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A institucionalização da polícia judiciária militar: uma necessidade premente

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Resumo:


  • As Forças Armadas desempenham atividades investigativas como Polícia Judiciária Militar, mas há diferenças significativas em relação às investigações civis, exigindo cautela e dinamismo na condução do Inquérito Policial Militar para evitar falhas que prejudiquem as investigações destinadas ao Ministério Público Militar.

  • A institucionalização da Polícia Judiciária Militar pode trazer benefícios para a Justiça Militar e a sociedade, sendo necessário aprimorar e fortalecer as ferramentas investigativas e periciais para identificar autoria e materialidade dos crimes militares.

  • Experiências como as Delegacias de Polícia Judiciária Militar em grandes eventos no Rio de Janeiro mostraram-se bem-sucedidas, fornecendo apoio jurídico e resposta rápida aos militares, evidenciando a importância de estruturas permanentes de investigação criminal nas Forças Armadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As Forças Armadas devem aprimorar e fortalecer suas ferramentas investigativas e periciais com vistas à identificação de autoria e materialidade dos crimes militares.

RESUMO: Os militares das Forças Armadas, além das funções delineadas na Constituição Federal, exercem atividades investigativas inerentes à Polícia Judiciária Militar. Nesse sentido, por existirem profundas diferenças técnicas e estruturais entre as investigações realizadas por militares das Forças Armadas e as implementadas pelas Polícias Judiciárias dos Estados e pela Polícia Judiciária Federal, a condução do Inquérito Policial Militar deve ser exercida com mais cautela e dinamismo, a fim de se evitar que falhas cometidas durante o procedimento investigativo possam prejudicar o resultado final da investigação que será destinada ao Ministério Público Militar. Dessa forma, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica devem aprimorar e fortalecer suas ferramentas investigativas e periciais com vistas à identificação de autoria e materialidade dos crimes militares. A institucionalização da Polícia Judiciária Militar pode trazer vantagens e benefícios para a Justiça Militar e para toda a sociedade.

PALAVRAS-CHAVES: Forças Armadas. Polícia Judiciária Militar. Institucionalização.

SUMÁRIO: 1. Introdução − 2. Diagnóstico da Polícia Judiciária Militar brasileira − 3. A experiência bem-sucedida das Delegacias de Polícia Judiciária Militar − 4. Vantagens da institucionalização da Polícia Judiciária Militar − 5. Iniciativas para a institucionalização da Polícia Judiciária Militar − 6. Uma visão de futuro. − 7. Conclusões − 8. Referências.


1. Introdução

Investigar condutas criminosas, ministrando elementos necessários à propositura da ação penal, é também uma função atribuída por lei aos oficiais das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Bombeiros Miliares.

A Polícia Judiciária Militar foi instituída em 1895 por regulamento do Supremo Tribunal Militar com o nome de Conselho de Investigação1 e, passados mais de cento e vinte anos, inexiste, no âmbito das Forças Armadas, um órgão destinado a profissionalizar militares para conduzir Inquéritos Policiais Militares (IPM), bem como as demais demandas inerentes à investigação criminal. A atuação do Encarregado do IPM, oficial designado para conduzir a investigação de um crime militar, é, na maioria das vezes, desprovida de orientação e coordenação jurídicas.

A problemática da institucionalização da polícia judiciária militar pode ser sintetizada no desafio de conciliar a aspiração social por decisões céleres e justas da Justiça Militar com investigações criminais que, em regra, ainda são conduzidas de forma descentralizada, por militares sem qualificação técnica para o exercício da atividade.

O Ministério Público Militar (MPM), destinatário das investigações criminais militares, está atento a esta relevante temática. No ano de 2015, foi realizada na Procuradoria-Geral da Justiça Militar, em Brasília – DF, uma atividade acadêmica da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) denominada “A institucionalização da Polícia Judiciária Militar”, na qual participaram membros do Ministério Público Militar, oficiais das Forças Armadas e da Polícia Militar do Estado de São Paulo e integrantes da Polícia Judiciária Militar de Portugal e do Uruguai.

No aludido evento foram abordados tópicos que contribuíram para a avaliação do cenário atual da Polícia Judiciária Militar no Brasil e indicaram caminhos para o aprimoramento da profissionalização e capacitação.

A atualidade e a importância do tema também se revelam no plano internacional. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem exigido o desdobramento de oficiais com capacidades investigativas certificadas pelos Estados-Membros que cedem contingentes militares para as missões de paz, sobretudo no que tange à qualificação para investigar crimes de exploração e abuso sexuais. Esta exigência internacional ratifica a necessidade de avanços na profissionalização da polícia judiciária militar nacional.

O presente artigo pretende fomentar uma reflexão com foco nas seguintes questões: Como está estruturada a atividade de polícia judiciária militar? Onde podemos avançar?

Inicialmente, será delineado um diagnóstico da atividade de Polícia Judiciária Militar brasileira e serão apresentados os resultados de pesquisas de campo realizadas.

Em um segundo momento, será comentada a experiência exitosa das Delegacias de Polícia Judiciária Militar, implementadas para acompanhar a tropa em atuação nas ações de garantia da lei e da ordem em comunidades cariocas e nos grandes eventos que vêm ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro.

Posteriormente serão debatidas as vantagens da institucionalização desta atividade e conhecidas as iniciativas embrionárias já existentes no seio das Forças Armadas. Por fim, uma visão de futuro sobre a institucionalização da atividade de polícia judiciária militar será apresentada.


2. Diagnóstico da polícia judiciária militar brasileira

Nos últimos anos, houve considerável ingresso de profissionais formados em Direito nas Forças Armadas, o que ensejou a criação de quadros técnicos, deflagrando, de forma tímida, o início da profissionalização das funções de polícia judiciária militar.

Não obstante este cenário, verifica-se que considerável parte destes profissionais são direcionados para atuarem em demandas cíveis que envolvem as Forças Armadas, gera-se, assim, uma lacuna no acompanhamento e assessoramento, de forma mais efetiva, aos Encarregados de IPM.

Com efeito, para uma eficaz apuração dos crimes militares, o profissional de Direito deve possuir conhecimentos especializados na área criminal, a fim de suprir as dúvidas levantadas pelos Encarregados de IPM no curso das investigações. Este dado não passou despercebido por Duarte e Carvalho (2015, p. 34), para quem apenas o conhecimento jurídico não é suficiente para uma boa investigação:

Forçoso reconhecer que, para o exercício eficiente da atividade de polícia investigativa, não basta apenas formação jurídica, sendo indispensável o conhecimento das boas técnicas de investigação, as quais exigem capacitação contínua, com a realização de cursos e submissão a treinamentos específicos.

De fato, o Código de Processo Penal Militar não indica parâmetros para o Encarregado de IPM conduzir uma investigação. Desse modo, é de se inquirir: Quais oitivas a realizar? O que se deve perguntar aos envolvidos para que se construam resultados efetivos? Qual o momento certo para representar por um pedido de busca e apreensão? Qual o momento oportuno para solicitar a quebra do sigilo telefônico ou bancário de uma pessoa? Como processar uma vigilância de um envolvido em uma ação delituosa? Como realizar uma quesitação pertinente aos peritos criminais?

Para responder tais questionamentos, são necessários profissionais especializados e estruturas compatíveis para combater os delitos cometidos na Era da Informação. Tal problemática foi visualizada por Gorrilhas e Aguiar Brito (2016, p.28), conforme abaixo:

Outro fator relevante que dificulta sobremaneira o atuar da PJM no âmbito federal consiste na ausência de sua institucionalização, com a criação de núcleos de especialização e formação de investigadores, peritos e escrivães em cada um dos ramos das Forças Armadas.

Estabelece a Constituição Federal (CF), no art. 144, § 4º, que os delegados de Polícia Civil são os detentores do poder de polícia judiciária e são os responsáveis pela apuração de infrações penais, exceto as militares, em nossa sociedade. Em nível federal, os delegados de Polícia Federal estão incumbidos de apurar as infrações penais cometidas em detrimento da União.

Sucede que os aludidos profissionais graduados em Direito, além de trabalharem diuturnamente na elucidação de crimes, possuem uma estrutura à sua disposição para a apuração de delitos.

Releva destacar que os Delegados de Polícia Civil e os Delegados da Polícia Federal são assessorados por agentes investigadores e contam com institutos de criminalística para a realização de exames forenses.

Não obstante o aparato que dispõem os Delegados de Polícia, o número exponencial de ocorrências faz com que não seja possível a apuração eficiente de grande parte dos crimes cometidos em nossa sociedade.

De fato, conforme nota do jornal “O Globo”, de 29/04/20142, “a maioria dos crimes no Brasil não chega a ser solucionada pela Polícia. De cada 100 crimes pelo país, mais de 90 nunca foram descobertos. E, assim, somente uma faixa de 5 a 8 % dos assassinos são punidos”.

Por outro lado, embora a prática de crimes militares seja numericamente inferior aos delitos de natureza comum, a falta de conhecimento jurídico e a ausência de técnicas de investigação por parte dos militares encarregados de IPM representam, em certa medida, obstáculos a serem superados na apuração de infrações penais militares.

Outro dado a ser ressaltado é que a designação de um militar para o exercício das funções de encarregado de Inquérito representa, na maioria das vezes, uma sobrecarga para o oficial, uma vez que, em regra, não é afastado das suas atividades rotineiras, situação que, consequentemente, pode resultar em investigações açodadas e inconsistentes. Não se pode olvidar ainda, que os Encarregados de IPM desconhecem legislações e procedimentos básicos para a condução do Inquérito.

Pesquisa realizada com membros do Ministério Público Militar (MPM) lotados nas Procuradorias da Justiça Militar no Rio de Janeiro3 constatou que mais de 50% dos Inquéritos Policiais Militares conduzidos pelo Exército Brasileiro não fornecem elementos suficientes para imediata manifestação da opinio delict do Parquet Militar.

A aludida tramitação de Inquéritos Policiais Militares entre o Ministério Público Militar e a Polícia Judiciária Militar poderia, em muitos casos, ser evitada, pois isso contribuiria para a celeridade do deslinde da questão.

Outro enfoque a ser ressaltado diz respeito à Perícia Criminal. É importante destacar que esta atividade deve ser executada por profissionais capacitados, uma vez que, se não obedecer aos preceitos constitucionais, poderá anular todo o processo, conforme magistério de Duarte (2008, p. 52):

A prova pericial, de igual maneira, tem de ser produzida com respeito aos parâmetros constitucionais, pena de ser tisnada pela eiva da nulidade, gerando consequências desastrosas e irremediáveis para o processo. As provas obtidas de forma ilícita ocasionam nulidade absoluta e contaminam as que delas derivarem.

Releva também destacar, no tocante à perícia, a preservação da cadeia de custódia da prova. Sobre o tema, Gorrilhas e Aguiar Brito (2016, pág. 51) anotaram:

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Entendemos indispensável assegurar a integridade dos elementos probatórios, a fim de que eles não se percam, não se desnaturem ou não sofram interferências capazes de alterar o resultado da investigação.

O Superior Tribunal de Justiça sobre a quebra da cadeia de custódia da prova assinalou:

Mostra-se lesiva ao direito à prova, corolário da ampla defesa e do contraditório constitucionalmente garantidos, ausência da salvaguarda da integridade do material colhido na investigação, repercutindo no próprio dever de garantia da paridade de armas das partes adversas. (HC 160.662-RJ-2010)4

Em relação ao perito criminal militar, destaca-se inicialmente o dispositivo legal previsto no Código de Processo Penal Militar, que ampara a execução da atividade nas Forças Armadas: “Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre oficiais da ativa, atendida a especialidade” (g.n.).

A expressão “de preferência” contida no artigo citado transformou a exceção em regra, ou seja, a atividade pericial é desempenhada quase que exclusivamente por graduados no âmbito das Forças Armadas. Não obstante haja oficiais, no âmbito do Exército, qualificados para o desempenho de tal mister5, estes acabam não sendo empregados na elaboração de perícias, porque, em regra, assumem funções de chefia e são frequentemente movimentados em decorrência da carreira.

O Código de Processo Penal (CPP), diferentemente do Código de Processo Penal Militar (CPPM), exige diploma de curso superior para o exercício da função de perito:

Art.159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.(grifo nosso)

§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (grifo nosso)

Dessa forma, a legislação processual penal militar legitima a perícia criminal realizada por uma praça sem formação acadêmica superior.

Há de se observar, contudo, os impedimentos legais para o exercício de perícia na seara do direito processual penal militar. Nesse sentido, o CPPM, no art. 52, elenca as hipóteses impeditivas para a nomeação de peritos militares, a saber:

Art. 52. Não poderão ser peritos ou intérpretes:

a) os que estiverem sujeitos a interdição que os inabilite para o exercício de função pública;

b) os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;

c) os que não tiverem habilitação ou idoneidade para o seu desempenho;

d) os menores de vinte e um anos.

É oportuno salientar que somente o Exército e a Marinha possuem repartições voltadas para a realização de exames periciais. A Aeronáutica não realiza exames em locais de crime, desta forma, é obrigada a solicitar a realização de exames periciais por outras instituições.

Averbe-se que, mesmo nas Forças (Exército e Marinha), que dispõem de serviço de perícia, há problemas estruturais. Vale observar que pesquisa realizada com militares do Exército que concluíram o Curso de Perícia e Investigação Criminal Militar (CPICM)6, realizado na Escola de Instrução Especializada do Exército, no Rio de Janeiro, único curso existente nas Forças Armadas com viés para a área investigativa militar, demonstrou que 75% dos peritos do Exército trabalham com carências acentuadas de materiais, o que pode prejudicar a realização e os resultados dos exames.

Em outra perspectiva, resultou apurado que a grande maioria dos militares do Exército que realizaram o curso de perícia do CPICM com êxito não foram aproveitados na função de perito em Inquéritos Policiais Militares7.

No que se refere ao tempo de permanência do militar do Exército na atividade pericial, é possível aferir uma significativa taxa de evasão de profissionais especializados, em razão, principalmente, das transferências às quais estão sujeitos os militares no decorrer de sua carreira8.

Em relação a esse aspecto é importante ressaltar que somente a prática prolongada de militares especializados em exames forenses propiciará a expertise necessária neste ramo do conhecimento.

No caso do Exército, por exemplo, única Força dotada de curso de formação de peritos, as perícias são realizadas nas Organizações Militares da Polícia do Exército (OMPE). Ocorre que, ao ser transferido para outro quartel, o militar especializado passa a não mais aplicar seus conhecimentos científicos, os quais, com o passar do tempo, vão-se desatualizando.

Ainda no tocante à atividade pericial, consigne-se que, em pesquisa realizada com membros do Ministério Público Militar lotados no Rio de Janeiro, acerca da qualidade dos laudos periciais produzidos por peritos militares, foi possível inferir que a atividade pericial militar carece de aprimoramentos técnicos e estruturais9.

QUALIDADE DOS LAUDOS PERICIAIS MILITARES NA VISÃO DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR.

RUIM 9%
RAZOÁVEL 46%
SATISFATÓRIO 45%
MUITO BOM 0%

ILUSTRAÇÃO 1: Qualidade dos laudos periciais militares na visão do MPM/RJ

Fonte: Os autores.

Assim sendo, constata-se a necessidade de avançar na implementação de estruturas que viabilizem a institucionalização da polícia judiciária militar no âmbito das Forças Armadas, o que implicará também no aprimoramento das atividades periciais. Nesse contexto, são muitos os desafios a serem enfrentados pela Polícia Judiciária Militar.

Pontue-se que uma polícia judiciária militar ineficiente contribui para o desprestigio de todos os órgãos que compõem o sistema criminal militar, vale dizer, Defensoria Pública da União, Ministério Público Militar e Justiça Militar da União. Com efeito, a polícia judiciária militar é o primeiro órgão destinado a apurar autoria e materialidade de crime militar e, nessa vereda, a inabilidade policial em descortinar a autoria de crime repercute, de forma negativa, para a credibilidade destas instituições perante a sociedade. Assim, torna-se imprescindível criar melhores condições para a profissionalização da PJM, consistentes na criação de estruturas eficazes para o assessoramento e a condução de investigações criminais, o que inclui um aperfeiçoamento significativo dos recursos humanos focados nesta atividade.

As questões relativas à preservação do local de crime devem receber especial atenção das autoridades militares. A incorreta preservação de uma cena de crime compromete a prática pericial e, consequentemente, a apuração dos fatos.

Investimentos tecnológicos também se colocam como um desafio, principalmente em um contexto de recursos financeiros escassos.

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Sobre os autores
Claudio Amin Miguel

JUIZ-AUDITOR SUBSTITUTO DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO.

Marcio Renato Alves Barbosa

MAJOR DO EXÉRCITO BRASILEIRO

Luciano Gorrilhas

Subprocurador-geral de Justiça Militar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Claudio Amin ; BARBOSA, Marcio Renato Alves et al. A institucionalização da polícia judiciária militar: uma necessidade premente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5060, 9 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56972. Acesso em: 22 dez. 2024.

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