1.3 FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO
Com o objetivo de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos produtos ou dos valores provenientes de infração penal, a lavagem de capitais é realizada pelos criminosos através de técnicas e procedimentos os quais possuem a finalidade de afastar o produto do crime de sua fonte principal, dificultando, dessa forma, o rastreamento do produto ilícito e integrando-o no sistema econômico financeiro como se lícito fosse.
Parte muito significativa da doutrina entende que o processo de lavagem de dinheiro possui 3 (três) fases, sendo elas: a) colocação ou ocultação; b) estratificação ou escurecimento também chamada de dissimulação ou mascaramento; c) integração ou lavagem propriamente dita.
A esse respeito Ricardo Antonio Andreucci, em sua obra “Legislação Penal Especial”, explica de maneira pormenorizada como se realizam as três fases do crime de lavagem de dinheiro.
Conversão, também chama de ocultação ou colocação (placement), em que o dinheiro ilícito é aplicado no sistema financeiro ou transferido para outro local - normalmente, movimenta-se o dinheiro em pequenas quantias, para diluir ou fracionar as grandes somas. Nesta fase, ocorre a separação do dinheiro de sua fonte ilegal. [... Dissimulação, também chamada de controle ou estratificação (empilage), que objetiva dissociar o dinheiro da sua origem, dificultando a obtenção de sua ilegalidade (rastreamento) - geralmente o dinheiro é movimentado de forma eletrônica, ou depositado em empresas fantasmas, ou misturado com dinheiro lícito. O objetivo, aqui, é afastar o máximo possível o dinheiro de sua origem ilegal, através de múltiplas transações. [...] Integração (integration), fase final e exaurimento da lavagem de dinheiro, em que o agente cria explicações legítimas para os recursos, aplicados, agora de modo aberto, como investimentos financeiros ou compra de ativos (ouro, ações, veículos, imóveis, etc) – podem surgir as organizações de fachada[22].
Para Marcelo Batlouni Mendroni[23], “a atividade de lavagem de dinheiro é normalmente subdividida em três estágios, sendo eles: colocação (placement), ocultação, acomodação ou estratificação (layering) e integração (integration)”.
Marcelo Batlouni Mendroni[24] prossegue destacando que: “existem duas opções após obter o dinheiro de origem criminosa: aplicar diretamente no sistema financeiro e/ou transferir para outro local”.
Após esta breve análise, Marcelo Batlouni Mendroni passa a explicar detidamente os estágios (fases) da lavagem de dinheiro:
A primeira etapa, utilizam-se as atividades comerciais e as instituições financeiras, tanto bancárias, como não bancárias, para introduzir montantes em espécie, geralmente divididos em pequenas somas, no circuito financeiro legal. Na maioria das vezes, o agente criminoso movimenta o dinheiro entre contas bancárias/aplicações financeiras, de pessoa físicas e jurídicas ou em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal (paraísos fiscais e centros offshore) [...]. A colocação é o estágio primário da lavagem, por assim dizer, e portanto mais vulnerável à sua detecção. [...] Na segunda etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua origem – passando-o por uma série de transações, conversões e movimentações diversas. Tanto mais eficiente a lavagem quanto mais o agente afastar o dinheiro de sua origem. Quanto mais operações, tanto mais difícil a sua conexão com a ilegalidade e tanto mais difícil a sua prova. [...]. Uma vez que o dinheiro foi colocado, faz-se necessário efetuar diversas operações complexas, tanto nacional como internacional, visando dificultar o seu rastreamento contábil. O objetivo do criminoso nessa etapa é cortar a cadeia de evidências [...]. Na última fase, o agente cria justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na economia legítima, sob forma de investimentos ou compra de ativos. Nesta última etapa, o dinheiro é incorporado formalmente aos setores regulares da economia. Essa integração permite criar organizações de fachada que prestaram serviços entre si[25].
A doutrina dominante considera a primeira fase da lavagem de dinheiro, ocultação, conversão ou colocação, como a fase mais vulnerável a identificação dos fundos ilícitos e, diante disso, as autoridades devem centralizar suas investigações nesta fase.
No entanto, a terceira fase, chamada de integração, é a mais difícil para iniciar uma investigação, uma vez que o dinheiro já possui aparência limpa (lícita).
1.4 ASPECTOS PENAIS IMPORTANTES SOBRE A LEI 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998.
Inicialmente, importante destacar, em que pese já comentado de forma sucinta no subitem 1.2.1 do presente artigo, faz-se necessário demonstrar no presente tópico, como forma de desenvolvimento técnico e cientifico, uma vez que o mesmo tem por objetivo apresentar os principais aspectos penais da lei de lavagem de dinheiro, quais foram as principais alterações da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, após a entrada em vigor da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, demonstrando, assim, qual é o tipo objetivo aceito para caracterizar o crime de lavagem de dinheiro, bem como outras características pertinentes ao desenvolvimento do presente estudo.
Pois bem, antes da entrada em vigor da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, a Lei 9.613, de 3 de março de 1998, artigo 1º, caput, seus incisos e parágrafos, possuíam a seguinte redação:
Art. 1. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
§3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal[26].
Contudo, após a entrada em vigor da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, objetivando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, a Lei 9.613, de 3 de março de 1998, sofreu significativas alterações, principalmente no seu artigo 1º, uma vez que foram suprimidos os chamados crimes antecedentes, passando, dessa forma, a configurar o delito de lavagem de dinheiro toda vez que houver a ocultação ou dissimulação de um bem, direito ou valor que seja proveniente de infração penal, com as devidas ressalvas que serão a seguir destacadas no presente capítulo. Dessa forma, vislumbra-se como ficou a redação do art. 1º, caput, e seus parágrafos, após as alterações realizadas no ano de 2012.
Art. 1. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
§3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal[27].
Assim, como visto acima, a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, trouxe pertinentes mudanças à Lei 9.613, de 3 de março de 1998, em especial ao artigo 1, caput, e seus parágrafos. Houve significativas alterações no que se refere à configuração do delito de lavagem de dinheiro, uma vez que foi suprimido o rol taxativo dos crimes antecedentes e, este fato, fez com que surgissem dúvidas em relação à tipificação penal do referido crime, tendo em vista que passou a constar no dispositivo legal que qualquer infração penal, seja direta ou indiretamente, poderia configurar lavagem de dinheiro, contudo, faz-se necessário vislumbrar os seguintes detalhes conforme o entendimento da atual doutrina majoritária.
O entendimento, nesse sentido, é de Renato Brasileiro de Lima, que contribui para o presente trabalho ao constar em sua obra uma importante distinção entre o exaurimento da infração antecedente e o crime de lavagem de capitais, o que se faz importante para uma melhor compreensão do artigo 1º, caput, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998 e seus desdobramentos:
Com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um “laranja”, a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais[28].
Na mesma linha de raciocínio, em relação a punição do crime de lavagem de dinheiro, Fausto De Sanctis aduz que:
A punição somente se justifica quando a conduta não seja mero desdobramento natural do delito antecedente, uma vez que a punição apenas se legitima ao se verificar de modo peculiar e eficiente de dificultar a punição do estado. Exige-se uma conduta voltada especificamente à lavagem[29].
Ainda, sobre o tema em comento, objetivando complementar a explicação anteriormente evidenciada, em relação à diferença entre o exaurimento da infração penal e o crime de lavagem de dinheiro, Renato Brasileiro de Lima comenta que:
Evidentemente, o escamoteamento do produto da infração antecedente, por si só, não é suficiente para tipificação do crime de lavagem de capitais. Para além do mascaramento desses bens, direitos ou valores, também se faz necessária a demonstração dos elementos subjetivos inerentes ao tipo penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o capital sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com aparência lícita. A título de exemplo, por mais que, sob um ponto de vista objetivo, o ato de esconder dinheiro embaixo de um colchão perfaça a ocultação a que se refere o art. 1º, caput, da Lei 9.613/98, tal conduta somente poderá ser tipificada como lavagem de capitais se a ela se somar a intenção do agente de reintegrar aquele numerário ao círculo econômico com aparência lícita. Portanto, se a ocultação for perpetrada pelo agente com o único objetivo de aguardar o melhor momento para usufruir do produto da infração antecedente, e não com o objetivo de lhe conferir uma aparência supostamente lícita, ter-se-á mero exaurimento da infração antecedente, jamais a prática do crime de lavagem de capitais[30].
Desse modo, ante o exposto, verifica-se que o mero aproveitamento do crime antecedente, ou seja, o proveito econômico ou o usufruto da infração antecedente, é ato irrelevante para configuração do delito de lavagem de capitais.
Assim, para que haja a configuração do delito de lavagem de dinheiro são necessários três requisitos, quais sejam: a) o mascaramento do produto da infração penal antecedente; b) a intenção e a vontade de reintegrar os bens, direitos ou valores provenientes da infração penal no sistema econômico financeiro como se lícito fosse; c) que os bens, direitos ou valores obtidos através da infração antecedente seja passível de proveito econômico.
Diante disso, a título de exemplo, o crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, não pode configurar delito antecedente para o crime de lavagem de dinheiro, pois a conduta do agente descrita no tipo penal é apenas para satisfazer interesse ou sentimento pessoal e a pratica deste delito é incapaz de produzir proveito econômico[31].
Assim sendo, em que pese o artigo 1º, caput, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, prever que qualquer crime poderá tipificar lavagem de dinheiro, deve-se se atentar para os requisitos acima destacadamente expostos e fundamentados.
1.4.1 Principais características do delito de lavagem de dinheiro
Acompanhando o entendimento de Rodolfo Tigre Maia, o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro pode ser qualquer pessoa, inclusive o autor, coautor ou partícipe da infração penal antecedente:
No caso do preceptivo estudado, ao nosso ver, inexistindo qualquer restrição expressa no tipo penal, não há por que restringir-se a autoria excluindo os autores dos crimes pressupostos. De fato. Em primeiro lugar por tratar-se, aqui, de realização de ações tipicamente relevantes e socialmente danosas, que não se confundem com as condutas constantes daqueles. Em segundo lugar pela diversidade das objetividades jurídicas e sujeitos passivos dos tipos envolvidos (...). Em terceiro lugar porque as atividades de ‘lavagem de dinheiro’ processam-se via de regra sob a direção e o controle dos autores dos crimes antecedentes, que, nestes casos, por não transferirem a titularidade dos produtos do crime e possuírem o domínio do fato típico, configuram-se como autores. Aliás, nesta hipótese, outro entendimento pode conduzir a uma situação em que existam partícipes ou cúmplices (atuantes apenas na reciclagem) de um crime sem autores. Em quarto lugar, como apontado anteriormente (...), a própria etiologia da incriminação da ‘lavagem de dinheiro’, originada de sua intensa lesividade quer à administração da justiça, quer à ordem econômica, remete à ampliação dos limites de responsabilidade penal por sua prática[32].
Outro aspecto relativo ao tema em testilha, diz respeito ao sujeito passivo, nesse sentido Guilherme Nucci[33] aduz que “o sujeito passivo é o Estado, secundariamente, a sociedade”.
Ainda, em relação aos sujeitos do crime de lavagem de dinheiro, merece destaque o posicionamento de Marcelo Batlouni Mendroni:
O agente criminoso – sujeito ativo – pode ser qualquer pessoa que realize quaisquer das condutas previstas no caput do art. 1º, bem como nos seus § 2º e 3º. Há vezes em que quem pratica o crime é o mesmo autor do crime precedente, processando, ele mesmo, os ganhos ilícitos. Trata-se de crime dependente da configuração do anterior, com condutas e punição distintas e previstas. Pode, por outro lado, ser autor dos delitos de lavagem de dinheiro outra pessoa que não aquela que praticou crime antecedente, como na hipótese de quem, conhecendo a procedência ilícita do dinheiro (dolo direto), ou desconfiando e devendo suspeitas por qualquer razão (dolo indireto), mas assumindo o risco, promova, em nome daquele, o processamento dos ativos, passando-o por alguma ou por todas as fases que integram os estágios da lavagem – colocação, ocultação e integração. O sujeito passivo é a sociedade ou a comunidade local, pelo abalo das estruturas econômicas e sociais, além da segurança e da soberania dos Estados[34].
Para melhor vislumbrar o caso em relação aos sujeitos do crime de lavagem de dinheiro, importante destacar o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal:
IV – Não sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é possível que dois dos acusados respondam por ambos os crimes, inclusive em ações penais diversas, servindo, no presente caso, os indícios da corrupção advindos da AP 477 como delito antecedente da lavagem. V – O fato de um ou mais acusados estarem sendo processados por lavegam em ação penal diversa, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, não gera bis in idem, em face da provável diversidade de contas correntes e das importâncias utilizadas na consumação do suposto delito[35].
Guilherme de Souza Nucci sublinha que:
O objeto material do crime de lavagem de dinheiro pode ser o bem, direito ou valor que seja proveniente do crime”. Porém, em relação ao bem jurídico protegido pelo crime de lavagem de dinheiro, merecem destaque alguns posicionamentos que serão abordados a seguir[36].
Vários são os doutrinadores que divergem sobre qual é o bem jurídico protegido pela Lei de lavagem de dinheiro e, segundo Bruno Titz de Rezende[37], as principais teses são: “a administração da justiça; ordem socioeconômica; que o bem jurídico protegido é o mesmo que do crime antecedente; ou que o crime é pluriofensivo, pois afeta mais de um bem jurídico”.
Marcelo Batlouni Mendroni considera que a melhor interpretação é aquela que entende que os crimes de lavagem de dinheiro afetam, ao mesmo tempo, a administração de justiça e a ordem econômica:
A Administração da Justiça: tendo a característica penal dos chamados “crimes parasitários”, que dependem da existência de outro antecedente, observamos na doutrina estrangeira duas espécies de conclusões: parte da doutrina, como na Suíça, entende que o bem jurídico tutelado é administração da justiça, na medida em que visa suplementar a eficiência na apuração e punição das infração penais que, reconhecidamente, pelo legislador, abalam sobremaneira a ordem pública e não conseguem encontrar, por si só, a resposta adequada da própria administração de justiça, como vistas à defesa da sociedade. Então a criminalização de condutas concebidas como “processamento de ganhos ilícitos” vem potencializar a aplicação da justiça em relação aos crimes precedentes. A Ordem Socioeconômica: considerando, por outro foco, a quantidade astronômica de dinheiro lavado no mundo inteiro, de se admitir que o impacto na ordem socioeconômica é brutal, em todos os níveis. Empresas regulares perdem a concorrência, porque aquelas que utilizam fundos provenientes das ações criminosas conseguem ter capital suficiente para provocar outros delitos[38].
Por outro lado, Renato Brasileiro de Lima entende que o bem jurídico tutelado no crime de lavagem de dinheiro é a ordem econômico-financeira:
De acordo com a doutrina majoritária, funciona a lavagem como obstáculo à atração de capital estrangeiro, afetando o equilíbrio do mercado, a livre concorrência, as relações de consumo, a transparência, o acúmulo e o reinvestimento de capitel sem lastro em atividades produtivas ou financeiras lícitas, turbando o funcionamento da economia formal e o equilíbrio entre seus operadores. Representa, enfim, um elemento de desestabilização econômica. Trata-se, portanto, de crime contra a ordem econômico-financeira[39].
Para aqueles que admitem que o bem jurídico tutelado é a ordem econômico-financeira, o sujeito passivo é a coletividade. Porém se adotado o entendimento de que se trata de crime contra a Administração da Justiça, o sujeito passivo é o Estado[40].
Em relação à classificação do crime de lavagem de dinheiro, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio M. de Almeida Delmanto o classificam como:
O crime de lavagem de dinheiro é delito material, que não se consuma com a simples ocultação ou dissimulação do bem, direito ou valor proveniente da prática dos delitos elencados no art. 1º. É necessário mais, ou seja, que o produto do crime antecedente circule na economia formal. [...] A tentativa é possível, conforme expressamente previsto no § 3º[41].
Nas palavras de Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo[42]: “não é suficiente ocultar ou dissimular a conduta típica. Mostra-se necessário ocultar ou dissimular a origem espúria deles, fazendo com que venham a circular na economia”.
Ainda, colaborando para o presente, se destaca o seguinte entendimento:
Os delitos de lavagem de dinheiro consumam-se já no momento em que o agente pratica uma ação que envolva “ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade do bem, direito ou valor. Segue-se, em termos gerais, a regra do Código Penal. Não é possível exigir-se para a consumação, evidentemente, que o agente cumpra todas as etapas da lavagem – “colocação, ocultação e integração”. Não será somente com a “integração” que o crime será consumado, mas, simplesmente, através de qualquer primeiro ato de “colocação”. Nesses termos, uma só, ou a primeira transferência de valores obtidos pelo tráfico de entorpecentes, será ação criminosa suficiente à configuração do crime, ainda que venha seguida de inúmeras outras transações bancárias. Em outras palavras, não é possível exigir-se a demonstração de toda a trilha do dinheiro, bastando apresentar a primeira transação financeira, até por que isso seria tornar a lei inaplicável, tanto em razão da complexidade de determinados mecanismos da lavagem, envolvendo inúmeras e variadas etapas, como também exigiria mais tempo do que o possível para a apuração completa[43].
No mais, o delito de lavagem de dinheiro é considerado, nos termos da lei, como crime permanente. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci[44], “o crime de lavagem de dinheiro é de natureza permanente, pois a consumação se prolonga no tempo, enquanto os bens, valores e direitos estiverem camuflados”.
Ainda segundo Guilherme de Souza Nucci[45] “o elemento subjetivo é o dolo. Há elemento subjetivo específico, consistente no intuito de ocultar ou dissimular a utilização dos bens, direitos ou valores provenientes de infração antecedente. Não existe a forma culposa”.
Em relação ao dolo direto, este, é pacificamente aceito pela doutrina majoritária, contudo, em relação ao dolo indireto, a doutrina majoritária admite a sua aplicação no que se refere ao art. 1º, caput, § 1º, incisos I, II e III e § 2º, inciso I, da referida legislação, uma vez que não há referência à qualquer circunstância específica de que o tipo penal subjetivo aceite somente o dolo direto, admitindo, desse modo, a aplicação do dolo indireto eventual como forma de responsabilidade subjetiva do agente frente ao tipo penal, contudo, não poderá ser aplicada para o § 2, inciso II, do mesmo diploma legal, uma vez que o referido inciso deixa claro que o agente deverá ter o conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática dos crimes previstos na referida Lei, demonstrando, assim, que o único elemento subjetivo do tipo é o dolo direto.