Inseminação artificial “post mortem”: o direito de suceder do nascituro após o prazo estabelecido à prole eventual

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A discordância entre doutrina e jurisprudência sobre a capacidade sucessória do indivíduo concebido por tais técnicas é superada pela análise dos princípios constitucionais, alicerces do nosso ordenamento jurídico, capazes de impedir qualquer desrespeito à dignidade da pessoa humana.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade do concebido advindo da inseminação artificial post mortem suceder após o prazo estabelecido à prole eventual, discorrendo sobre os principais aspectos do Direito das Sucessões, as particularidades das técnicas de reprodução humana, os princípios constitucionais inerentes à inseminação homóloga póstuma e o posicionamento antagônico da doutrina acerca do tema.

Palavras-chave:

Direito Sucessório; Reprodução Humana Assistida; Inseminação artificial post mortem.

1 Introdução

A célere evolução da ciência traz para a humanidade diversos avanços tecnológicos. Especificamente, no campo da biomedicina, as surpreendentes técnicas de reprodução humana assistida possibilitam que casais concretizem o desejo da maternidade e paternidade tão almejado, mas impossibilitado de ocorrer pela forma convencional.

Como exemplo dessas técnicas de reprodução humana assistida, temos a inseminação artificial. Em tal técnica, a fecundação se dá de maneira intracorpórea, pois o material genético é introduzido no corpo da mulher onde irá ocorrer a fecundação. Podendo ocorrer de forma homóloga (material genético do casal) ou heteróloga (material genético do doador).

Importante destacar que a fertilização artificial pode ocorrer até mesmo após o falecimento do genitor, prática denominada de inseminação artificial homóloga post mortem. Trata-se de um tema de intenso debate na ordem jurídica, especialmente quanto aos reflexos desse tipo de filiação no âmbito do Direito Sucessório, que é o responsável pela regularização da transferência do patrimônio deixado por pessoa falecida aos seus respectivos sucessores.

Dessa forma, busca-se discutir os efeitos jurídicos da filiação por inseminação artificial póstuma no direito sucessório e analisar a possibilidade ou impossibilidade desta sucessão à luz dos preceitos constitucionais insculpidos no ordenamento jurídico pátrio.

Iremos começar nossa caminhada mencionando o que vem a ser o Direito das Sucessões.

2 Do Direito das Sucessões

2.1 A evolução histórica e a influência do Direito das Famílias

A palavra sucessão, oriunda do latim succedere[1], traz a ideia de que alguém assume o lugar de outra pessoa, adquirindo seus bens, direitos e obrigações. Trata-se, portanto, da transmissão de direitos, que pode ocorrer entre pessoas vivas (inter vivos) como quando há a morte de alguém (causa mortis). Assim, quando se fala em direito das sucessões, aborda-se a transmissão de direitos e obrigações oriundos do fato morte.

O direito sucessório tem a sua evolução histórica ligada ao direito de família, visto que as tendências e modificações sofridas por este ao longo do tempo, exerceram forte influência no âmbito da sucessão, acarretando mudanças na ordem dos vocacionados, trazendo o afeto como criador do vínculo familiar.

Nos dizeres de Maria Berenice Dias[2]:

A sociedade estruturou-se em famílias, fazendo surgir a propriedade privada, cada núcleo familiar com seus bens e sua religião. A ideia de sucessão surgiu após consolidar-se a formação da família. Por muitos séculos os direitos patrimoniais não se partilhavam: pertenciam à sociedade familiar.

Desde os primórdios das civilizações o direito sucessório esteve ligado à ideia de continuidade da religião e da família. Essa é a razão por que a sucessão se transmitia ao primogênito varão. Pois, como o filho mais velho era o herdeiro do sacerdócio da religião doméstica, a ele também era entregue o patrimônio da família. A filha era afastada da sucessão, haja vista que iria se casar e integrar a família do marido, perdendo qualquer espécie de laço familiar e religioso com a sua família biológica[3].

A partir do direito romano a evolução histórica do direito sucessório se tornou mais nítida.

O instituto do testamento foi trazido pela Lei das XII Tábuas e através dele, o testador poderia dispor livremente de seus bens. No caso de falecimento sem a confecção de testamento, a sucessão se daria por meio das classes de herdeiros existentes na época que não incluía a figura feminina.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves[4]:

Somente no Código de Justiniano, todavia, a sucessão legítima passa a fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a seguinte ordem de vocação hereditária: a) os descendentes; b) os ascendentes, em concurso com os irmãos e irmãs bilaterais; c) os irmãos e irmãs, consaguineos ou uterinos; e d) outros parentes colaterais.

O sistema jurídico germânico-francês trouxe o droit de saisine, princípio que afirmava que a propriedade e a posse da herança eram transmitidas aos herdeiros com a morte do hereditando. Tal princípio foi integrado a nossa legislação, sendo incorporado ao Código Civil de 1916. A influência da codificação francesa se fez sentir, com efeito, em nossa legislação, principalmente no tocante a vocação hereditária que sofreu modificações ao longo dos anos[5].

A Constituição Federal de 1988[6] trouxe disposições relevantes ao direito sucessório, como o direito de herança e a paridade de direitos, inclusive sucessórios, entre todos os filhos.

Tivemos a promulgação de leis específicas que disciplinavam o direito de sucessão entre os companheiros (Leis Federais n.º/s 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e 9.278, de 10 de maio de 1996), e, por fim, a instituição do Código Civil de 2002[7], que trazia inúmeras inovações, como a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário e concorrente com descendentes e ascendentes.

Após trataremos a respeito das espécies de sucessão.

2.2 As espécies de sucessão

Atualmente, têm-se três espécies de sucessão: legítima, testamentária e mista.

A sucessão legítima ou sucessão ab intestato[8] ocorrerá quando o de cujus não deixar testamento e o seu patrimônio, então, será transferido às pessoas indicadas pela lei, seguindo-se a ordem de vocação hereditária. Assim proclama o artigo 1.786 do Código Civil[9]: “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”.

Também será legítima a sucessão se o testamento deixado pelo falecido caducar ou for julgado nulo, ou, ainda, quando o testamento não compreender todos os bens do de cujus. Como prescreve o artigo 1.788 do Código Civil[10].

De acordo com o artigo 1829 do Código Civil de 2002[11], tem-se:

Art. 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III- ao cônjuge sobrevivente;

IV- aos colaterais.

A ordem de vocação hereditária trata de uma relação preferencial, definida pela lei, das pessoas que são chamadas para suceder ao falecido.

O autor da herança não poderá dispor em testamento de mais da metade de seus bens, quando houver descendentes, tendo em vista que estes são os herdeiros por excelência e necessários. O cônjuge concorrerá com os descendentes no regime da separação convencional de bens, no regime de participação final dos aquestos e, se houver bens particulares do finado, na comunhão parcial. Também haverá a concorrência do cônjuge se ao tempo da morte do de cujus, não estava dele separado judicialmente nem separado de fato há mais de dois anos e não seja casado no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens.

Inexistindo descendentes, a herança é deferida aos ascendentes, em concurso com o cônjuge. Não havendo ascendentes, será deferida ao cônjuge sobrevivente. Na ausência deste, irá para os parentes colaterais até o 4º grau.

Na falta de qualquer um dos citados acima, a herança será devolvida ao Poder Público (de acordo com o artigo 1844 do Código Civil[12]), sendo chamada de jacente. Decorridos cinco anos da abertura da sucessão, esta passará a ser denominada vacante, por meio de sentença.

No Brasil, a sucessão legítima é a regra e a testamentária, a exceção. Nas palavras de Maria Helena Diniz[13] isso ocorre “em razão da marcante influência do elemento familiar na formação desse ramo do direito entre nós”.

Denomina-se sucessão testamentária a que decorre de manifestação de última vontade, expressa em testamento ou codicilo, realizado pelo autor da herança, de acordo com as condições estabelecidas por lei. Nos ensinamentos de Francisco Cahali e Giselda Hironaka[14], neste tipo de sucessão, “não é a lei, mas a pessoa que elege seus sucessores”.

Como ato de última vontade, o testamento só tem validade após o falecimento do autor da herança e necessita ser realizado por pessoa capaz de dispor dos seus bens, assim como, deverá seguir forma peculiar exigida em lei e observará os limites ao poder de dispor[15].

A liberdade de testar não é absoluta e encontra-se limitada pela legítima, que é a reserva de metade do patrimônio do de cujus para os herdeiros necessários.

O testamento pode trazer disposições patrimoniais, como recomendação sobre o cumprimento de obrigações do testador, constituição de renda, instituição de fundação. O parágrafo segundo do artigo 1857 do Código Civil[16], também valida as disposições extrapatrimoniais, como o reconhecimento de filhos, nomeação de tutor para filho menor, entre outras.

Por fim, o nosso ordenamento jurídico admite ainda a sucessão mista. Tal espécie ocorre quando o testamento não abrange a totalidade dos bens do de cujus, isto fará com que estes bens sejam transmitidos para os herdeiros legítimos, na ordem de vocação hereditária. Assim, tanto herdeiros testamentários quanto herdeiros legítimos estarão concorrendo à herança.

Pois bem, e o que é herdeiro? Este será o nosso próximo caminho, discernir o que vem a ser herdeiro e qual a sua finalidade no Direito das Sucessões.

2.3 Dos herdeiros

Sucessor é a pessoa que será convocada para dar continuidade às relações jurídicas do falecido. Ele divide-se em herdeiro e legatário. Sendo que o primeiro é formado por legítimos e testamentários.

Será denominado herdeiro legítimo, aquele que recebe o patrimônio a título universal e por conta da relação preferencial, estabelecida pela lei. São eles: os descendentes, os ascendentes, o cônjuge sobrevivente, os colaterais até o quarto grau e o companheiro sobrevivente[17].

Os herdeiros legítimos se dividem em necessários e facultativos. Necessários são aqueles beneficiados obrigatoriamente por força de lei. Quais sejam: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (artigo 1.845 do Código Civil de 2002[18]). E são facultativos, aqueles que, segundo Flávio Tartuce[19], “não têm a seu favor a proteção da legítima, podendo ser preteridos por força de testamento (art. 1.850 do CC)”. São eles: parentes colaterais até o 4º grau e o companheiro, como preceitua a legislação civil atual.

Já os herdeiros testamentários são aqueles que adquirem um percentual hereditário do patrimônio transferido por testamento ou codicilo. O autor da herança, por disposição de última vontade, dedica uma fração ideal de seu patrimônio, sem individualizar o bem a ser transmitido.

Importante ressaltar, que não se pode confundir herdeiro e legatário: será herdeiro o sucessor que receber o patrimônio a título universal (receber um percentual do total transmitido); e legatário aquele que receber o patrimônio a título singular (receber um bem certo e determinado, móvel ou imóvel)[20].

Feitas essas considerações passaremos a analisar a reprodução humana assistida ou inseminação inicialmente no que tange aos conceitos e espécies e desenvolvendo para a inseminação artificial homóloga, os princípios constitucionais inerentes ao tema.

3 Da reprodução humana assistida: A inseminação

3.1 Conceitos e espécies

Por diversas vezes, muitos casais não conseguiram viabilizar o desejo da procriação, pois eram afetados por problemas de infertilidade ou esterilidade, patologias que impossibilitam a reprodução por meio do contato sexual entre homem e mulher.

Nos ensinamentos de Adriana Maluf[21], “a reprodução humana assistida é, basicamente, a intervenção do homem no processo de procriação natural”.  Trata-se do conjunto de procedimentos médicos que substituem a relação sexual na reprodução biológica, capazes de viabilizar o processo de procriação.

Os principais procedimentos de reprodução assistida são: a fecundação in vitro, a inseminação artificial e a gestação por substituição.

A fecundação in vitro, popularmente conhecida como “bebê de proveta”, consiste numa técnica extracorpórea, isto é, o material genético do casal é colhido e a manipulação dos gametas é realizada em laboratório, só após a fecundação é que o embrião vem a ser implantado no útero materno[22].

Na inseminação artificial, o material genético do casal é introduzido no corpo da mulher onde irá ocorrer a fecundação, de maneira intracorpórea[23]. Tal técnica é classificada em homóloga e heteróloga. Na primeira, o material genético utilizado pertence ao casal. Já na segunda, o material genético utilizado pertence a um doador (terceiro).

Em relação à gestação por substituição, também conhecida como “mães de substituição” ou ainda “barriga de aluguel”, temos o fato de uma terceira pessoa ceder o seu útero para gerar o embrião concebido por meio da fertilização artificial do material genético do casal ou do espermatozóide do marido com o óvulo da mãe de substituição. Cabe salientar que é vedada a comercialização de qualquer órgão, sendo também proibido o empréstimo do útero por parte das mães de substituição, mediante pagamento.

O ordenamento jurídico brasileiro não dispõe de nenhuma lei que regule a procriação artificial assistida. Assim, as orientações básicas relativas a esse procedimento, são garantidas pela Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 2.121/2015[24].

Além disso, é imprescindível a análise desse tema por meio da Bioética e do Biodireito, disciplinas através das quais se busca uma conformidade moral da conduta do homem no âmbito das ciências da vida.

Na percepção de Adriana Maluf [25]:

Bioética é o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental.

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Dessa forma, percebe-se que por meio da bioética se analisará questões onde não há consonância moral, como a reprodução humana assistida, o aborto, a eutanásia, assim como a responsabilidade dos pesquisadores quando na investigação e aplicação das suas descobertas.

Já o Biodireito (associado à Bioética) se encarregará de estudar a relação entre o direito e a evolução científica que abrange a medicina e a biotecnologia, buscando sempre uma integração que atenda a dignidade da pessoa humana[26].

Em seguida trataremos a inseminação artificial homóloga.

3.2 A inseminação artificial homóloga

A inseminação artificial é um dos procedimentos implantados para suprir a impossibilidade da procriação pelo meio convencional. Como já exposto nas linhas acima, ela divide-se em homóloga e heteróloga.

Temos como inseminação artificial homóloga, a fecundação que ocorre por meio da união do espermatozóide do marido com o óvulo da esposa, sem a existência do ato sexual, que se encontra prevista no artigo 1597, inciso III do Código Civil de 2002[27]. Diferenciando-se da modalidade heteróloga pelo fato da fecundação ocorrer com espermatozóide de terceiro, sendo esta regulamentada pelo inciso V do artigo já citado.

Com relação à modalidade homóloga, afirma Rolf Madaleno[28] ser “a técnica pacificamente aceita pela sociedade, pois proporciona à união conjugal a alegria da procriação que não seria alcançada sem a intervenção médica”.

O procedimento da reprodução humana assistida pode ocorrer após o falecimento do genitor, sendo assim denominada, inseminação artificial homóloga post mortem.

Acerca de tal procedimento, dispõe a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina[29]:

VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM. É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

No entanto, o nosso ordenamento jurídico sofre com a inexistência de legislação específica sobre reprodução humana, o que faz com que o assunto enfrente intenso debate no mundo jurídico, principalmente, no tocante à inseminação póstuma.

Dessa forma, é imprescindível a análise da inseminação artificial homóloga post mortem à luz de alguns princípios constitucionais. Passaremos, então, a ponderação destes.

3.3 Os princípios constitucionais inerentes à inseminação artificial homóloga post mortem

Os princípios constitucionais, após a Carta Magna de 1988[30], deixaram de ser meras orientações ao sistema jurídico, e ganharam eficácia imediata, sendo imprescindíveis para a obtenção do ideal de justiça, sendo considerados como leis das leis.

3.3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana foi trazido pela Constituição Federal de 1988[31], no inciso III, do artigo 1º.

Nas palavras de Alexandre Moraes [32], “a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa”. Por isso se torna tão difícil conceituá-lo. No entanto, observando o objetivo de tal princípio ser trazido pela Lei Maior, entendemos que ele consiste na proteção dos valores fundamentais do ser humano.

O fato do nosso Estado e, consequentemente, da nossa Carta Magna ter uma atenção maior com a efetivação da justiça social e dos direitos humanos fez com que o princípio da dignidade da pessoa humana fosse consagrado como valor nuclear da ordem constitucional.

Observa-se que o escopo do princípio da dignidade humana é resguardar os valores substanciais do ser humano: vida, liberdade, saúde, educação, entre outros direitos fundamentais; a sua aplicação deve respeitar a honra e a essência ideológica de cada ser humano; e sua efetividade é garantida a todos, sem distinção, desde a sua concepção até a sua morte.

3.3.2 O princípio do planejamento familiar

A Carta Magna[33], ao contemplar o princípio do planejamento familiar, dispõe:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

O dispositivo acima citado foi regulamentado pela Lei Federal nº 9.263/1996[34], que garante a todo cidadão o direito a procriação e ao planejamento familiar. O Código Civil[35] também faz referência ao princípio em tela, em seu § 2º, do artigo 1565.

O princípio do planejamento familiar preceitua o livre arbítrio do cidadão ou do casal quanto às decisões que envolvam a quantidade de filhos e o intervalo entre eles. Além disso, assegura aos mesmos o direito de ter acesso às informações e serviços sobre assistência médica, concepção e contracepção. O que inclui as técnicas de reprodução assistida, como a fertilização artificial.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias[36] ensina que “o acesso aos modernos métodos de reprodução assistida é igualmente garantido em sede constitucional, pois planejamento familiar também significa a realização de projeto de parentalidade”.

Cabe salientar que as ações voltadas para o planejamento familiar, de promoção estatal, não podem ter caráter coercitivo ou de controle demográfico.

3.3.3 Princípio da paternidade responsável

Enquanto a dignidade humana e o planejamento familiar efetivam o direito a prole, o princípio da paternidade, por sua vez, traz as obrigações inerentes a ele.

Dessa forma, pleiteia aos pais o empenho e a participação durante toda a formação física, cultural e moral da criança e do adolescente. Tal preceito impõe especificamente aos pais o dever de proporcionar aos filhos a assistência moral e material que estes necessitarem. Ao transgredirem este princípio, os pais poderão responder pelos crimes de abandono material e intelectual.

3.3.4 O princípio da igualdade

Também integra a base do nosso sistema constitucional, o princípio da igualdade ou isonomia. Além de proclamá-lo em seu preâmbulo, a Constituição Federal de 1988[37] reafirmou o aludido princípio em seu artigo 5º, caput:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Repetiu de modo enfático o direito a igualdade, no inciso I, do artigo citado acima, ao afirmar que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. E, no mesmo sentido o § 6º, do artigo 226, estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Dessa forma, pôs fim a desigualdade de gêneros, estreitando a cada dia a distância entre homens e mulheres.

O preceito da igualdade também alcançou os vínculos de filiação, ao ser estabelecido no § 6º, do artigo 227, da Lei Maior[38], que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Deste modo, encerrou a discriminação entre os filhos, sejam eles naturais, adotados, extraconjugais, inseminados antes ou depois da morte do seu genitor.

Tal princípio preceitua a igualdade de aptidão, de oportunidade e de tratamento pela lei, sendo observado, na aplicação desta, cada um segundo a sua necessidade.

3.3.5 O princípio do melhor interesse da criança

O princípio do melhor interesse da criança foi consagrado pela Constituição Federal[39], em seu artigo 227, assim estabelece:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Os direitos fundamentais esculpidos no artigo acima, já são garantidos a todos em face do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, percebe-se que o legislador constituinte buscou ressaltar que deve ser atribuída maior atenção quanto à proteção do menor (crianças, adolescentes e jovens), pelo fato deste “estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental”, é o que explica Rolf Madaleno[40].

O princípio em tela também é contemplado no artigo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente[41].

Acima de tudo, visa o princípio do melhor interesse da criança, reconhecer os menores como sujeitos de direito e norteá-los à maioridade de forma consciente, para que no futuro possa usufruir plenamente dos seus direitos fundamentais.

            Feitas essas considerações passarei a abordar a responsabilidade civil.

4. Da responsabilidade civil

4.1 A personalidade jurídica

O conceito de personalidade jurídica está relacionado ao próprio conceito de pessoa. Pessoa, como bem conceitua a doutrinadora Maria Helena Diniz[42], trata-se do “ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”.

A nossa legislação civil[43] ajusta o conceito de personalidade com o conceito de capacidade, ao estabelecer, em seu artigo 1°, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Destarte, afirma que o ser humano com personalidade é aquele com capacidade para ser titular de direitos e deveres.

Dentro dessa temática, um dos assuntos de grande relevância para o mundo jurídico é o início da personalidade jurídica. E a respeito disso estabelece o artigo 2º do Código Civil[44] que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Da análise da primeira parte deste dispositivo entende-se que o indivíduo só adquire a personalidade após o nascimento com vida. Entretanto, a lei também protege os direitos do nascituro.

Assim, respeitam-se os direitos do nascituro desde a concepção, pois desde esse momento, já começa a formação de um novo ser. O indivíduo gerado por inseminação artificial póstuma tem seus direitos assegurados desde a concepção. Devendo a este ser aplicada toda a legislação no que couber, garantindo-lhes o direito à vida, o direito a filiação, a alimentos, ao uso do nome, direitos patrimoniais, entre outros.

4.2 O direito de filiação

O Direito de Família sofreu diversas modificações com as alterações elencadas, principalmente, pela Constituição Federal de 1988, na qual destacamos o fim da discriminação entre os filhos (art. 227, § 6º, CF), que fez ruir o sistema de classificação dos filhos em legítimos (havidos na constância do casamento) e ilegítimos (havidos fora do casamento). Não importando a forma e a situação em que foram gerados, tendo eles os mesmos direitos e qualificações.

O Código Civil de 2002[45] também consagrou a igualdade entre os filhos, em seu artigo 1.596, ao determinar que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Embora ainda traga nos seus dispositivos termos ultrapassados e inapropriados tendo vista todas essas alterações aqui explanadas.

Todas as mudanças trazidas pela nova ordem jurídica, como a que foi citada acima e as que foram narradas no decorrer deste estudo refletiram bastante na identificação dos vínculos familiares, hoje, também identificados pelo aspecto socioafetivo e não apenas pelo consanguíneo, sendo o primeiro determinante para restar comprovado o vínculo paterno-filial ou materno-filial.

À vista disso, pode-se afirmar que, nos dias atuais, entende-se por filiação a relação jurídica existente entre pais e filhos, seja ela de origem biológica ou afetiva.

Não obstante, faz-se necessária a análise do artigo 1597 do Código Civil[46] que estabelece:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O inciso quatro do artigo supracitado representa um dos cernes deste estudo, à medida que deixa claro o reconhecimento da filiação do concebido por inseminação homóloga póstuma.

Dessa forma, não restam dúvidas quanto ao direito à filiação do concebido pela inseminação homóloga post mortem, até porque, como vimos nas linhas acima, a concepção homóloga consiste na manipulação de gametas masculinos e femininos do próprio casal.

Ressalta-se ainda que, como determina o artigo 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente[47], o direito ao reconhecimento ao estado de filiação é imprescritível, personalíssimo e indisponível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem restrição.

4.3 O direito aos alimentos e ao uso do nome

Assim como se assegura o direito de filiação, previsto no inciso IV, do artigo 1597, do Código Civil[48], aos filhos concebidos por meio da inseminação homóloga póstuma, deve-se garantir-lhes também o direito aos alimentos e ao uso do nome.

Entre os membros de uma mesma família há o dever de sustento e mútua assistência, como entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros. Dentro deste contexto de deveres familiares se insere a prestação alimentar, que está baseada praticamente no parentesco e, para nós, que tratamos do dever dos pais de fornecer alimentos aos filhos menores, no princípio da paternidade responsável. Dessa forma, os filhos advindos da fertilização artificial merecem ser reconhecidos no aspecto moral e materialmente pelos pais, estando aí incluída, a prestação alimentar.

No tocante ao uso do nome, tem-se o mesmo entendimento. O principal objetivo do nome é caracterizar o indivíduo perante a sociedade, demonstrando-se a sua origem familiar. Por isso, também é reconhecido aos filhos advindos da inseminação póstuma, o direito ao apelido da família paterna e materna.

4.4 O reconhecimento do direito sucessório

O Brasil vivencia alguns casos de inseminação artificial póstuma, sendo que um dos primeiros ocorreu em 2010, no estado do Paraná, quando um juiz, da 13ª Vara Cível de Curitiba, concedeu uma liminar para uma professora poder usar o sêmen congelado do marido e fazer uma inseminação artificial post mortem. O marido da professora, ao saber que tinha câncer resolveu congelar os espermatozóides em um banco de sêmen, já que foi alertado pelos médicos que poderia ficar infértil devido ao tratamento da doença a que seria submetido. Depois de um tempo, o casal se submeteu a um tratamento de fertilização artificial. Mas, a doença o acometeu novamente, levando-o ao óbito. Ao procurar o laboratório para seguir com o procedimento, a professora foi informada que para continuar precisaria de uma condição expressa, assinada pelo seu marido, que determinasse a finalidade específica do material genético coletado. Já que o Conselho Federal de Medicina determina que esta condição seja analisada. Assim, ela recorreu ao Poder Judiciário que determinou que a referida clínica prosseguisse com o procedimento, pois entendeu que o marido, ainda vivo, havia manifestado o desejo de ter filhos. A professora, então, fez a inseminação, ficou grávida e hoje é mãe de uma menina, concebida pela inseminação homóloga póstuma[49].

Existem posicionamentos antagônicos sobre o tema. E o fato de não existir norma jurídica reguladora faz surgir na sociedade jurídica questionamentos e divergências na doutrina e na jurisprudência.

Em sentido diverso ao que foi decidido no caso acima narrado, o Conselho da Justiça Federal, em seu Enunciado 106[50], determina que:

Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

A doutrina também se divide. Há aqueles que admitem a possibilidade de existir direitos sucessórios, apoiando seus posicionamentos nos princípios da dignidade da pessoa humana, na igualdade entre os filhos e no direito à sucessão, haja vista que tais preceitos se sobrepõem ao princípio da segurança jurídica dos demais herdeiros. Além disso, tal posicionamento encontra respaldo na garantia constitucional dada a paternidade responsável e ao planejamento familiar.

Essa é a posição de Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho[51], ao expor o seguinte:

Não se pode excluir da participação nas repercussões jurídicas, no âmbito do direito de família e no direito das sucessões, aquele que foi engendrado com intervenção médica ocorrida após o falecimento do autor da sucessão, ao argumento de que tal solução prejudicaria ou excluiria o direito dos outros herdeiros já existentes ou pelo menos concebidos no momento da abertura da sucessão. Além disso, não devem prevalecer as assertivas que privilegiam a suposta segurança no processo sucessório.

Esse mesmo autor esclarece que a possibilidade presente na própria legislação (art. 1824 do Código Civil) de se fazer uso da petição de herança, comprova a insegurança jurídica de qualquer sucessão, visto que tal ação visa, ao mesmo tempo, o reconhecimento da qualidade de herdeiro e a restituição do patrimônio deixado pelo de cujus.

Nesse sentido, nascendo a criança após o fim da partilha, mesmo que ela tenha sido concebida pela inseminação artificial homóloga post mortem, esta poderia se utilizar da ação de petição de herança cumulada com a nulidade da partilha para ter seu direito sucessório garantido.

Os doutrinadores que defendem a impossibilidade argumentam que só estariam legitimados a suceder as pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, assim como dispõe o artigo 1798 do Código Civil[52].

Filia-se a essa corrente o doutrinador Silvio Venosa[53], ao afirmar que os seres gerados a partir da inseminação após a morte do genitor não são considerados herdeiros. Já que só são herdeiros aqueles vivos ou concebidos quando da morte do de cujus.

Ainda na visão deste doutrinador, o problema estaria resolvido se o genitor contemplasse o filho que seria concebido após o seu falecimento em testamento. Já que o Código Civil permite que na sucessão testamentária possam suceder o filho ainda não concebido, esperado de pessoa indicada pelo testamentário, após aberta a sucessão, com reservas de bens da herança.

Há também doutrinadores que ao considerarem a ocorrência da prática da inseminação artificial póstuma, entendem que esta deve ser realizada no prazo estabelecido pelo art. 1.800, § 4º do Código Civil[54] (dois anos após a abertura da sucessão), por analogia ao prazo estabelecido para a concepção da prole eventual. Fundamentando este entendimento no princípio da segurança jurídica.

É certo que, no caso da inseminação homóloga póstuma, também se torna preponderante a estipulação de um prazo entre outros requisitos autorizadores para a realização de tal técnica de reprodução assistida. Já que não seria justa a espera indefinida do nascimento de possíveis herdeiros por aqueles já capacitados a suceder quando do falecimento do autor da herança, tendo em vista que é necessária a partilha do patrimônio do de cujus.

Na visão de Maria Berenice Dias[55]a legislação não proíbe a inseminação post mortem e a Constituição consagra a igualdade entre os filhos. Não se pode, portanto, admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho assim concebido”.

No tocante a filiação, vimos nas linhas acima, que não se tem divergências. O concebido nesta condição será filho do pai pré-morto, de acordo com o disposto no artigo 1597, III, do Código Civil[56].

O doutrinador José Luiz Gavião de Almeida[57], ao debater o tema, afirma que “o legislador, ao reconhecer efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o prurido de afastar os efeitos patrimoniais, especialmente o hereditário”.

De fato, não restam dúvidas do quanto é imprescindível a elaboração de lei específica para regular a matéria, que se adeque aos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, da mesma forma que é necessário um avanço por parte do nosso Código Civil, para que não ocorra inconsonância entre os direitos assegurados pelos seus dispositivos. Do contrário, doutrina e jurisprudência não chegarão a um entendimento compartilhado.

Conclusão

O presente trabalho, ao discutir uma dessas técnicas de reprodução humana assistida - a inseminação artificial homóloga post mortem - e o Direito Sucessório, debruçou-se sobre um tema polêmico e bastante discutido pela doutrina e jurisprudência, justamente pelo fato de não existir no Brasil legislação específica regulamentando tal técnica de reprodução humana e os seus efeitos jurídicos, principalmente no que diz respeito à capacidade sucessória do concebido de forma artificial póstuma.

Atualmente, em contrapartida as ausências legislativas, têm-se o amparo da Bioética, do Biodireito e da Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina. No entanto, tais fontes não são suficientes para pôr fim a celeuma da capacidade sucessória do concebido de forma póstuma, pois são revestidas unicamente pelo caráter deontológico.

Mesmo legitimando a inseminação póstuma (artigo 1.597), a legislação civil foi silente quanto aos desdobramentos desta técnica, não especificando os seus pressupostos de admissibilidade, o limite temporal para a sua realização e, embora deixe claro o reconhecimento da filiação da prole concebida artificialmente post mortem, omitiu-se quanto à capacidade sucessória deste.

Tendo em vista que não restam dúvidas quanto ao reconhecimento da filiação do indivíduo concebido por inseminação artificial post mortem, e que os questionamentos se dirigem à capacidade sucessória, recorre-se a Constituição Federal e seus princípios fundamentais basilares inerentes a discussão deste tema.

Cumpre salientar, inicialmente, que tais princípios não são absolutos e que não poderá existir dissidência de direitos na mesma norma jurídica, onde se reconhece o estado de filho e se exclui o direito sucessório.

Assim, da ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, o primeiro sempre prevalecerá sobre o segundo, o que implica no reconhecimento e garantia dos direitos sucessórios para os concebidos por inseminação artificial homóloga post mortem.

Em razão disto, integrando o concebido à sucessão do pai pré-morto, não há que lhe assegurar apenas a sucessão testamentária, pois se contrariaria novamente o disposto no §6º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, que pôs fim a discriminação entre os filhos. Tendo, então, este indivíduo direito à sucessão legítima e, consequentemente, o reconhecimento de herdeiro necessário.

Destaca-se que,da garantia constitucional ao planejamento familiar e da carência de norma própria, não há necessidade de documento expresso do falecido que autorize a utilização do sêmen criopreservado para a realização da inseminação póstuma, visto que ao procurar um laboratório com o intuito de se submeter a uma técnica de reprodução humana em conjunto com sua esposa ou companheira, o genitor deixa claro a sua intenção de procriar, de constituir família, de perpetuar-se nos seus descendentes.

Ressalta-se ainda que, se concorda com a estipulação de prazo para a realização de tal técnica, visto que a herança do de cujus necessita ser partilhada e que os herdeiros também precisam ter segurança quanto ao seu quinhão hereditário. No entanto, discorda-se da analogia com o prazo de dois anos disposto no § 4º, do artigo 1.800, do Código Civil de 2002, estipulado para a prole eventual, visto que o sêmen criopreservado tem viabilidade de utilização superior a tal prazo.

Defendendo-se então que, a legislação própria estipule um lapso temporal adequado à viabilidade de se submeter à técnica de fertilização póstuma, tomando por base o fato da legislação civil (em seu artigo 1.824) trazer a possibilidade de se fazer uso da petição de herança para se buscar o reconhecimento da qualidade de herdeiro e a restituição do patrimônio deixado pelo falecido, no prazo de dez anos, contados da abertura da sucessão.

Por fim, conclui-se que a discrepância de doutrinadores e da jurisprudência sobre a capacidade sucessória do indivíduo concebido por tais técnicas deve restar superada pela análise dos princípios constitucionais, que na verdade, são os alicerces do nosso ordenamento jurídico, capazes de impedir que qualquer forma de interpretação e aplicação das normas jurídicas brasileiras desrespeite a dignidade da pessoa humana, a liberdade, igualdade e restrinja o direito sucessório de um novo ser, que independentemente da sua origem ou da forma como foi concebido deve também ser protegido pela lei.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Ana Angélica de Sá Laranjeira Ferraz

Acadêmica de Direito da FACESF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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