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A institucionalização da polícia judiciária militar: uma necessidade premente

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3. A experiência bem- sucedida das delegacias de Polícia judiciária Militar

Conforme comentado alhures, as Forças Armadas apresentam deficiências nas áreas periciais e investigativas, notadamente por não ser a atividade-fim destas instituições. A falta de uma estrutura permanente para a Polícia Judiciária Militar é observada por Duarte e Carvalho (2015, p. 15):

Numa primeira abordagem, observa-se que a estrutura de polícia judiciária delineada no CPPM até poderia ter alcance satisfatório, mas dependeria sobretudo de ter uma estrutura técnica e profissional, nos moldes de uma Polícia Federal. Da forma como se encontra, o que se observa é um modelo sem uma organização fixa, desprovido de uma direção e sem qualquer planejamento. Em tal cenário, não há objetivos traçados e nem rumos a serem perseguidos, como, por exemplo, um desejável aprimoramento ou domínio das técnicas investigativas contemporâneas.

Neste panorama, de forma embrionária e temporária, as Forças Armadas, por ocasião de grandes eventos no Estado do Rio de Janeiro, instituíram Delegacias de Polícia Judiciária Militar (DPJM) com militares qualificados para atuar da investigação de crimes militares.

Segundo Neves (2012, p. 3) primeira experiência ocorreu na operação “Cimento Social”, em 2007, e, posteriormente, foram criadas Delegacias de Polícia Judiciária Militar nas operações de Garantia da Lei e da Ordem no Complexo do Alemão, no Complexo da Maré, na Copa do Mundo e, por fim, nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, respectivamente nos anos de 2011, 2013, 2014 e 2016.

Assim, nos referidos eventos, houve um suporte jurídico exitoso e uma pronta resposta aos militares que participaram das aludidas operações, notadamente nas prisões em flagrante e nas operações de busca e apreensão.

Neves (2012, p. 4) ressalta, ainda, que foram diversas as contribuições da DPJM para a tropa empregada nos eventos acima referidos, dentre as quais vale destacar as seguintes:

a) execução de investigações policiais imparciais, pois os oficiais que atuaram como Delegados de Polícia Judiciária não pertenciam aos quartéis dos militares investigados;

b) emprego dos Peritos Criminais Militares em conjunto com os Delegados de Polícia Judiciária Militar;

c) mais eficiência na resposta penal, uma vez que a atividade de polícia judiciária exigia qualificação técnica especializada.

Para fins de conhecimento e verificação da importância do tema, conforme Miranda (2012, p. 14), na Operação Arcanjo, desenvolvida nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, 128 processos de prisão em flagrante tinham sido enviados à Justiça Militar até maio de 2012, dos quais 112 (87,5%) “foram transformados em ações penais militares, que tramitaram nas Auditorias Militares localizadas no Rio de Janeiro”.

A implementação das DPJM nos grandes eventos nos quais as Forças Armadas são empregadas dentro do território nacional se revelou imprescindível. Atualmente, já não se mobiliza força militar federal sem dispor dos serviços das Delegacias de Polícia Judiciária Militar.


4.Vantagens da institucionalização da Polícia Judiciária Militar

Com a implementação de uma delegacia permanente de polícia judiciária militar poderia ser disponibilizada uma seção de assessoramento técnico na área investigativa e pericial, além das seguintes vantagens abaixo elencadas:

a) acompanhamento, desde o momento de sua instauração, dos Inquéritos Policiais Militares nas Organizações Militares subordinadas, ou vinculadas, às maiores autoridades militares regionais;

b) prestação de apoio técnico à investigação, analisando em parceria com o Encarregado do IPM, quais as oitivas fundamentais para a elucidação do caso em apuração, quais as técnicas de entrevistas apropriadas para cada testemunha e quais os procedimentos jurídicos a serem tomados oportunamente em cada caso;

c) auxílio efetivo aos presidentes de Auto de Prisão em Flagrante Delito, a fim de se evitarem falhas nos procedimentos jurídicos em cada caso concreto;

d) contato aproximado com as Auditorias da Justiça Militar, Ministério Público Militar e Defensoria Pública da União a fim de se dirimirem dúvidas e se intermediarem autorizações judiciais;

e) execução, por intermédio de uma eventual Subseção de Criminalística da DPJM, de exames periciais necessários para a elucidação de crimes;

f) suporte técnico aos Encarregados de IPM com profissionais especializados (investigadores) nos casos de apuração mais complexas.

g) condução de medidas sumárias para verificação de fatos apontados por meio de denúncias anônimas, que se assemelham às Verificações Preliminares de Informações (VPI), conduzidas nas Delegacias de Polícia Civis, a fim de se apurarem denúncias contra militares que apresentam indícios de participação em alguma prática criminal.

h) estabelecimento de vínculos de cooperação com Delegacias e Institutos de Criminalística do meio civil a fim de facilitar a obtenção de dados e a realização de exames periciais que, porventura, não possam ser executados pelas Forças Armadas;

i) atuação em Operações Militares de garantia da lei e da ordem, evitando-se o emprego de equipes despreparadas e inexperientes na atividade de polícia judiciária militar.

Ressalta-se que não caberia à DPJM realizar todos os Inquéritos Policiais Militares e sim, como visto, assessorar, de maneira eficaz, as investigações. Com efeito, o Delegado de Polícia Judiciária Militar realizaria, somente, os inquéritos mais complexos ou medidas sumárias para verificação de fatos apontados por meio de denúncias anônimas. A DPJM, como estrutura permanente, permitiria que todas as Organizações Militares das Forças Armadas fossem apoiadas nos assuntos ligados à Investigação Criminal.

Ademais, a DPJM poderia ter, como uma de suas atribuições, a tarefa de buscar o contato aproximado com o Encarregado do IPM, a fim de prestar-lhe o apoio devido.

Em pesquisa realizada no âmbito do Exército10, pode-se aferir pela tabela abaixo que poucos Encarregados de IPM solicitam o apoio de investigadores, embora os alunos do Curso de Perícia e Investigação Criminal Militar (CPICM) tenham capacidade para este tipo de tarefa.

MILITARES ESPECIALIZADOS PELO CPICM QUE FORAM EMPREGADOS EM INVESTIGAÇÕES (EM AUXÍLIO AOS ENCARREGADOS DE IPM)

SIM 13%
NÃO 87%

ILUSTRAÇÃO 2: Percentuais de ex-alunos do CPICM que já foram empregados em apoio investigativo aos Encarregados de IPM.

Fonte: Os Autores

Nessa nova sistemática, seria fundamental uma maior integração entre os Delegados de Polícia Judiciária e os peritos criminais militares, pelas seguintes razões:

a) as solicitações de exames periciais dariam entrada pela DPJM o que permitiria que o Delegado Titular tivesse conhecimento imediato da ocorrência e, desta forma, pudesse iniciar o processo de assessoramento ao Comandante da Organização Militar e ao Encarregado de Inquérito;

b) impedir a possibilidade de interferências externas no trabalho pericial.

Em relação a este último aspecto, são pertinentes os comentários realizados por Gorrilhas (2016, p. 127) acerca da autonomia dos peritos criminais militares:

Embora cediço que no ambiente da caserna vigora uma doutrina pautada na hierarquia entre os militares, é necessário que, em relação ao perito militar, haja total autonomia técnica, científica e funcional.

Para implementar a DPJM, é desejável a estruturação de um Curso de Delegado de Polícia Judiciária Militar destinado a oficiais intermediários, preferencialmente, bacharéis em Direito. Seria interessante e proveitoso que tais militares, após a conclusão do curso, desempenhassem a função por, no mínimo, 5 (cinco) anos consecutivos. Assim como os Peritos/ Investigadores, os Delegados, neste período considerado, só poderiam ser transferidos de uma DPJM para outra DPJM. Tal medida não restringiria a possibilidade de transferências e possibilitaria que tais profissionais ganhassem expertise na atividade de PJM.


5. Iniciativas para a institucionalização da Polícia Judiciária Militar

No Exército e na Marinha já foram implementadas algumas iniciativas embrionárias de institucionalização da atividade de polícia judiciária militar.

No âmbito do Exército, no ano de 2005, a centralização do serviço de perito criminal na Chefia de Polícia da 1ª Divisão de Exército (1ª DE)11, localizada no Rio de Janeiro, foi o que mais se assemelhou a um embrião de institucionalização da polícia judiciária militar. Os militares habilitados para atuarem como peritos estavam distribuídos pelas unidades da Vila Militar e, muitas vezes, demoravam em demasia para atender as ocorrências12.

Naquela época, havia uma preocupação, por parte da Administração Militar, no sentido de que fosse observada a preservação do local do crime. A partir do momento que um pequeno número de peritos passou a integrar a Chefia de Polícia, os resultados foram positivos e rápidos.

A par disso, os laudos periciais passaram a ter uma melhor qualidade tanto em apresentação, quanto em conteúdo13. Os militares especializados puderam aprofundar conhecimentos participando de palestras e congressos inerentes a área pericial.

Os bons resultados motivaram a criação, no mesmo ano de 2005, de uma Subseção de Criminalística da Chefia de Polícia da 1ª DE, o que representou uma inovação na sistemática do serviço pericial. Em virtude do sucesso verificado pela análise de indicadores de desempenho, esta estrutura permanece em funcionamento nos dias atuais e permite que um número reduzido de militares consiga atender à demanda existente.

Da mesma forma, a Marinha do Brasil (MB) deu um grande passo para o aprimoramento da atividade pericial e investigativa na Força Naval. A Norma Nº 315 da Diretoria Geral de Pessoal da Marinha (DGPM-315), de 13 de janeiro de 2011, determinou a instauração de Núcleos de Polícia Judiciária Militar, atrelados aos Comandos dos Distritos Navais.

Tal iniciativa visava atingir os seguintes objetivos, dentre outros:

Com o propósito de reduzir a dependência da Marinha em relação aos órgãos de investigação externos e, com isso, instrumentalizar e tornar mais ágil e eficiente os procedimentos para a apuração dos crimes militares, cada Comando de Distrito Naval deverá implementar a criação de um Núcleo de Polícia Judiciária Militar. (N-PJM).

A criação do N-PJM não implica em qualquer inibição ao exercício do poder de polícia judiciária por parte dos titulares de OM, os quais continuarão a exercê-lo em toda a sua plenitude, consoante o disposto nas alíneas g e h do art. 7º do CPPM, competindo-lhes as atribuições previstas no art. 8º do mesmo dispositivo legal. O emprego do N-PJM é voltado para a provisão de respaldo técnico, principalmente pericial, ao exercício do poder de polícia judiciária. (DGPM315, Cap 6.3).

Atualmente, a Marinha do Brasil necessita estruturar cursos de especialização para os militares que desempenham as atividades de PJM, porém, os avanços alcançados com a implantação dos N-PJM já mostram resultados promissores.

Existe a previsão de um Núcleo de Polícia Judiciária Militar (N-PJM) por Comando de Distrito Naval, o que proporcionará segurança para toda a Marinha do Brasil nos assuntos que envolvem a Justiça Militar da União em todo o território brasileiro.

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A pesquisa de opinião realizada com Membros do MPM lotados no Rio de Janeiro comprova que ocorreram aperfeiçoamentos nos Inquéritos da Força Naval em decorrência da implantação do N-PJM (neste caso, o N-PJM do 1º Distrito Naval14 .

ILUSTRAÇÃO 3: Desempenho do N-PJM do 1º Distrito Naval.

IMG

Fonte: Os Autores

Ainda nos dias de hoje, não foram deflagradas iniciativas para a institucionalização da polícia judiciária militar no âmbito da Aeronáutica.


6.Uma Visão de futuro

Uma visão de futuro desejável para a Polícia Judiciária Militar seria aquela que permitisse que cada Força Armada tivesse condições estruturais para implementar Delegacias de Polícia Judiciária Militar dotadas de profissionais especializados de modo a atuar com técnica, confiabilidade e agilidade nas investigações criminais. Uma proposta seria que cada Força implementasse um número adequado de Delegacias de Polícia Judiciária ou Núcleos de Polícia Judiciária Militar, de acordo com a distribuição territorial de cada Força e um Centro de Criminalística.

Exames residográficos, exames de microestrias, exames de DNA, exames em documentos falsos, exames laboratoriais, entre outros, demandam equipamentos e profissionais capacitados para a emissão de laudos especializados. Tais equipamentos e profissionais são de elevada importância para o perito de campo que atuará no local do crime. Desta forma, o Centro de Criminalística seria um ponto de convergência das evidências forenses que ainda demandariam exames mais apurados.

Poder-se-ia também pensar em um Centro de Criminalística único para as Forças Armadas. O Estado do Rio de Janeiro apresenta uma grande concentração de tropas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e, desta forma, o Centro de Criminalística poderia ser uma unidade integrada do Ministério da Defesa com sede neste Estado, aumentando sua amplitude e diluindo os custos de implantação pelas três Forças Armadas.

No tocante à formação, considerando-se que a atividade-fim de investigação não é própria da atividade militar, importante seria a criação de Cursos de especialização para a condução de Inquéritos ou para a lavratura de Autos de Prisão em Flagrante Delito (APFD) no âmbito do Ministério da Defesa (MD) a fim de permitir o nivelamento e a uniformidade de procedimentos da PJM no âmbito das Forças Armadas.

Cursos de Perícia e Investigação Criminal também podem ser aperfeiçoados a fim de se permitir que as três Forças disponham de Peritos em seus quadros. Destaca-se mais uma vez a necessidade de investimentos em materiais específicos para a atividade forense e a melhoria dos processos seletivos dos graduados que serão especializados neste ramo do conhecimento.

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Sobre os autores
Claudio Amin Miguel

JUIZ-AUDITOR SUBSTITUTO DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO.

Marcio Renato Alves Barbosa

MAJOR DO EXÉRCITO BRASILEIRO

LUCIANO GORRILHAS

Subprocurador-geral de Justiça Militar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Claudio Amin ; BARBOSA, Marcio Renato Alves et al. A institucionalização da polícia judiciária militar: uma necessidade premente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5060, 9 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56972. Acesso em: 22 nov. 2024.

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