No Japão, a constituição Meiji, de 1890, reconhecia a existência dos direitos humanos, mas os limitava ao trazer expressamente a possibilidade de a lei impor limites ao gozo dos referidos direitos.
O sistema imperial tolhia a efetiva garantia das normas que versavam sobre direitos humanos, incluindo à proteção dos direitos das mulheres e suas condições de trabalho, pois a mulher era considerada um ente dependente do homem a quem cabia papel secundário no sistema feudal [1].
A Constituição de 1947 foi outorgada com o advento do fim da Segunda Guerra Mundial, com forte influência norte-americana. Esta Carta, conhecida como Constituição da Paz, fomentou o reconhecimento dos direitos humanos no Japão, dispondo sobre a proibição da discriminação, mas não especificamente nas relações de trabalho em razão do gênero, como se observa da tradução do Art. 14, consoante Yuri Nabeshima[2].
Assim, o artigo supracitado traz uma previsão genérica, que enuncia o princípio da igualdade e veda a discriminação nas relações políticas, econômicas e sociais por motivo de raça, credo, sexo, classe social e origem familiar. Não há menção expressa à proibição à discriminação especificamente nas relações de trabalho em virtude do gênero.
Em 1947, foi editada a Lei de Diretrizes Trabalhistas Japonesa, conhecida por “Labor Standard Law” (LSL), com o objetivo de atender as previsões da constituição de 1947 em matéria trabalhista, sendo considerada à época a lei trabalhista mais importante no Japão, à semelhança da nossa Consolidação das Leis Trabalhistas.
A LSL é omissa quanto à vedação das práticas discriminatórias em razão do gênero, inclusive no mundo do trabalho. Desse modo, os atos discriminatórios cometidos pelo empregador em face da mulher trabalhadora nas relações de trabalho perpetuaram-se ao longo dos anos, com exceção apenas para a proibição de remuneração diferenciada com base no sexo e sua preocupação com as diferenças fisiológicas entre homens e mulheres[3].
Conquanto haja a omissão citada, a jurisprudência desempenhou um papel fundamental como fonte do direito ao considerar que, embora a discriminação baseada no gênero não esteja elencada no rol previsto no artigo 4º da LSL, o empregador tem o dever de não discriminar, com fundamento no Código Civil, pois adotou-se o entendimento de que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impõem medidas desfavoráveis às mulheres por violarem a ordem pública e a boa moral da sociedade.[4].
A Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirmou o princípio da não-discriminação e proclamou que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção alguma, inclusive de sexo. Muito embora haja o reconhecimento desta igualdade formal, as Nações Unidas ressaltam a preocupação com o fato de que a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações.
Nesse contexto, o Japão ratificou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979). Como afirma Masahiko Iwamura, uma política de igualdade de gênero surgiu de maneira constante a partir de 1970 no Japão, com resultados satisfatórios, apesar do longo caminho a percorrer. No início, buscou-se uma política que promovesse a igualdade de gênero de forma geral, mas isso não impediu que se afirmasse a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, através de leis específicas[5]. Como ensina Yuri Nabeshima:
“Considerada a lei de maior relevância quanto à regulamentação da matéria debatida, a Equal Employment Opportunity Law (EEOL) é produto direto da UN Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination Against Women, de 1979. Uma vez ratificada a referida Convenção pelo Japão em 1985, a EEOL foi promulgada no mesmo ano exatamente para cumprir os princípios e disposições legais ali contidos, sobretudo no que concerne à igualdade de tratamento da mulher com relação aos salários, horas de trabalho, idade de aposentadoria, benefícios, promoções, contratação e outras condições de trabalho. Sem, no entanto, apresentar reformas às restrições previstas na LSL quanto às restrições para horas extras, dias de descanso, trabalho noturno e atividade de alta periculosidade, o que reduzia as oportunidades de trabalho para mulheres”[6].
Dessa forma, uma política geral da igualdade de gênero teve início no Japão, sobretudo com as ações do ano internacional das mulheres e o decênio das Nações Unidas pelas mulheres (1976 a 1985).
O plano de ações sucessivas fixou orientações essenciais à melhoria das condições de legais das mulheres, promoção de participação de acesso à igualdade dos dois sexos em todas às atividades, proteção à saúde e maternidade, segurança e estabilidade econômica das mulheres idosas.
No final do primeiro período, surgiu o segundo plano de ações (1987-1990 substituído em 1991 para os anos de 1991-1995), que criou o Conselho sobre a Política de Igualdade de Gênero, intitulado “A abordagem em termo de igualdade de gênero - a criação de novos valores no sec. XXI”, reforçando as bases para a adoção da lei sobre igualdade de gênero adotada em 23.06.1999 e intitulada a lei para uma sociedade fundada sobre a igualdade de gênero que proíbe discriminação de gênero nos recrutamentos de trabalho, emprego, alocação para postos específicos e progressão de carreira, tornando os empregadores responsáveis pela prevenção de assédio, inclusive sexual[7].
O art. 3º da Lei sobre Igualdade de Gênero dispõe sobre a necessidade do respeito aos direitos tanto dos homens quanto das mulheres, com a revisão de estereótipos dos papéis dos homens e das mulheres refletidos nos estereótipos das práticas sociais (art. 4º). O art. 5º encoraja a participação comum de homens e mulheres na elaboração das políticas de estado e coletividades locais. O art. 6º, incita a promoção da conciliação das atividades domésticas e laborais, com adoção de medidas legislativas para fazer funcionar uma sociedade fundada sobre a igualdade de gênero, de acordo com o art. 11.
A promulgação da Lei de Igualdade de Oportunidade de Emprego (1985), revela a existência de três fases distintas. A primeira ocorrida em 1985, com a luta pelo reconhecimento do dever de não discriminar a mulher. A segunda, em 1997, com o foco foi deslocado do dever para a proibição de discriminação contra a mulher. A terceira, a partir de 2006, quando o ponto central passou a ser a proibição da discriminação em razão do gênero. Desse modo, foram superadas, pelo menos formalmente, as restrições ao trabalho exercido pelas mulheres, como por exemplo a proibição de trabalho noturno, a limitação do labor em sobre jornada e descanso semanal remunerado.
Ensina Masahiko Iwamura[8] que o governo efetivamente elaborou um plano fundamental para a igualdade de gênero em dezembro de 2000, com fixação de objetivos prioritários, como a modificação de práticas e sistemas sociais, o estímulo da evolução das mentalidades, a igualdade de oportunidade no domínio de emprego e do trabalho entre homens e mulheres, a conciliação de vida profissional e familiar de homens e mulheres. Aponta, como exemplo, a necessidade de reforma da legislação sobre a escolha do nome de família no momento do casamento e de disposições da lei sobre o regime de casamento que não são favoráveis às mulheres, reforma do regime fiscal e seguridade social e das práticas empreendidas cujos efeitos influenciam as escolhas das mulheres e seu modo de vida.
Em 2016, a Lei de Incentivo à participação Profissional da Mulher foi promulgada, trazendo a previsão de que empresas com mais de 300 funcionários deverão apresentar relatório de metas com intuito de aumentar o número de mulheres no seu quadro de empregados e em posições de gerência. Todavia, não estabelece sanção no caso de descumprimento, sendo uma diferença do sistema jurídico japonês em relação ao brasileiro.
As longas jornadas e a dificuldade imposta pela mobilidade de empregos dentro do país ou até mesmo entre outros países são obstáculos que dificultam o ingresso da mulher no mercado de trabalho japonês.
Segundo Yojiro Shibata, a taxa de participação da força de trabalho para as mulheres cai quando as mulheres atingem seus 30 anos, e se eleva aos 40 anos porque as mulheres deixam seus empregos enquanto casam, engravidam e cuidam das crianças e retornam quando os filhos crescem[9].
Os obstáculos a serem superados no Japão ainda persistem, de modo que atualmente as mulheres continuam sobrecarregadas com o papel de mãe e dona de casa e optam pelo trabalho em tempo parcial, em sua maioria, com prática de discriminação indireta, com a proteção dos salários com discriminação de um ou outro sexo e em razão do menor número de benefícios do trabalho em tempo parcial (realizado majoritariamente por mulheres), com plano de saúde e seguro velhice diferenciado[10].
O histórico japonês em busca da igualdade de gênero demonstra a evolução de uma sociedade fortemente patriarcal para uma sociedade que reconhece uma igualdade de gênero. Todavia, ainda há muitos desafios a enfrentar.
Bibliografia:
Yuri Kuroda Nabeshima. A discriminação da mulher no mercado de trabalho: estudo comparado da legislação do Brasil e do Japão. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2014.
IWAMURA, Masahiko: Le genre et droit social au Japon. Ph Auvergnon. (sous la direction de), Gnere et Droit Social. Presses Universitairies de Bourdeaux. 2007.
SHIBATA, Yohiro. Develpment and Problems of the Equal Employment Opportunity Law. M. Tsujimura & E. Yano. (eds). Gender e Law in Japan. Tohoku University Press, 2007.
DAKE, Sayaka. Le droit japonais et les mesures destinées à favorisier l’égalite des sexes em matière d’emploi et de securité sociale.[Egalité des sexes: la discrimination positive em question]. Societé de Législation Comparée. 2006.
http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/genero.html
http://www.nippobrasil.com.br/especial/561.shtml
[1] Conforme Yuri Kuroda Nabeshima. A discriminação da mulher no mercado de trabalho: estudo comparado da legislação do Brasil e do Japão. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2014. p 71-95.
[2] Idem Ibdem. Artigo 14 - Todas as pessoas são iguais perante a lei e não haverá discriminação nas relações políticas, econômicas ou sociais por causa de raça, credo, sexo, status social ou origem familiar. O status de nobreza não deve ser reconhecido. Nenhum prêmio de honra, condecoração ou qualquer distinção, deverá ser acompanhado de privilégios, e tal prêmio não será válido para além do tempo de vida do indivíduo que passou a detê-lo ou que futuramente poderá recebê-lo.
[3] V. arts. 3 e 4 da LSL.
[4] Conforme Yuri Kuroda Nabeshima. O Caso Nissan Car Corporation é citado como o primeiro caso sobre a matéria, quando as empregadas questionaram a validade da regra que reduziu o tempo necessário para a aposentadoria das mulheres, sem fundamentos científicos para tanto. Em 1981, a Suprema Corte declarou a nulidade da regra por configurar flagrante violação ao artigo 90 do Código Civil, por contrariar a ordem pública e à moral .In: A discriminação da mulher no mercado de trabalho: estudo comparado da legislação do Brasil e do Japão. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2014. p 71-95.
[5] IWAMURA, Masahiko: Le genre et droit social au Japon. Ph Auvergnon. (sous la direction de), Gnere et Droit Social. Presses Universitairies de Bourdeaux. 2007.
[6] In: A discriminação da mulher no mercado de trabalho: estudo comparado da legislação do Brasil e do Japão. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2014. P. 92.
[7] Saiba mais em < http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/genero.html>. Acesso em 10.10.2016.
[8] IWAMURA, Masahiko: Le genre et droit social au Japon. Ph Auvergnon. (sous la direction de), Gnere et Droit Social. Presses Universitairies de Bourdeaux. 2007.
[9] SHIBATA, Yohiro. Develpment and Problems of the Equal Employment Opportunity Law. M. Tsujimura & E. Yano. (eds). Gender e Law in Japan. Tohoku University Press, 2007.
[10] Segundo notícia extraída do sítio < http://www.nippobrasil.com.br/especial/561.shtml >, um aforma de discriminação indireto é que os homens podem incluir suas mulheres como dependentes na declaração de imposto de renda, desde que o salário delas não ultrapasse um milhão e 3 mil ienes (R$ 20.210) ao ano, se elas trabalharem em empregos de meio período. Assim, além de as mulheres não recolherem tributos, aliviam a taxação em cima do marido. Desta forma, o sistema tributário japonês encoraja não só elas e a família a permanecerem nessa situação como as empresas a pagarem menos às suas funcionárias. Acesso em 10.10.2016.