita que “a interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes” (Interpretação e aplicação da constituição. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 151).

Calha, nesse sentido, a lição do preclaro Hungria:

“A lei não pode ficar inflexível e perpetuamente ancorada nas ideias e conceitos que atuaram em sua gênese. Não se pode recusar, seja qual for a lei, a denominada interpretação evolutiva (progressiva, adaptativa). A lógica da lei, conforme acentua Maggiore, não é estática e cristalizada, mas dinâmica e evolutiva. ‘Se o direito é feito para o homem e não o homem para o direito, o espírito que vivifica a lei deve fazer dela um instrumento dócil e pronto a satisfazer, no seu evoluir, as necessidades humanas’.

No estado atual da civilização jurídica, ninguém pode negar ao juiz a faculdade de afeiçoar a rigidez da lei ao progressivo espírito da sociedade, ou de imprimir ao texto legal a possível elasticidade, a fim de atenuar os contrastes que acaso surjam entre ele e a cambiante realidade. Já passou o tempo do rigoroso tecnicismo lógico, que abstraía a lei do seu contato com o mundo real e a consciência social. O juiz pode e deve interpretar a lei ao influxo de supervenientes princípios científicos e práticos de modo a adaptá-la aos novos aspectos da vida social, pois já não se procura a mens legis no pensamento do legislador, ao tempo mais ou menos remoto em que foi elaborada a lei, mas no espírito evoluído da sociedade e no imanente, que se transforma cm o avanço da civilização”. (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. V, 1958, p. 87-88).

Nenhum ramo do Direito, portanto nem o Direito Registral, é algo fixo e inalterável dentro do marco da lei, que só contemplaria de modo retrospectivo a época em que a lei surgiu. Assim, o intérprete, na interpretação progressiva (adaptativa ou evolutiva), procura adaptar a lei às necessidades e concepções do presente, identificando novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que auxiliem na aplicação da lei registral.

Nesse norte, no REsp 726.323/SP, publicado no DJe de 17.08.2009, o Ministro Mauro Campbell Marques do Superior Tribunal de Justiça, ressalvou a utilidade da averbação da CDA na matrícula, apesar de se curvar a jurisprudência da casa, no sentido de que a Súmula nº 375 não se aplica ao art. 185 do CTN, verbis

 “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 185, DO CTN. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA N. 375, DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente" (Enunciado n. 375 da Súmula do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 18⁄3⁄2009). 2. Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: a) Na redação anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação válida em processo de execução fiscal prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas até 8.6.2005); b) Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005); c) A averbação no registro de imóveis da certidão de inscrição em dívida ativa, ou da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ou da penhora cria a presunção absoluta de que a alienação posterior se dá em fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente; (...)” (grifamos)

Não se defende aqui a averbação na matrícula de todo tipo de informação, sem nenhum controle, mas apenas daquelas que, por sua relevância, interessem a terceiros, como é o caso do titular de direitos reais inscrito em dívida ativa em que o art. 185 do CTN confere presunção absoluta de fraude fiscal às respectivas alienações ou onerações por ele instrumentalizadas, quando, por isso, for reduzido a insolvência.

Não se olvida que o tratamento uniforme do ingresso da CDA perante os 3.479 Cartórios Imobiliários brasileiros aconselha a expedição de regulamento pelo CNJ (art. 103-B, §4º, I, da CF) ou pelo Presidente da República (art. 84, IV, da CF), disciplinando o artigo 167, II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73, para homogenizar a dinâmica da averbação da certidão de dívida ativa – CDA, na matrícula imobiliária do devedor ou corresponsável tributário, com vistas a preservação da segurança jurídica nas transações imobiliárias, evitando as transmissões fraudulentas e assegurando ao adquirente do imóvel as vantagens econômicas derivadas da certeza do domínio.

O efeito da privação de tal informação dos livros fundiários é deletério para a segurança das transações imobiliárias. O eventual comprador, por exemplo, de bem imóvel de titularidade do devedor e/ou corresponsável tributário, será privado do conhecimento acerca da respectiva inscrição em dívida ativa, por não ter sido levada a efeito a averbação da Certidão da Dívida Ativa em tal matrícula, na forma prescrita pelo artigo 167, II, 5, “in fine”, da Lei Federal nº 6.015/73.

Desse modo, a averbação da certidão de dívida ativa, na matrícula do bem imóvel de titularidade do devedor e/ou corresponsável tributário, torna-se num mecanismo destinado a preservar a segurança jurídica quanto a terceiros de boa-fé, conferindo maior concretude a um dos vetores que orientam os registros públicos, que é a publicidade, protegendo, assim, o direito civil fundamental à propriedade.

Outrossim, a averbação da CDA não impedira a alienação ou oneração do imóvel, ou seja, não limitará a disponibilidade jurídica do bem imóvel ou de direito real, cingindo-se a publicizar a terceiros de boa-fé que tal bem, caso o sujeito passivo, pelo ato de disposição patrimonial, fique reduzido à insolvência, suportará os encargos da futura execução fiscal, independentemente da boa ou má-fé do adquirente.

A averbação da CDA também vem ao encontro do princípio da concentração de informações na matrícula imobiliária, lançado no artigo 54 da Lei Federal nº 13.097/52015, fundindo, em um só lugar, as informações fiscais geradas pela União, Estados e Municípios que possam afetar a segurança jurídica adrede ao tráfego imobiliário.

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Sobre o autor
Jeferson Luciano Canova

Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP). Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANOVA, Jeferson Luciano. Averbação da certidão de dívida ativa (CDA) na matrícula imobiliária: proteção à propriedade e à satisfação do crédito público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4946, 15 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54980. Acesso em: 19 abr. 2024.

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