1.1 CONCEITO
No Brasil, as denominações utilizadas para conceituar o crime previsto na Lei 9.613, de 3 de março de 1998, são “Lavagem de dinheiro” ou “Lavagem de capitais”.
A expressão “Lavagem de dinheiro” tem origem nos Estados Unidos, a partir da década de 1920, quando lavanderias localizadas na cidade de Chicago teriam sido utilizadas por organizações criminosas para omitir a origem ilícita do dinheiro. Desse modo, através de um comércio legalizado, as organizações criminosas buscavam justificar a origem ilícita do dinheiro arrecadado com a venda ilegal de drogas e bebidas.[1]
Contudo, antes de analisar detidamente o conceito de lavagem de dinheiro, importante verificar um exemplo do doutrinador Chris Mathers, segundo Marcelo Batlouni Mendroni[2], que aponta que o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro, ou seja, “o lavador de dinheiro”, muitas vezes pode traduzir uma imagem fora do contexto vivido pela sociedade, como aquelas apresentadas nas diferentes formas de entretenimento (TV, Cinema etc.), quando, via de regra, o “lavador de dinheiro”, como parte do seu “disfarce”, ostenta uma aparência simples, insuspeita, deixando, desta feita, transparecer tratar-se de “pessoa comum”:
Há alguns anos um banco chamou a polícia quando se deparou com a seguinte situação: Um senhor de origem italiana entrou no banco acompanhado de um jovem, bem vestido, parecendo ser seu guarda-costas, e, enquanto aguardavam na fila do caixa, ia e voltava da janela do banco, olhando sempre para o movimento da rua, no que parecia preocupado com a movimentação da polícia. Aquele senhor retirou então meio milhão de dólares de uma bolsa e pediu para que fosse depositado, abrindo-se uma conta. As notas eram velhas e sujas. O funcionário do banco em face das circunstâncias, concluiu que o senhor era um mafioso e o jovem, o seu segurança, e que se tratava de dinheiro decorrente de algum roubo ou sequestro, e acionou a polícia. Com a chegada da polícia a situação foi devidamente esclarecida. Aquele senhor costumava guardar o seu dinheiro todo em casa consigo durante muitos anos. O jovem, seu neto, quando descobriu aquela situação, recomendou-o por questões de segurança que abrisse uma conta e ali depositasse o dinheiro, especialmente considerando que seu avô residia em um local que se transformara em perigoso. Aquelas idas à janela do banco ocorriam porque o jovem havia estacionado o seu veículo em local proibido e estava com receio de ser guinchado. A situação real traduz a imagem que normalmente se faz do criminoso que “lava dinheiro”, com aparência do mafioso visto nos filmes e seriados de TV, quando na verdade eles têm a aparência mais comum possível, como qualquer um de nós[3].
Assim, Marcelo Batlouni Mendroni[4] oferece, a partir das suas investigações, a seguinte definição: “lavagem de dinheiro poderia ser definida como o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência para obtidos licitamente”.
Ainda, sobre o tema em comento, Marco Antônio de Barros entende que:
Lavagem é o método pelo qual uma ou mais pessoas, ou uma ou mais organizações criminosas, processam os ganhos financeiros ou patrimoniais obtidos com determinadas atividades ilícitas. Sendo assim, lavagem de capitais consiste na operação financeira ou transação comercial que visa ocultar ou dissimular a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do país, bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado de outros crimes, e a cujo produto ilícito se pretende dar lícita aparência[5].
Na mesma linha de raciocínio o conceito do crime de lavagem de capitais nas palavras do doutrinador Rodolfo Tigre Maia:
Lavagem de capitais é o conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão, dissimulação e integração de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da justiça[6].
De outro lado, Renato Brasileiro de Lima[7] corrobora com o exposto ao ponderar que, “A lavagem de capitais é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal”.
Ainda, segundo Renato Brasileiro Lima[8], a metáfora “lavagem de dinheiro” simboliza “a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem corresponde de determina infração penal, ser lavado por várias formas na ordem econômico-financeira com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita, sem deixar rastro de origem espúria”.
Relativamente ao tema, Rogério Filippetto[9], conceitua lavagem de dinheiro como sendo, “o conjunto de procedimentos adotados para transformar o proveito econômico obtido com a prática de ações criminosas em recurso de trânsito normal na economia”.
Para Bruno Titz de Rezende:
A lavagem de dinheiro consiste na conduta ou condutas voltadas a conferir um aspecto de legalidade a bens de procedência criminosa, mascarando a sua origem ilícita, com o propósito de evitar a localização e apreensão desses bens pelo Estado, bem como a identificação do autor da infração penal antecedente[10].
Por fim e não menos importante, André Luis Callegari faz uma importante ponderação, a qual merece destaque no presente trabalho, acerca do delito de lavagem de dinheiro:
Dentre os doutrinadores brasileiros, não há grandes discussões acerca da conceituação do delito de lavagem. No Brasil, a definição do tema está vinculada à tipicidade penal inscrita no art. 1º, caput, da Lei. 9.613/1998. A conduta referida no artigo mencionado consiste na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação, ou propriedade de bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, de infração penal[11].
Desse modo, pode ser entendido que o delito de lavagem de dinheiro se consuma quando o agente pratica uma ação que envolve ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, mascarando a sua origem ilícita e reintegrando-os ao sistema econômico financeiro como se lícito fosse, contudo, merece destaque, bem como será abordado oportunamente no presente capítulo, que a simples análise do artigo 1º, caput, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, e seus parágrafos, é insuficiente para definir o conceito do crime de lavagem de dinheiro, uma vez que devem estar presentes todos os requisitos caracterizadores do tipo penal, não podendo confundir o mero exaurimento do crime antecedente com o crime de lavagem de dinheiro.
1.1.1 Breve percurso histórico da lei de lavagem de dinheiro
Para a doutrina majoritária brasileira, a legislação que dispõe acerca do crime de lavagem de dinheiro evoluiu-se com o passar dos anos, tendo início após a Convenção de Viena de 1988, passando pela edição da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, que previa como crime antecedente a edição de um rol taxativo, até os dias atuais, com as alterações realizadas na atual legislação, que, após a entrada em vigor da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, prevê como crime antecedente da lavagem de capitais qualquer infração penal, desde que esta seja passível de mascaramento e de proveito econômico.
O tratadista Renato Brasileiro de Lima[12] é claro ao afirmar que “as primeiras leis que incriminaram a lavagem de capitais surgiram logo após a Convenção de Viena e possuía como crime antecedente apenas o tráfico ilícito de entorpecentes”.
Contudo, com o passar do tempo e diante da ineficácia da legislação anterior, constatou-se que a lavagem de capitais estava sendo utilizada para realização de outros ilícitos penais, além do tráfico ilícito de entorpecentes. Desse modo, aumentou-se o rol de crimes chamados antecedentes, dando origem, dessa forma, a Lei 9.613, de 3 de março de 1998[13].
Após inúmeras críticas acerca da eficácia da legislação brasileira no tocante ao crime de lavagem de dinheiro, surgiu então a Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, a qual alterou grande parte dos dispositivos da Lei 9.613, de 3 de março de 1998 e, nos dias atuais, qualquer delito poderá ser considerado infração antecedente do crime de lavagem de dinheiro, desde que este seja capaz de gerar bens, direitos ou valores passíveis de mascaramento e de proveito econômico[14].
1.2 O GRUPO DE AÇÃO FINANCEIRA CONTRA LAVAGEM DE DINHEIRO E O FINANCIAMENTO DO TERRORISMO (GAFI)
O Grupo de Ação Financeira (GAFI), ou Financial Action Taks Force on Money Laundering (FATF), é uma organização intergovernamental e possui importante papel no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Merece destaque o importante papel que possui o GAFI na elaboração de políticas públicas que tem por objetivo compor medidas para combater a lavagem de dinheiro, seja no âmbito internacional, seja nacional. Atualmente 180 (cento e oitenta) países adotaram os padrões (recomendações) do GAFI, dentre eles, o Brasil.
Pela definição mais comum, segundo o conselho de controle de atividades financeiras brasileiro:
O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), ou Financial Action Taks Force on Money Laundering (FAT), é uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo[15].
Ainda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o COAF, complementa o conceito anteriormente citado aduzindo que:
O GAFI é um organismo elaborador de políticas que atua visando gerar a vontade política necessária para realizar reformas legislativas e regulatórias nessas áreas. Para cumprir este objetivo, o GAFI publicou suas recomendações[16].
Na mesma linha de raciocínio, Marcelo Batlouni Mendroni, especialista no assunto, nos destaca que:
O Financial Action Task Force (FATF), ou Grupo de Ação Financeira (GAFI), foi criado em 1989, no âmbito das nações unidas, como forma de atuação concentrada e articulada com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro. Ainda buscando o aprimoramento do combate aos crimes de lavagem de dinheiro, o FATF editou 40 (quarenta) recomendações, que serviram de guia geral para prevenção e o combate à lavagem de dinheiro – revistas em 1996 para amoldá-las às tendências atuais[17].
Ainda, Marcelo Batlouni Mendroni[18] comenta que, “o GAFI/FATF anunciou oficialmente o convite para que o Brasil adotasse o grupo como membro observador a partir da Reunião Plenária de Portugal, em setembro de 1999”.
Desse modo, o Brasil aceitou o convite e tornou-se membro do GAFI, passando a adotar as 40 recomendações editadas por ele, que servem de guia para a prevenção e controle da lavagem de dinheiro.
Sendo assim, as legislações brasileiras referentes aos crimes que afetam o sistema econômico financeiro como, por exemplo, a Lei 9.613, de 3 de março de 1998, de tempos em tempos, são submetidas a uma avaliação, referente à sua eficácia frente ao combate dos referidos crimes, bem como em relação ao cumprimento das recomendações solicitadas pela organização intergovernamental.
No relatório da última avaliação no Brasil, apresentado em junho de 2011, pelo Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, foram apresentadas inúmeras críticas no tocante a eficácia da legislação brasileira ao combate do crime de lavagem de dinheiro.
Sobre o tema, o Mestre e Doutor em direito político e econômico, Ricardo Andrade Saadi, comenta que:
O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, em seu relatório da última avaliação do Brasil, apresentado em junho de 2011, Entre outras críticas, foram citadas: poucas condenações finais por lavagem de dinheiro; problemas sistêmicos no sistema judiciário dificultam seriamente a capacidade de se obter condenações finais e penas; pequena variedade de crimes antecedentes; falta de responsabilização civil ou administrativa direta às pessoas jurídicas por crimes de lavagem de dinheiro; o número de confiscos é muito baixo, dado o tamanho da economia e o risco da lavagem de dinheiro; os sistemas de gerenciamento de ativos são deficientes, o que deprecia os bens apreendidos; a não colocação de advogados, tabeliães, outras profissões jurídicas independentes, contadores, prestadores de serviços de assessoria e consultoria de empresas e corretores de imóveis pessoas físicas como “pessoas obrigadas”; as instituições financeiras não são expressamente proibidas de estabelecer ou manter relações de correspondência bancária com bancos “de fachada”; estatísticas insuficientes sobre investigações, denúncias e condenações por lavagem de dinheiro, bem como sobre o número de casos e os valores dos bens confiscados[19].
Assim sendo, 1 (um) ano após a divulgação do relatório do Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, objetivando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, bem como adequar a legislação brasileira ao modelo das mais modernas atualmente existentes, corrigindo, dessa forma, algumas críticas apontadas pelo GAFI, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, em 9 de julho de 2012, a Lei nº 12.683.
1.2.1 A lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012 e a necessidade de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro
Quando a Lei 9.613, de 3 de março de 1998, entrou em vigor, havia um rol de crimes chamados antecedentes, dentre os quais era possível destacar o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; o crime de contrabando ou tráfico de armas; o crime de terrorismo e seu financiamento, o crime de extorsão mediante sequestro, entre outros[20].
O termo crime antecedente se refere ao objeto material do crime de lavagem de dinheiro, ou seja, o produto ou o proveito do crime[21]. O artigo 1º, caput, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, nomeava expressamente em seus incisos quais eram os crimes que poderiam caracterizar o delito de lavagem de dinheiro. Desse modo, só configurava crime de lavagem de capitais se a ocultação ou a dissimulação de bens, direitos ou valores fossem provenientes dos crimes descritos no referido artigo, caso contrário, não se podia falar em crime de lavagem de dinheiro.
Contudo, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, a qual veio com o objetivo de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, a redação do caput do art. 1º da referida lei foi alterada, pondo fim ao rol taxativo das infrações penais, restando, assim, caracterizada o crime de lavagem de dinheiro quando houver a ocultação de bens, direitos ou valores provenientes de toda e qualquer infração penal, desde que devidamente preenchidos os requisitos autorizadores do tipo penal.
Sendo assim, verifica-se que, após a aprovação da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, pelo Congresso Nacional, foi suprimido o rol de crimes chamados antecedentes e assim toda e qualquer infração penal, seja direta ou indireta, poderá configurar o delito de lavagem de dinheiro.
A ideia da referida lei é tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, pois, de acordo com o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), o Brasil possuía muitos crimes de lavagem de dinheiro, porém, poucas condenações, assim, esta nova lei, significa um novo rumo ao combate do crime de lavagem de dinheiro no Brasil.