Com a edição da Medida Provisória 656, de 7 de outubro de 2014, convertida na Lei 13.097/2015, promulgada em 19 de janeiro de 2015, o legislador infraconstitucional visou, dentre outras questões, propiciar a facilitação no tráfego negocial imobiliário, quando através do artigo 54 da referida lei, estabeleceu que
“Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil;
III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.” (Grifos nossos)
No entanto, a despeito da intenção do legislador ser louvável, eis que facilmente se percebe a tentativa de facilitação dos trâmites negociais versados na alienação de imóveis, bem como a proteção do adquirente a partir da eficácia do negócio em relação a atos jurídicos precedentes acaso não haja qualquer averbação na matrícula do imóvel, tem-se que, independentemente da prescrição legislativa supramencionada, alguns cuidados continuam sendo indispensáveis quando se trata da aquisição de imóveis.
Pois, ainda que o entendimento de grande parte dos intérpretes da Lei, se apresente no sentido de que a simples inexistência de averbação de gravame possibilite a aquisição do imóvel sem qualquer risco com base na aventada eficácia dos atos jurídicos praticados, caso não sejam adotadas algumas cautelas, o adquirente poderá ser reputado negligente, o que culminará, invariavelmente, na necessidade de assumir os riscos da aquisição, e até mesmo, da sua incúria.
Mesmo porque, em uma situação na qual seja arguida fraude contra credores, não haverá como se exigir averbação pretérita de gravame na matrícula do imóvel, eis que, de acordo com o referido instituto, ainda não há ação em curso, mas há dívida capaz de levar o devedor a insolvência, fato este que por si só, demanda por parte do pretenso comprador do imóvel, a adoção das diligências necessárias, justamente com vistas a afastar o risco de adquirir um imóvel sobre o qual poderá recair gravame em decorrência da desconstituição do negócio jurídico por ação Pauliana ou Revocatória, caso em que será prestigiado o direito do comprador, que terá demonstrado a sua boa-fé.
E com base na boa-fé que restará caracterizada no caso, tornar-se-á possível afastar os requisitos necessários à configuração de fraude contra credores, o que por via de consequência, evitará, a teor do disposto no parágrafo único do artigo 54 da lei, - que trata justamente da boa-fé do adquirente do imóvel -, a oposição de situações jurídicas não averbadas na matrícula do imóvel.
Ainda que a boa-fé se presuma e a má-fé deva ser comprovada, não se pode olvidar que, nos casos de eventual alegação de fraude contra credores, que possui como requisitos (i) a anterioridade do crédito; (ii) o elemento subjetivo: Consillium Fraudis; e o (iii) elemento objetivo: Eventus Damni, será imperiosa a necessidade de descaracterizar a sua configuração através da demonstração de boa-fé, que estará intimamente relacionada a extração de outras certidões, - além da simples verificação da matrícula do imóvel -, para possibilitar o afastamento de qualquer responsabilização, ou mesmo, prejuízo advindos do ajuizamento de eventual ação Pauliana ou Revocatória.
Esclareça-se que, em um caso como este, caberá ao credor o ônus de comprovar a má-fé, enquanto caberá ao terceiro, embargante, comprovar a sua boa-fé através da juntada aos autos das certidões que comprovem as diligências que lhe cabiam para a promoção das suas cautelas.
Nesse sentido, a súmula 375 do STJ:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou prova de má-fé do terceiro adquirente.” (Grifos nossos)
Por esta perspectiva, de bom alvitre destacar que, no caso de ajuizamento de ação Pauliana ou Revocatória, não se considera de boa-fé quem não adotou as providências versadas pelo menos, na extração das certidões na localidade em que está o imóvel e na localidade onde reside o alienante.
Diante destas considerações, certo é que, a adoção de tais cautelas se revela indispensável, pois muito embora não haja qualquer averbação na matrícula do imóvel, o alienante pode ter inúmeros protestos e ou ações capazes de reduzi-lo a insolvência que ainda não tenham sido averbadas, o que pela via reflexa, virá, fatalmente, a afetar os seus bens e aqueles que tiverem sido alienados durante o período, seja através do instituto da fraude contra credores ou da fraude à execução.
Por fim, importante destacar que, a lei 13.097/2015 não se presta a prestigiar a má-fé, mas sim, a resguardar o terceiro que, ao adquirir um imóvel, adota as providências necessárias, tais como a extração de todas as certidões do local onde se encontra o imóvel e do local onde se encontra a residência do alienante, com vistas a verificar se existem ações ajuizadas em desfavor deste, de modo a evitar que processos oriundos de outras comarcas que não as mencionadas acima, não se constituam em óbice ao direito do adquirente, que diante de um caso como este não poderá ser responsabilizado, tampouco sofrer qualquer prejuízo.