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Os métodos consensuais no novo código processual e os modelos de juiz:

a institucionalização do mediador "Hermes"

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28/04/2017 às 12:38
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5. O que se espera do processo

Retorna-se ao ponto fulcral da discussão, ao indagar qual o modelo de processo que mais se alia ao status jurídico contemporâneo, aquele que propugna a participação ativa de todos os envolvidos, ou aquele que confia que o magistrado é capaz de extrair a “verdade real” do caso concreto?

Neste momento surge um adendo fundamental, que permeia a visão holística da discussão, visto que a construção da resposta ao problema individual, entendida no sentido da intersubjetividade proposta pelo Novo CPC alcança a postura histórico/cultural do brasileiro em relação à atividade judiciária.

Da mesma forma que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, espera-se uma participação efetiva do jurisdicionado na construção da decisão que melhor se amolda a seu litígio, pugna-se, também, que a construção de melhorias sociais não fique (demasiadamente) a critério da magistratura (notadamente na atuação do Supremo Tribunal Federal).

Afinal, o que se pretende com esta afirmação é que a participação do jurisdicionado na construção da decisão sirva como fonte de inspiração à participação do cidadão no estabelecimento dos programas traçados pela Constituição Federal, entendendo a atividade política como processo de emancipação política, não no sentido do “agir comunicativo” habermasiano, mas notadamente sob a perspectiva do “mitsein” de Heiddegger, o “ser-com”, ou seja: o processo é intersubjetivo.       

A formação histórico/cultural atua de maneira significativa no momento de discorrer sobre o que se espera do processo judicial. Como foi visto em outro momento, o modelo constitucional francês foi calcado na desconfiança em relação à atuação do juiz, já que este representava, no regime anterior, notório enlace com o rei soberano, tanto que o controle repressivo de constitucionalidade só foi adotado em 2009. No Brasil, pode-se destacar situação, muito, diferente.

Não vem ao caso adentrar neste mérito, mas somente confirmar que o processo intersubjetivo e democrático se faz com diálogos, intermediações. É neste contexto quer surge a figura do mediador, do conciliador.  

Com amparo nos argumentos já exarados, entende-se que o novo modelo processual significa mais que a busca por uniformização da jurisprudência e “desafogamento” do judiciário, isto porque simboliza a colocação do Direito em seu máximo viés democrático, ampliando o acesso à justiça ao alocar a parte como participante ativa na construção da decisão – surgindo o mediador e o conciliador como peças importantes no jogo processual.


6. A atividade do conciliador e do mediador no contexto do novo CPC

Neste ínterim, a atuação dos conciliadores e mediadores judiciais ganha destaque e merece considerações precisas. Veja-se que muito se discute sobre a formação necessária à prática de tais atividades, se tais profissionais devem possuir formação em Direito, Psicologia, ou ambas, ou nenhuma.

Ocorre na prática o curso de formação que é fornecido pelo Tribunal de Justiça e por instituições educacionais autorizadas.

Em virtude da atuação destacada que os conciliadores e mediadores ganham neste novo paradigma, o Código de Processo Civil traz regras também sobre a formação, aperfeiçoamento dos profissionais e locais envolvidos, nos artigos 165 e seguintes.

Desta forma, o CPC dispõe sobre a necessidade de criação de centros judiciários especializados; a observância das normas elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça; as diferenças primordiais entre as funções do conciliador (quando não há vínculo anterior entre as partes e a possibilidade de emitir opiniões na tentativa de solucionar o litígio) e do mediador (quando há vínculo anterior entre as partes e a possibilidade apenas de auxílio na compreensão das questões referentes aos interesses em demanda); princípios aplicados (independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada); registro dos profissionais em cadastro oficial, realização de curso conforme estabelecido pelo CNJ e Ministério da Justiça; preenchimento dos cargos por concurso público ou não; escolha do conciliador ou mediador pelas partes; remuneração, impedimentos e punições aos conciliadores e mediadores; e a criação de centros no âmbito dos entes federativos para aplicação no âmbito administrativo.

Assim, vê-se o detalhamento trazido pela legislação em relação ao assunto, o que corrobora a relevância do tema.

Neste cenário, seguindo a ideia de Pinho, que faz interessante diálogo com Bauman, “o direito em um Estado Democrático é líquido e denso ao mesmo tempo” e “esta liquidez jurídica se dá por meio da equidade e permite ao direito preencher os buracos nas relações sociais”.[16]

Esse preenchimento, como foi visto nos parágrafos introdutórios, deve ser feito com a participação das partes, de maneira que elas próprias consigam chegar ao deslinde necessário. Destarte, a interação entre as pessoas envolvidas no litígio simboliza um novo modo do “fazer direito”, por meio do estabelecimento de regras procedimentais rígidas, que devem ser observadas; e da participação atuante das partes com o auxílio de um participante “médio”, com uma visão imparcial (ou neutra), que palpita (conciliador) ou facilita o diálogo (mediador). Mediadores e conciliadores atuam neste sentido como intérpretes do caso concreto e do texto legal, passando às partes as vantagens da solução pacífica e seus limites legais.


7. Hermes, o mediador

Na maioria das interpretações (levando em consideração que há inúmeras, como as de Homero e Ésquilo), Hermes é considerado o responsável pela “tradução” ou interpretação das palavras dos deuses aos humanos, por isso que para muitos é considerado um “semideus”, já que em contato com as duas esferas.

Aristóteles também discorreu sobre, inclusive ao sistematizar o conceito da hermenêutica, a partir dos atributos de Hermes. Na mitologia romana, Hermes é Mercúrio, na egípcia se junta com Toth e vira Hermes Trismegisto - o três vezes grande.

Interessante notar que Hermes traduzia a linguagem dos deuses para os humanos, ou seja, para aqueles que não tinham tal conhecimento, corroborando a discricionariedade de sua atividade. E, apesar disso (ou por isso), Hermes era para muitos: traiçoeiro e maldoso.

Impossível discorrer no momento sobre todos os atributos de Hermes, de modo que, para o presente artigo, vale considera-lo como intérprete da linguagem dos deuses. Assim, o deus Hermes é mediador, assim como – simbolicamente claro - aquele que atua nos processos judiciais atuais.

Outra vez Humberto de Pinho ensina que:

Vale recordar que Hermes é o deus da comunicação, da circulação, da intermediação; é um interprete, um mediador, um porta-voz. A ideia é a de que o direito, como signo linguístico que ontologicamente é, sempre necessita de interpretação e, portanto, é inacabado; permanece continuamente se realizando (caráter hermenêutico ou reflexivo do juízo jurídico). [17]

Posto isso, considerando todas as informações trazidas no corpo do trabalho, deve-se concluir a importância desta reflexão acerca da função simbólica do mediador/conciliador como garantidor da interação entre as partes, e do arcabouço de princípios que marcam o novo Processo Civil.

Neste momento, far-se-ão comentários sobre a institucionalização da ideia simbólica de Hermes como mediador nas demandas judiciais (também na seara pré-processual), no seio de interessante programa desenvolvido no Tribunal de Justiça de Goiás.  


8. O programa “Mediar é divino” e a institucionalização de “Hermes”

A partir de outubro de 2015 os Tribunais de Justiça de Goiás e, posteriormente, do Distrito Federal, estabeleceram o programa denominado “Mediar é Divino”, iniciativa que busca dar efetividade a resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do TJ “no sentido de manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política das metas”[18], que consiste, de acordo com informações do próprio site do TJ/GO, em uma preparação de líderes religiosos e pessoas praticantes, das mais diversas crenças e manifestações, para aplicar as técnicas de mediação no seio de suas instituições, fomentando a prática de técnicas conciliatórias em possíveis litígios entre os fiéis.

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O juiz coordenador do projeto em Goiás, Paulo César das Neves, em entrevista concedida à Revista Justiça & Cidadania[19] explica que “o ‘Mediar é Divino’, além de contribuir para a redução da taxa de congestionamento do Poder Judiciário, implementa efetiva aproximação da Justiça com a sociedade”.

A iniciativa está em prática em diversas instituições religiosas, o líder de uma delas, em matéria divulgada em “http://fulviocosta.com/igreja-catolica/2016/08/mediar-e-divino-acesso-a-justica-pela-porta-da-igreja/” indica que:

Por ser um espaço da Igreja e não do Poder Judiciário, o mediador se utiliza muito da Doutrina Católica. Nos casos de divórcio, ele observa todas as questões que envolvem o Matrimônio, a família e se existe nulidade. Para as pessoas que não casaram na Igreja, ele explica o sentido do Sacramento e sua importância diante de Deus. Da mesma forma que na situação dos vizinhos, os casais em conflitos também estão muito mergulhados no problema em si e se esquecem do diálogo. E o mediador faz o mesmo trabalho de facilitar a comunicação entre as partes.

Interessante indagação se instaura: e quando esse mediador é um líder religioso, preparado para atuar com litígios que envolvem fiéis das mais variadas crenças, pode-se dizer que atua simbolicamente como o semideus Hermes? Tradutor da linguagem do (s) deus (es), na tentativa de estabelecer um acordo entre os fiéis? Pois bem, note-se como fica clara a função do mediador como o Hermes proposto por François Ost em seu trabalho sobre os “modelos de juiz”.

Imperioso alertar que o artigo de Ost traz outras relevantes informações, inclusive é feita considerações críticas sobre o modelo de jurisdição que aos poucos é institucionalizado quase que no mundo todo. Para melhor compreensão, a leitura do texto completo é altamente recomendável.

Salutar a afirmação de que o programa “Mediar é Divino” corrobora a importância do diálogo entre as partes na solução da demanda, confirmando outra vez Ost quando afirma que o modelo de jurisdição pautado em Hermes busca a interação dos valores. Ost afirma que o jogo (processo) está aberto a todos – no caso do TJ/GO e TJ/DF, inclusive ao mediador religioso.    

Se “mediar é divino”, o mediador seria Hermes? (Claro que aqui se faz um paralelo simbólico, sem discorrer sobre “questões religiosas”).

Não obstante às críticas em cima do trabalho de Ost, principalmente a realizada por Lenio Streck, pode-se concluir que Ost acerta em cheio – quando se busca refletir sobre o programa “Mediar é Divino”. Veja-se o papel do mediador, no programa, como aquele que dialoga com os valores das partes, que leva aos envolvidos a melhor (?) maneira de solução de litígios de acordo com a doutrina religiosa que fazem parte.

O assunto é polêmico, muito porque resta indagar: o programa “Mediar é divino” entra em perigoso terreno que mistura Direito e Religião?

Agora, as polêmicas que envolvem tal discussão são tamanhas, não cabem neste artigo que se encerra.    

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Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. Os métodos consensuais no novo código processual e os modelos de juiz:: a institucionalização do mediador "Hermes". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5049, 28 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55168. Acesso em: 22 nov. 2024.

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