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Atividade financeira do estado, planejamento tributário, teoria dos jogos e incentivos fiscais para o fomento da inovação tecnológica brasileira

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05/05/2017 às 08:38
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Demonstra-se a lógica da utilização tanto do planejamento fiscal quanto da teoria dos jogos para o fomento de atividades econômicas, em especial da inovação tecnológica no Brasil e de sua importância para o contexto do desenvolvimento socioeconômico.

Incentives are the essence of economics.

Edward Lazaar, 1998

Resumo: O presente artigo abordará a temática incentivos/benefícios fiscais sob a perspectiva do planejamento fiscal e da teoria dos jogos, demonstrando a lógica da utilização tanto do planejamento fiscal quanto da teoria dos jogos para o fomento de atividades econômicas, em especial da inovação tecnológica no Brasil e de sua importância para o contexto do desenvolvimento socioeconômico brasileiro. O presente artigo irá desvendar a utilidade da teoria dos jogos para o correto manuseio do planejamento fiscal de forma legítima. Ademais, no contexto internacional, a utilização desonerativa do tributo para tal intento P,D&I é conhecida como função extrafiscal do tributo e ela é de suma importância para o incremento de tais atividades inovativas, para que possa ser alçado aos países mais desenvolvidos científica e tecnologicamente, uma vez que de nada adianta a um país ser referência econômica se não há melhoria dos índices de desenvolvimento social e tampouco independência tecnológica. Também será abordado no presente articulado que os incentivos/benefícios fiscais são ótimas ferramentas para que os particulares possam se sentir economicamente atraídos para o desempenho de determinada atividade não exercida a contento pelo Estado. Assim, as diversas outras nações utilizaram-se dos incentivos/benefícios fiscais para alavancarem a melhoria da qualidade de vida de sua população, bem como para garantirem o desenvolvimento econômico-social. Aliado aos incentivos/benefícios de natureza tributária, outros instrumentos jurídicos também podem ser utilizados para o fomento da inovação tecnológica, dentre eles a utilização de parcerias público-privadas, atualmente existente apenas para a  execução de obras públicas, nos moldes descritos na Lei 11079/2004. Restará demonstrado que a teoria dos jogos, juntamente com o planejamento fiscal são poderosos instrumentos para que incentivos/benefícios fiscais em P,D&I sejam utilizados de forma eficiente, fazendo com que o Brasil se estabeleça como potência tecnológica à altura de sua importância econômica no contexto mundial das Nações, eis que obedecidas as diretrizes constitucionais de solidariedade, igualdade, democracia e responsabilidade fiscal e transparência internacional, pode ser o perfeito instrumento para alavancar o progresso humano e material de todos.


1. Introdução.

 O planejamento tributário, seja ele realizado no plano nacional ou internacional, carece de um estudo metodizado sobre as melhores e mais eficientes formas de se economizar recolhimentos tributários. Nesse sentido, a teoria dos jogos apresenta-se como uma importante ferramenta para que o contribuinte possa maximizar os intentivos/benefícios tributários que lhe são outorgados por Lei.

 Nesse contexto, o presente artigo fará uma abordagem tanto sobre o planejamento tributário quanto à teoría dos jogos, especialmente sobre a imbricação que ambos podem ter para a maximização da economia legítima de tributos.

No capítulo 2 será feita uma incursão sobre a tributação, os incentivos e benefícios fiscais.

No capítulo 3 será tratado o conceito de incentivos e beneficios fiscais, bem como o caráter extrafiscal do tributo, demonstrando que ele pode exercer função regulatória e indutora.

No capítulo 4 serão abordados conceitos elementares sobre a teoria dos jogos,  incentivos/benefícios fiscais e planejamento tributário.

No capítulo 5 será a vez de abordar a  utilização de incentivos fiscais no Direito Comparado. 

Os dois últimos capítulos 6 e 7 serão dedicados às conclusões e indicação bibliográfica.


2. Tributação, incentivos e benefícios fiscais.

O Estado brasileiro é gigantesco e detém a complexa tarefa de cumprir todos os objetivos dispostos na Constituição Federal: construir uma sociedade livre[1], justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, orientação sexual, ideológica ou política, bem como de toda e qualquer forma de discriminação social.

Para que o Estado possa desenvolver a contento suas competências e atribuições ele deve possuir dinheiro em caixa, uma vez que para que possa executar os serviços públicos a tempo e modo (isto é, de forma geral, eficiente, contínua, moderna, segura e adequada), bem como fazer investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica e atividades ligadas à preservação ambiental e manutenção de bens e valores sociais[2] de cunho histórico, paisagístico ou cultural é necessário ter recursos financeiros suficientes para tanto. Sem dinheiro não há como o Estado prestar seus serviços essenciais para seu povo.

Cabe lembrar que a existência do orçamento[3], por si só, não atende aos reclamos de executoriedade dos serviços públicos e das demais demandas existentes. Em primeiro lugar porque o orçamento é apenas uma peça legal de previsão de receitas, conhecida como lei de meios, sendo chamada jocosamente por alguns doutrinadores por mera peça de ficção, pois suas disposições não significam que os valores pecuniários nela previstos efetivamente existam ou venham a existir no mundo dos fatos, já que dependem de sua execução (=arrecadação) e isso sem descurar-se das diversas contingências que gravitam em torno do tema. Em segundo lugar, porque apenas a previsão em lei orçamentária não garante que eles sejam, de fato, aplicados nos serviços públicos, já que no sistema constitucional o orçamento é apenas um programa, e mesmo sua previsão na lei não obriga o administrador em segui-lo, inexistindo a figura do orçamento-impositivo no ordenamento jurídico brasileiro.

A atividade financeira do Estado[4] inclui a criação, a cobrança e o gasto dos tributos[5]. Há autores que incluem no rol da atividade financeira os denominados créditos fiscais.

Seja como for, surge aqui o tributo e sua função tipicamente fiscal[6]: amealhar recursos para que o Estado desenvolva suas múltiplas e polifacetadas funções, uma vez que direitos não nascem em árvores[7] e carecem de recursos para que tenham efetividade. Vislumbra-se aqui a ocorrência da típica função fiscal dos tributos.

Outros fatores também se aliam ao discurso da necessidade de ampliação das fontes de recursos públicos, tais como: (a) hipercomplexidade dos fatos e das sociedades, que redunda nos comportamentos e desdobramentos de consequências diversas e em escala mundial, já que a História das sociedades demonstrou existir tanto períodos de riqueza ou desenvolvimento econômico ideal quanto a períodos de recessão econômica; (b) alto índice de desemprego em períodos de recessão, como a atualmente a grave crise que experimenta a Europa e Estados Unidos, causador de diversos embates sociais;  (c) custeio de atividades beligerantes;  (d) necessidade de inovação tecnológica;  (e) decorrência da industrialização ou globalização; (f) crise previdenciária em decorrência do regime de repartição dos benefícios em detrimento do regime de capitalização, mais eficiente e autossustentável;  (g) necessidade de agilidade no trato de assuntos econômicos.

O Tributo, nessa conjuntura, é uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, na dicção do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

A cobrança de tributos, ao contrário do que possa parecer a um leigo, não está solta, à vontade dos governantes. Há na Constituição Federal um longo catálogo de limites e princípios jurídicos[8] que disciplinam a atividade tributária, podendo-se mencionar, a título ilustrativo[9]: I - princípio federativo;   II princípio republicano;  III - princípio da justiça tributária;  IV - princípio da segurança jurídica;  V - princípio da justiça social;  VI - princípio da liberdade de iniciativa privada e propriedade;  VII - princípio da igualdade;  VIII - princípio da razoabilidade; IX - princípio da proporcionalidade;  X princípio da destinação dos impostos a fins exclusivamente públicos;  XI - princípio da legalidade; XII - princípio da irretroatividade;  XIII - princípio da capacidade contributiva;  XIV - princípio da anterioridade/noventena;  XV - princípio do mínimo existencial;  XVI - princípio do não-confisco;  XVII - princípio da liberdade de tráfego;  XVIII - princípio da eficiência;  XIX - princípio da moralidade;  XX - princípio da impessoalidade;  XXI princípio da praticidade;  XXII - princípio da proibição de isenção heterônoma; XXIII - princípio da proibição de moratória heterônoma;  XXIV - princípio da essencialidade dos produtos tributados por IPI e  ICMS; XXV - princípio do devido processo legal;  XXVI - princípio da uniformidade tributária;  XXVII princípio da inviolabilidade e intimidade de dados;  XXVIII princípio do caráter pessoal dos impostos;  XXIX - princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino;  XXX - princípio da anualidade; XXXI princípio da progressividade; XXXII princípio non olet;[10] XXXIII princípio da imundade recíproca; XXXIV princípio da publicidade. O rol acima é apenas ilustrativo.

Conforme afirmado, os tributos são instituídos para que o Estado faça frente a despesas para manutenção de todo o aparato e serviços públicos e a isso se dá o nome de fiscalidade. O tributo, nesta hipótese, ostenta fins meramente arrecadatórios.

Ocorre que, em decorrência do que determina a Constituição Federal, especificamente no artigo 151, inciso I, os tributos podem também ter fins extrafiscais, a fim de regular determinados valores, em especial parcela da atividade econômica, a fim de garantir o desenvolvimento social.

Neste sentido, quando o Estado quer incrementar determinado setor da economia ele utiliza os incentivos/benefícios fiscais. Incentivo/benefício fiscal, grosso modo, é toda ação ou omissão do Estado que propicia a uma pessoa o gozo de um direito se cumprir determinadas condições e a se comportar de determinada maneira.  Nesse contexto, o senador vitalício e jurista italiano, Norberto Bobbio, utiliza a linguagem de sanção premial[11] quando o legislador, para recompensar determinado comportamento do destinatário da norma jurídica, prevê a concessão de vantagens ou prêmios para aqueles que atendem aos preceitos da lei. Ocorrida a incidência da norma e o cumprimento de seu preceito, invés de punição vem a concessão de benefícios.

Com efeito, conforme asseverado, não se pode perder de vista que constitui objetivo fundamental do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a garantia do desenvolvimento nacional.

A concessão de incentivos/benefícios fiscais visa conferir maior justiça com o desenvolvimento social. Nessa trilha de raciocínio, a concessão de incentivos/benefícios fiscais, a par de representar aparente violação ao princípio da igualdade e de outros princípios constitucionais limitadores, não chega na verdade a ocorrer tal desrespeito a preceitos constitucionais, uma vez que é a própria Constituição Federal que autoriza tal proceder, demonstrando a legitimidade constitucional dos incentivos/benefícios tributários. Também deve ser ressaltado que cabe à União Federal instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos/incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócioeconômico entre as diferentes regiões do País, sendo uma amostra de que a concessão de incentivos/benefícios fiscais não é medida ilegítima e imoral se for adequadamente manejada a fim de imprimir uma maior inclusão social.

A concessão de incentivos/benefícios fiscais para determinado setor econômico poderá ostentar a tisna de arbitrariedade acaso não seja fundamentado em valores substanciais da República, retratando ocorrência de discriminações odiosas, além de afronta aos princípios da atividade econômica[12]. Humberto Ávila abordou a questão devidamente, ao analisá-la sob o prisma da igualdade tributária. São suas as seguintes palavras:

Nesse sentido, é comum escutar, por parte do contribuinte, a alegação de que a norma tributária é injusta, por desigual, na medida em que deixa de atentar para as particularidades do seu caso ou dele próprio. "O meu caso é diferente", exclama o contribuinte individual, reclamando, por exemplo, por não poder deduzir, da base de cálculo do imposto sobre a renda, a totalidade das despesas com educação ou com tratamentos médicos, sendo obrigado a obedecer a um padrão legal que permite a dedução somente até um determinado limite, aplicável a todos os contribuintes, indistintamente. O contribuinte insurge-se contra o conteúdo da norma tributária, pois a considera injusta, pelo fato de ela não levar em conta as suas particularidades, tratando-o, meramente, como membro de uma classe de indivíduos (os contribuintes do imposto sobre a renda) e, não, como um indivíduo. "E eu?", reclama como a exigir a inserção das suas particularidades no âmbito da norma tributária.[13]

O tributo pode servir como um excelente mecanismo de regulação da economia[14], incentivando, estimulando ou fomentando determinados comportamentos sociais para com isso atingir a otimização dos fatores de produção.  E isso ocorre em diversos setores sociais: cultura, meio-ambiente e economia.

Veja-se o que relata Fábio de Sá Cesnik sobre os efeitos da concessão de incentivos/benefícios fiscais ligados à cultura ocorrida nos Estados Unidos da América, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde apenas recentemente (há menos de trinta anos) políticas públicas de incentivo à cultura foram estabelecidas:

Ao revés desse contexto, já em 1917, o governo dos Estados Unidos da América adotara a política de incentivos à cultura (tax deduction). Por meio desse sistema, podia-se abater o valor efetivamente doado do imposto devido. Esse sistema vigorou por cerca de setenta anos e hoje, como reflexo de seus efeitos estruturados, tem-se um sistema cultural desenvolvido e com grande expressão, ao mesmo tempo que uma política forte de investimento em cultura. Alguns importantes investidores americanos surgiram nesse período, dando origem a importantes instituições, tais como: Fundação Rockfeller, Universidade de Chicago, Fundação Guggnheim, além da iniciativa de famílias tais como Carnegie, Morgan, Vanderbit, Ford e tantas outras[15].

Enquanto há longa data diversos países hoje considerados desenvolvidos tenham incentivado a iniciativa privada para investimentos em determinados setores importantes e estratégicos, pouco se fez no Brasil.

Para utilizar como paradigma o comportamento dos Estados Unidos da América com sua cultura, o Brasil teve apenas em 1986 a primeira experiência de incentivo fiscal à cultura com a Ley Sarney, que durou até 1990[16], demonstrando o atraso, desconhecimento e descaso do Estado com a utilíssima ferramenta de regulação dos comportamentos econômicos da sociedade.

No contexto internacional, cabe pontuar que os incentivos/benefícios tributários podem também ser utilizados no que diz respeito ao fomento da inovação tecnológica (incluindo-se aqui a indústria automobilística, agropecuária, farmacêutica, cosmética, química fina, médico-hospitalar, dentre tantas outras, além de atividades esportivas e culturais), pois além de ser também economicamente desejável pelas empresas de P,D&I (=pesquisa, desenvolvimento e inovação) representa dispêndio sobre temas não explorados diretamente pelo Estado.

Os incentivos/benefícios fiscais podem ser legitimamente utilizados como ferramenta para extirpar as desigualdades regionais e implementar o desenvolvimento social, tal qual determina a Constituição Federal. Aliás, sobre o uso dos incentivos/benefícios fiscais para eliminar ou reduzir as desigualdades sociais, a doutrina espanhola é categórica ao relembrar que:

Como es sobradamente sabido, existen manifiestas e irritantes desigualdades de situaciones econômicas y sociales, en la más amplia acepción de los términos, entre los diversos pueblos que componen la humanidad. De entre ellos, unos pocos, si bien contando con poblaciones numerosas, vienen, desde tiempo atrás, disfrutando de un alto grado de desenvolvimiento y bienestar, de elevado tenor de vida, de progreso material, econômico, cultural, social en suma, en sus diversos aspectos; mientras que junto a ellos se hallan otros que padecen de retraso en grado vario, en los diferentes premencionados aspectos. Rezago que no es exagerado calificar de infrahumano  en lo que concierne a algunos de entre ellos. Países retrasados, estos, a cuyas expensas, sin duda, por otra parte, los mencionados en primer término, vale decir, los desarrollados, los avanzados, consiguieron en gran medida alcanzar (e incluso en gran parte lograr mantener aún) el alto nivel económico-social de que disfrutan. Deplorable e injusta situación y circunstancias que exaculan de la memória el estigmático aforismo, que también en este plano ensombrece y descasta al ser humano: Homo hominis lúpus.[17]

Como visto, a política de concessão de incentivos/benefícios fiscais além de ter a capacidade de fomentar determinada atividade econômica, artística, cultural também é um poderoso elemento para propiciar o desenvolvimento social, como quer a Constituição Federal.

3. Incentivos/benefícios Fiscais-tributários Conceito - Caráter extrafiscal do tributo O tributo exercendo função regulatória e indutora

Conceitua-se como incentivos/benefícios fiscais-tributários toda e qualquer desoneração tributária - seja por intermédio de concessão de isenções tributárias, não-incidência, alíquota zero, créditos presumidos, deduções e depreciações patrimoniais - com a finalidade extrafiscal de implementar políticas públicas de fomento a atividades econômicas estratégicas, atendidos os princípios da juridicidade, legitimidade, capacidade contributiva, desenvolvimento sustentável e justiça social.

 Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a concessão de incentivos/benefícios fiscais deve ostentar o aspecto da juridicidade, uma vez que não apenas a Constituição Federal deverá ser observada, mas também todo o conjunto legal que venha a tornar razoável a concessão de incentivos/benefícios e desonerações, como, por exemplo, o cumprimento de exigências de uma administração tributária responsável, transparente, equilibrada e controlada.

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Em segundo lugar, registre-se que os incentivos/benefícios fiscais deverão ser legítimos, isto é, serem criados conforme o figurino de representação popular, conforme os trâmites legais e visando a uma finalidade social.

Em terceiro lugar e não menos importante deve ser lembrado que os incentivos/benefícios fiscais também deve trazer em si o respeito ao conceito de justiça social, uma vez que determinada parcela da sociedade será beneficiada em detrimento de um outro tanto que sofrerá o desequilíbrio com as benesses legais. Nesse sentido, não cabe esquecer que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe que a concessão de incentivos/benefícios deverá vir acompanhada de medidas compensatórias.

 Tais exigências constitucionais visam legitimar os incentivos/benefícios criados e que eles não venham a atender apenas determinadas pessoas ligadas ao poder político. Sem dúvidas que incentivos/benefícios desta natureza certamente violaria o princípio da justiça tributária. O tributarista Heleno Taveira Torres ao prefaciar a monografia de Marcos André Vinhas Catão arremata:

Os incentivos fiscais mantêm íntima relação com o conceito de justiça. É dever do Estado reduzir desigualdades e promover as condições necessárias para que os cidadãos e suas empresas tenham condições de suportar a carga tributária sem comprometer a própria existência ou a lucratividade necessária. O conceito de distribuição de rendas que é inerente aos tributos não pode chegar aos efeitos de verdadeiros confiscos, levando uns poucos à penúria, para garantir a presença de um Estado assistencialista. Antes, cumpre ao Estado fomentar o desenvolvimento econômico, criando oportunidades, garantindo seu crescimento e manutenção de modo duradouro, de um tal modo que o capital não perca o gosto de ser capital investido na produção.[18]

Sem a observância de tais diretrizes, toda e qualquer concessão indiscriminada e irrazoável de incentivos/benefícios ou desonerações tributárias representará em insofismável criação de discriminações odiosas, repudiada pela Constituição Federal.

A concessão de incentivos/benefícios fiscais pode ser uma saída para aqueles setores da economia em que ao Estado não convenha se imiscuir e ao menos possibilite mediante a concessão de sanções premiais que a iniciativa privada o faça.

Não se pode perder de vistas que a espiral de problemas sociais que demanda por serviços públicos eficientes cresceu enormemente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e juntamente com ela mostrou-se necessária a ampliação das fontes de receitas tributárias para o Estado-Administração conseguir acompanhar a cobertura de tais gastos.

 Nesse leque ilustrativo de responsabilidades sociais, inclui-se a necessidade de utilização de incentivos[19] fiscais para alocação em determinados segmentos da economia cujo Estado, em razão do princípio da subsidiariedade, entrega aos particulares para desenvolvimento e exploração, em razão de sua maior dinamicidade.

   O Estado brasileiro é comprometido com o desenvolvimento do país para o progresso social. Estampa tal promessa diversas passagens da Constituição Federal, como exemplificativamente rezam: o preâmbulo[20]; artigo 1º; artigo 3º, II; artigo 43, § 2º, inciso III; artigo 151, inciso I; artigo 159, inciso I, alínea c; artigo 174; artigo 192; artigo 219; artigo 239, §1º.

A importância da execução de incentivos/benefícios fiscais não pode ser olvidada, seja para melhora de vida da sociedade em geral, haja vista que o progresso na pesquisa técnico-científica[21], via de regra, é a solução de graves problemas sociais.

Tais incentivos que são concedidos à inovação tecnológica são propiciadores a um Estado mais moderno, mais enxuto, mais competitivo, servindo tais investimentos a alavancagem econômica, cultural, política e social de uma nação.

Não se pode perder de vista que atividades de inovação tecnológica podem residir a solução para diversos males que afligem a sociedade.

Alinhe-se a tal exposição o exemplo concreto demonstrado em recentíssimo julgamento onde se discutia a realização de pesquisas científicas envolvendo as células-tronco embrionárias na salvaguarda de bens juridicamente tutelados. Do exemplo constatou o mais elevado Tribunal Judiciário brasileiro a primazia no trato do tema debatido em razão de seus múltiplos e importantes aspectos, especialmente por envolver a aplicabilidade e efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e pela busca da felicidade ou a minoração do sofrimento humano[22].

Resta demonstrado e indiscutível, especialmente com a decisão proferida pelo Tribunal que se encontra na cúspide do sistema judiciário brasileiro, que quando a Constituição Federal eleva como objetivo maior do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia do desenvolvimento nacional aliada à erradicação da pobreza, a marginalização e à redução das desigualdades sociais[23] deve, por óbvio, garantir a efetividade da pesquisa técnico-científica, uma vez que não há país que tenha ultrapassado a barreira das mazelas sociais sem que tenha investido e maciçamente na pesquisa, na ciência e na tecnologia.

Se por um lado, os cidadãos têm o dever fundamental de contribuir (=dever fundamental de pagar impostos, na linguagem consagrada na doutrina portuguesa), o que deve ser compreendido não apenas como um sacrifício, mas uma faceta da liberdade de participação e solidariedade que fundamentam o Estado Democrático de Direito[24], por outro, o poder de tributar não é ilimitado, encontrando as restrições trazidas na letra e no espírito da Carta Constitucional e tal documento político é explícito no uso de incentivos para fomento de atividades importantes ao país.

 Que o tributo também pode e deve ser utilizado como regulador da economia ninguém duvida. De fato, o tributo é um potencial incentivador das atividades econômicas privadas, podendo alavancar o progresso social. Há longa data, o publicista Antônio Roberto Sampaio Dória em obra denominada Incentivos Fiscais para o Desenvolvimento ensinava:

Velho instrumento de vitalização econômica dirigida, o estímulo tributário desdobrou-se no Brasil, na década passada, num leque de alternativas que em originalidade, amplitude e ambição de propósitos, não encontra símile no mundo contemporâneo. Programas de desenvolvimento lastreados em análoga instrumentação, como o do Mezzogiorno na Itália meridional e o de Porto Rico nas Antilhas, apequenam-se diante da experiência brasileira que, ainda quase só potencial, entremostra apenas seus primeiros frutos.

Do ângulo positivo, revelou o incentivo fiscal extraordinária flexibilidade em se acomodar aos mais diversificados escopos. Constitui-se, ademais, excelente fórmula de compromisso para integrar, no projeto comum de desenvolvimento de correção de desequilíbrios no país, o dinamismo no processo econômico de correção de desequilíbrios no país, o dinamismo no processo econômico privado e a necessária coordenação da receita, a mola que os impulsiona.[25]

    Se pela visão do ilustre doutrinador - cuja obra foi escrita há mais de quatro décadas e em momento histórico em que o Brasil ainda não tinha despontado como uma nação promissora para solução dos problemas mundiais que ora se avizinham, a questão dos incentivos fiscais retratava um leque de alternativas que em originalidade, amplitude e ambição de propósitos, muito mais agora o tema se encontra em pauta, nacional e internacional, haja vista que, agora, o Brasil passa a ocupar lugar de destaque que merece no âmbito internacional.

    Com efeito, a utilização do tributo como instrumento regulatório e indutor de progresso social não dispensa o cumprimento substancial de algumas diretrizes constitucionais necessárias: legitimidade, igualdade e justiça social, sob pena de os incentivos criados servirem apenas de enriquecimento de determinada e privilegiada parcela da sociedade em detrimento de muitos. Aliás, no Brasil, sob o argumento social de progresso social acabaram ocorrendo alguns desajustes no que diz respeito à carga tributária, sendo inesquecível a lição do tributarista carioca Ricardo Lobo Torres sobre o embate redistribuição de rendas e desenvolvimento econômico[26].

   Aurélio Pitanga Seixas Filho ressalta que os "Incentivos fiscais são concedidos para exercerem uma função de desenvolver determinada atividade, considerada relevante para o legislador."[27] Percebe-se que historicamente que o Brasil utilizou mal os denominados incentivos  fiscais em seu passado recente e que tal temática é sombra de dúvidas, questão afeta aos princípios da igualdade[28], capacidade e justiça fiscal.

Desta forma, qualquer Estado que tenha por bandeira a promoção do bem comum, com independência nacional, prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade não deve se furtar de tal encargo social: o de realizar pesquisas para o fim de alavancar o progresso social, tanto nacional quanto mundial, tanto mais da pessoa humana quanto mais material.

O Estado não cumpre adequadamente com o fomento de atividades ligadas à inovação tecnológica e os incentivos tributários criados na área de pesquisa tecnológico-científica, uma vez que as desonerações existentes referem-se, em suma, aos impostos de importação e de renda. A restrição dos incentivos a apenas duas espécies de tributos demonstra que o Brasil não se preocupa com o progresso científico e a independência tecnológica, como países muito menos expressivos se preocupam, autorizando a afirmativa de que um país é grande porque investiu em pesquisa de ponta e não necessariamente investe em pesquisa de ponta porque é grande.

Nesse conjunto de ideias, o setor privado brasileiro é o grande responsável pelo aporte financeiro nas pesquisas científicas realizadas e tal fato não discrepa do panorama internacional.

O setor produtivo é o principal empreendedor de pesquisa e  desenvolvimento (P&D) nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A participação das empresas no gasto total com P&D nesses países era, em média, de 69% em 2001; as universidades respondiam por 17,4%, cabendo 10,5% ao governo e 2,8% a entidades privadas não lucrativas. A importância das atividades de P&D promovidas pelas empresas é comum à maioria dos 24 países analisados: em 17 deles a participação das empresas no gasto total com P&D situava-se entre 80% e 60% em 2001; na Espanha, na Austrália e na Itália, situava-se em torno de 50%; apenas nos casos da Nova Zelândia, da Grécia, de Portugal e do México essa porcentagem era inferior a 40% [...][29]

A inovação tecnológica pode resolver diversos problemas sociais, de todas as matizes. A Constituição Federal brasileira consagra os princípios da função social da propriedade, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Aliado a isso, a atividade financeira e tributária do Estado deve atender à satisfação das necessidades sociais para que a sociedade brasileira desfrute de uma saudável qualidade de vida, conforto, dignidade com melhora dos serviços públicos que lhe são oferecidos e para que males que afligem a sociedade sejam minorados, contornados ou suprimidos com uso de tecnologia.

 Nesse contexto, por ser o fomento a atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, por meio de subvenções, financiamentos, favorecimentos fiscais e desapropriações[30] a afirmativa está a demonstrar que os incentivos fiscais-tributários podem ser utilizados com o escopo de desonerar as atividades ligadas à pesquisa científica para o fim de que mais e melhores inovações tecnológicas possam ser desenvolvidas e colocadas à disposição do público-destinatário, a fim de solucionar problemas que atormentam a sociedade.

Conforme visto, a Constituição Brasileira de 1988 instituiu um Estado Democrático de Direito no Brasil, no qual a tributação é instrumento da sociedade e está autorizada e apta a viabilizar a arrecadação de recursos para a manutenção da estrutura político-administrativa estatal à adequada satisfação dos fins públicos[31] com a disponibilização de serviços públicos eficientes e econômicos.

Eros Roberto Grau já teve oportunidade de abordar a questão de que a competitividade econômica (=participação econômica mundial) depende da geração de tecnologias próprias e isso até para defesa da soberania estatal. De fato, a dependência por tecnologia externa coloca em risco a defesa dos interesses nacionais frente a empresas internacionais. O fragmento do texto merece ser transcrito:

Essa participação depende da possibilidade local de geração de tecnologia. Daí a razão de discriminações do tipo acima referido serem praticadas mesmo pelos Estados desenvolvidos, em defesa da economia nacional, em nome do princípio da sua soberania. Relembre-se, ainda nos Estados Unidos, o chamado caso Fujitsu, noticiado pela revista Fortune, de 22.3.82, pp. 56 e ss. O governo norte-americano instaurou procedimento licitatório tendo por objeto a aquisição de quatrocentas e quatro milhas de fibras óticas para a ligação da rede telefônica entre Washington e Boston, a ser instalada pela American Telephone & Telegraph (AT&T). Embora a proposta da Fujitsu, empresa japonesa, fosse bem inferior à da concorrente americana, a Western Eletric seu preço era 33% superior àquela o objeto da licitação foi atribuído a esta última, por razões, alegadas, de segurança nacional (national-security). [...][32]

Conforme visto, detém a desoneração tributária por intermédio da concessão de incentivos/benefícios fiscais a poderosa função de interveniência no querer dos agentes econômicos, sejam eles pequenos, médios ou grandes, nacionais ou internacionais. Serve de iniludível fonte de fomento[33] de atividades econômicas, culturais, desportivas, podendo o Estado criá-la, incentivá-la ou mesmo reduzi-la. Embora, em tese, possa destruir a atividade econômica, tal não pode ocorrer, em razão do direito à propriedade privada e à iniciativa econômica que cabe aos particulares. Ademais, como é sabido, a atividade tributária não pode ir ao ponto de destruir a propriedade ou impossibilitar o exercício de atividade econômica. Em tal sentido apontam as Súmulas 70[34], 323[35] e 547[36] do Supremo Tribunal Federal.

Marciano Seabra de Godoi e Júnia Roberta Gouveia Sampaio observam:

A Constituição Federal de 1988, conforme se verifica pelos dispositivos transcritos acima, permite e em alguns casos ordena a utilização do tributo como instrumento para as mais diversas políticas econômicas e sociais. A esta utilização do tributo voltada primordialmente para outros objetivos, que não o da arrecadação de recursos com os quais fazer frente às despesas e investimentos públicos, dá-se o nome de extrafiscalidade.[37]

A extrafiscalidade diz respeito ao aspecto não simplesmente arrecadatório dos tributos[38], possuindo outros objetivos sócio-econômicos. O Estado, ao instituir incentivos tributários - e faz isso se utilizando da oneração ou desoneração fiscal - tributária por intermédio de sanções premiais ou preceitos que contém fomento à atividades econômicas atinge objetivos de outra natureza, que não a arrecadação de dinheiros.

Se por um lado pode-se dizer que a parafiscalidade - que ocorre quando o Estado institui determinado tributo e sua arrecadação fica a destinada de terceira pessoa que aplicará o tributo para finalidades sociais - é forma mais antiga de tributação, pois na antiguidade criava-se tributos específicos à medida que surgiam as necessidades específicas e existentes no Estado, de improviso, o aspecto da extrafiscalidade é fenômeno moderno e surgiu com a necessidade cada vez maior do Estado intervir na Economia, fenômeno que se recrudesceu a partir do início deste século e que certamente veio para ficar nas políticas econômicas de todas as nações desenvolvidas.

Assim, a extrafiscalidade é a expressão do poder de polícia do Estado e de sua capacidade de atuação interventiva ou indutiva da economia. Pelo exercício do poder regular, a tributação e o exercício do poder de tributar encontram limites na imposição de comportamentos com objetivos extrafiscais.

A extrafiscalidade pode ser manuseada para fins outros, tais quais: (a) proteção de bens e valores culturais; (b) proteção de bens ambientais; (c) proteção da saúde humana e animal; (d) incentivo a determinado segmento da atividade econômica.    Lafayete Josué Petter abordou a questão dos incentivos fiscais para defesa do meio ambiente, com a edição da Emenda Constitucional 42/2003 da seguinte maneira:

A Emenda Constitucional n° 42, de 19-12-03 conferiu nova redação ao inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal, assim dispondo: "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação". Como já assinalamos: Por tratar-se de emenda constitucional que deu nova conformação ao sistema tributário nacional, há de ser examinado também sob o ângulo fiscal a nova redação conferida ao inciso VI. Do ponto de vista ambiental o mercado pode apresentar falhas, isto é, produtos e serviços transacionados podem gerar atividades degradantes, seja nos processos de elaboração, seja no descarte após o consumo ou no uso de bens e serviços. Daí falar-se numa "deseconomia externa". O tratamento diferenciado, nessas hipóteses, importaria em onerar essas atividades de maneira discriminada, em grau variado. Da mesma forma, nos casos de externalidades positivas, o tratamento diferenciado consistiria em adotar uma atitude premial para produtos ou serviços cujos processos de elaboração e prestação e respectivo uso ou consumo ocasionassem efeitos benéficos à proteção ambiental. Nesse sentido, a idéia da adoção de uma sanção positiva tributária em face da atividade econômica realça o aspecto extrafiscal que pode marcar as políticas tributárias. Essas passam a ser um aspecto significativamente novo e com grande potencial de possibilidades e resultados, eis que a concessão de subvenções e incentivos e mesmo a graduação de alíquotas de tributos são indutoras da atividade econômica, cujos agentes passam a considerar tais efeitos nas decisões tomadas havendo um direciona­mento natural da economia dentro de uma pauta de susten­tabilidade.[39]

O rol acima apresentado é apenas ilustrativo, já que a utilização do tributo com finalidade extrafiscal depende das necessidades existentes, dos valores e princípios que se quer proteger em determinada sociedade, fatos esses sempre móveis no tempo e no espaço e, ainda mais, da inventividade de seu uso em prol do bem comum. De fato, é antigo o uso da extrafiscalidade para atendimento de interesses sociais.

Conforme afirmado, o tributo, aqui, age com sua função extrafiscal, isto é, não é utilizado primordialmente para arrecadação de divisas, mas de disciplinar ou influenciar em determinado comportamento a atividade dos particulares. O Estado, agindo assim, intervém na economia de forma indutora, chamando a doutrina de intervenção por absorção ou por participação. Luís Eduardo Schoueri pontua:

Ambas as formas de intervenção têm atuação no (ou sobre o) Domínio Econômico. Importa defini-lo. Para tanto, parte-se da idéia de intervenção do Estado para se compreender que intervir necessariamente significa o Estado ingressar em área que originalmente não lhe foi cometida. Assim, não há intervenção nos casos de que trata o artigo 175 (prestação de serviços públicos, que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão). De intervenção, por outro lado, trata o artigo 174, que se refere à atividade do Estado "como agente normativo e regulador da atividade econômica". Este Domínio Econômico é, assim, campo estranho ao Estado, que apenas atua diretamente (intervenção por absorção ou por participação) na forma do artigo 173. Este dispositivo constitucional, por sua vez, contemplando a atuação no Domínio Econômico, impõe, dentre outras condições, "a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários" (artigo 173, § 1º, II), determinando, ainda, o § 2º que "as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios não extensivos às do setor privado". Fica claro, pois, que o Domínio Econômico há de ser compreendido como aquela parcela da atividade econômica em que atuam agentes do setor privado, sujeita a normas e regulação do setor público, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, admitindo-se, excepcionalmente a atuação direta do setor público, desde que garantida a ausência de privilégios.[40]

A utilização do tributo com função extrafiscal pode ser utilizada em diversas hipóteses ponderadas pelos valores constitucionais, como nos casos regulatórios dos impostos de importação, exportação, operações financeiras e contribuições de intervenção no domínio econômico e fomento em atividades de pesquisa técnico-científica e atividades desportivas. Celso Ribeiro Bastos afirmou:

O Poder Executivo estabelecerá mecanismos de incentivos fiscais e financeiros, de forma simplificada e descentralizada, às microempresas e às empresas de pequeno porte, levando em consideração a sua capacidade de geração e manutenção de ocupação e emprego, potencial de competitividade e de capacitação tecnológica, que lhes garantirão o crescimento e o desenvolvimento.[41]

Nessa contextura, o Supremo Tribunal Federal tem entendido como legítimo o uso de alíquotas progressivas no imposto sobre a propriedade territorial urbana, a fim de forçar o proprietário do bem subutilizado ao atendimento do cumprimento da função social da propriedade imobiliária, de acordo com os parâmetros do plano diretor da cidade. Confira-se:

IPTU. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. INCONSTITUCIONALIDADE. Entendimento firmado pelo Plenário do STF no sentido de que a única hipótese constitucional de progressividade das alíquotas do IPTU é a extrafiscal, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Agravo regimental improvido.[42]

Em diversas outras situações em que necessário se mostrou o uso do tributo com finalidade extrafiscal, o Supremo Tribunal Federal considerou correta a utilização do tributo com tal fim.  Assim ocorreu no caso da utilização da função regulatória do IOF, restando pacificado que a concessão desse beneficio isencional traduz ato discricionário que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legitimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. O acórdão que tem a seguinte redação:

 AGRAVO DE INSTRUMENTO - IOF/CÂMBIO - DECRETO-LEI 2.434/88 (ART. 6.) - GUIAS DE IMPORTAÇÃO EXPEDIDAS EM PERÍODO ANTERIOR A 1. DE JULHO DE 1988 - INAPLICABILIDADE DA ISENÇÃO FISCAL - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONÔMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL DESTITUIDA DE CONTEUDO ARBITRÁRIO - ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - AGRAVO IMPROVIDO. - A isenção tributária concedida pelo art. 6. do DL 2.434/88, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica, tendo presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes, como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes. A concessão desse benefício isencional traduz ato discricionário que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. - A exigência constitucional de lei formal para a veiculação de isenções em matéria tributária atua como insuperável obstáculo a postulação da parte recorrente, eis que a extensão dos benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta no dogma da separação de poderes. Os magistrados e Tribunais - que não dispõem de função legislativa - não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. E de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só atua como legislador negativo (RTJ 146/461, rel. Min. Celso de Mello).[43]

A atividade econômica é dinâmica e não pode esperar pelos intermináveis debates parlamentares para que a situação seja resolvida, ou seja, para que uma lei seja editada. Em razão disso é que, dentro de determinados parâmetros legais, é autorizado o Poder Executivo em manejar as alíquotas para majorá-la ou minorá-la dos tributos regulatórios.

Entretanto, a utilização dos tributos com finalidade extrafiscal está muito além do uso dos tributos regulatórios. Existem mais situações que demandem uma utilização mais regular da função extrafiscal dos tributos e dentre elas pode-se incluir sua utilização para fins de fomento de atividades econômicas a cargo dos particulares.

O que ora é defendido neste artigo é que os incentivos/benefícios fiscais não só podem como devem ser utilizados para o progresso nacional, impulsionando a indústria em diversos setores relegados ao oblívio em razão da insignificante ou nenhuma norma incentivadora das atividades.

4. A Teoria dos Jogos, os Incentivos Fiscais e o Planejamento Tributário.  

Cabe inicialmente pontuar alguns conceitos sobre a Teoria dos Jogos.

A Teoria dos Jogos é um ramo da ciência matemática que trata do estudo de casos e hipóteses estratégicas onde os jogadores podem, diante de um determinado número de arranjos e combinações, escolher diferentes modos e ações com o objetivo de melhorar sua eficiência.

Segundo Ronaldo Fiani, os jogos podem ser conceituados como sequenciais, estratégicos, com informação imperfeita, com conhecimento comum, com informação completa.  Um jogo é sequencial quando os jogadores realizam seus movimentos em uma ordem predeterminada[44]. É estratégico um jogo quando existe um plano de ações que especifica, para um determinado jogador, que ação tomar em todos os momentos em que ele terá que decidir o que fazer[45]. Nesse contexto classificatório, um jogo é considerado de informação perfeita quando todos os jogadores conhecem toda a sistemática do jogo previamente às escolhas a serem feitas. Em sentido contrário, um jogo é considerado de informação imperfeita se algum jogador, em algum momento do jogo, tem de fazer suas escolhas sem conhecer exatamente a história do jogo até ali[46]. Ademais, o jogo é de informação comum quando os jogadores conhecem a informação todos os jogadores sabem que todos os jogadores conhecem a informação, todos os jogadores sabem que todos os jogadores sabem que todos os jogadores conhecem a informação e assim por diante[47], infinitamente.

Um jogo é considerado de informação completa quando as recompensas dos jogadores são de conhecimento comum[48].  Quando um fato é de conhecimento comum, isso significa que todos os jogadores sabem do fato, todos os jogadores sabem que todos os jogadores sabem do fato, todos os jogadores sabem que todos os jogadores sabem que todos os jogadores sabem do fato e assim por diante, infinitamente. Quando se supõe que a racionalidade dos jogadores é de conhecimento comum, diz-se que está sendo adotada a hipótese do conhecimento comum da racionalidade (CCR).[49]

As estratégias que restam em um processo de eliminação iterativa de estratégias estritamente dominadas são chamadas estratégias racionalizáveis[50].

Um jogo também pode ser considerado como não-cooperativo quando os jogadores não podem estabelecer compromissos garantidos. Em sentido contrário, se porventura os jogadores podem estabelecer compromissos, e esses compromissos possuem garantias efetivas, diz-se que o jogo é cooperativo.[51]

Como é divulgado e por todos conhecida, a carga tributária no Brasil é grande e pesada demais para diversos segmentos econômicos, que reclamam da falta de incentivos ou desonerações para atendimento de necessidades sócio-econômicas mais prementes, afastando a competitividade, a inovação e atraindo a economia e a força de trabalho para a informalidade. O gráfico abaixo, elaborado com base em dados divulgados pela Secretaria da Receita Federal, período de 2003 a 2008, bem demonstra o afirmado.

Ante as informações aludidas, a Teoria dos Jogos pode ser utilizada no momento de se implementar um planejamento fiscal, haja vista que a legislação como um todo poderá propiciar um sem-número de possibilidades em que o contribuinte possa aferir se deseja ou não lançar-se no mercado, como expressão de sua iniciativa privada.

Suponha-se, por exemplo, que determinado Estado-Membro da Federação conceda isenção fiscal sobre o pagamento de determinado tributo ICMS. Mas a concessão desse incentivo fiscal operou-se de forma contrária ao estatuído na Lei Complementar 24/1975, que exige deliberação unânime de todos os Estados-Membros. De nada adiantaria a concessão do benefício, haja vista que ocorreria de forma ilegítima, causando insegurança jurídica e econômica. Na hipótese ilustrativa, não há que se falar em equilíbrio, haja vista que nenhum benefício foi concedido conforme as regras constitucionais, encontrando-se o sujeito passível de cobrança de todos os tributos incidentes.

O exemplo acima ocorre com frequência e é denominado como guerra fiscal. Ocorre guerra fiscal quando um determinado ente federativo, com a finalidade de atrair determinada parcela de atividade econômica, concede alguma espécie de incentivo/benefício fiscal em desrespeito às regras constitucionais, como as existentes na Lei Complementar 24/1975.

No caso dos incentivos/benefícios tributários, além de as regras do jogo estarem compatíveis com o ordenamento jurídico, deve ser levado em consideração o seguinte diagrama para que ele seja um jogo economicamente atrativo:

Pelo gráfico acima compreenda-se:

A => Empresa

PO = Probabilidade de ganhar G1

1-p = Probabilidade de perder G2

G1 = Participa do incentivo fiscal (=ganha)

G2 = Não participa do incentivo fiscal (perde =(1-p))

CA = Custos em participar do incentivo fiscal

CnA = Custos em não participar do incentivo fiscal

UA (participa do incentivo fiscal)-CA = benefício fiscal líquido

 Nesta contextualização, as empresas só terão interesse econômico em participarem de inovação tecnológica, decorrente da concessão de incentivos fiscais se os custos com as operações forem menores do que os benefícios a serem auferidos.

Tal se dá porque nenhuma pessoa se sentirá atraída para investir no custoso ramo de P,D&I se os incentivos/benefícios não forem o suficiente para suportar as despesas envolvidas.

No exemplo acima concessão de benefício fiscal relativo ao ICMS a situação ficaria da seguinte forma:

O agente não participa quando os benefícios líquidos são negativos. Esta desigualdade implica que sempre que a probabilidade é menor que a razão dos custos/ganhos em não participar sobre os ganhos líquidos de participar é mais vantajoso não participar dos benefícios fiscais.

Nem sempre o jogo de concessão de incentivos/benefícios fiscais decorre apenas do mau uso da competência tributária. Às vezes é o excesso de formalidades e obrigações acessórias, bem como o desconhecimento ou a dificuldade de se entender as regras do jogo  é que se ergue como um obstáculo à maior adesão e participação de empresas nos programas de incentivos existentes. Ademais, não se pode ignorar que todos os entes federativos tem competência tributária para dispor sobre matéria tributária. Num país com 27 Estados-Membros, a União, o Distrito Federal e mais de 5500 municípios tem-se uma ligeira ideia sobre as mais diversas formas e possibilidades de combinações. Fica assim demonstrado porque poucas empresas participam de programas de incentivos à inovação tecnológica.   

Para piorar mais a situação acima descrita de carência de incentivos à altura de um país ocupante da oitava economia mundial, um outro problema se apresenta: a falta de informações adequadas que, aliadas à complexidade legislativa sobre a existência de tais incentivos, bem como a falta de esclarecimento afastam ou impedem que a maioria das empresas existentes no país possam utilizá-los.

Apenas com o caráter ilustrativo sobre a falta de conhecimento sobre os incentivos/benefícios fiscais criados pelo Estado, veja-se o que aconteceu com a edição da Lei do Bem: apenas 291 empresas, no exercício de 2007, buscaram os benefícios criados pela norma em referência. Nos setores de mineração, software e telecomunicação foram insignificantes, pífias mesmo, as participações e incentivos concedidos[52].

Os incentivos/benefícios fiscais existentes ou são insuficientes ou são ineficientes ou são complicados de serem gozados por seus destinatários ou na pior das hipóteses tudo isso junto, haja vista que pela estatística acima demonstrada foram poucas as empresas que desfrutaram deles. Com toda a certeza a previsão de gozo dos benefícios por empresas que escrituram sua contabilidade pelo lucro real ou pela excessiva e complicada exigência de obrigações acessórias nem sempre acessível pelas pequenas e médias empresas são fatores impeditivos da maior participação na intenção de fomento econômico.

O gráfico abaixo, elaborado pela OCDE e embora antigo, demonstra a carga tributária brasileira em comparação com outros países e o que ela representa relativamente ao Produto Interno Bruto[53].

A situação econômica brasileira, em especial as falhas da infraestrutura brasileira podem ser resolvidas, também, mediante o uso da extrafiscalidade, aliado à celebração de parcerias público-privadas, dentro da juridicidade existente no ordenamento jurídico.

Eros Roberto Grau propõe a aludida junção de interesses público e privado ao afirmar:

A busca do desenvolvimento, ademais, impunha a formalização de uma aliança entre o setor privado isto é, a burguesia e o setor público, este a serviço daquele. A parceria (Gemeinchaft) é então selada, tal qual entrevista por Goethe, em síntese entre poder público e poder privado, simbolizada a expressão é de Marshall Berman na união de Mefistófeles, o pirata e predador privado, que executa a maior parte do trabalho sujo, e Fausto, o administrador público, que concebe e dirige o trabalho como um todo.[54]

Encontra-se inserida, portanto, a atividade de pesquisa tecnológico-científica em tal meio. De fato, a importantíssima atividade de pesquisa tecnológica-científica encontra respaldo constitucional no artigo 218 da Carta Magna brasileira. Tal dispositivo estatui que o Estado brasileiro (lendo-se: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por sua Administração Direta e Indireta) promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica. Todas as Constituições Estaduais sem exceção contêm regramento quanto à pesquisa técnico-científica, algumas com mais detalhes, outras com menos.

A pesquisa, desenvolvimento e inovação (P, D & I) deverão receber (melhor: deve receber) tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público (=coletivo) e o progresso das ciências.

Embora o texto constitucional também não diga o que se deva entender sobre o significado de pesquisa básica, um ponto é indiscutível: sem pesquisa, ainda que básica, não há progresso da nação porque não há reconhecimento e respeito internacional; não há geração de empregos e rendas e muito menos extirpação de diversos males sociais como desigualdades, doenças, fome e miséria. A realização de pesquisa básica e científica é um ponto inicial que leva consigo a esperança para solução de múltiplos e diversos problemas sociais.

Nessa linha de raciocínio, a pesquisa tecnológica deverá estar voltada preponderantemente para busca de solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional em primeiro plano e internacional em um segundo plano, uma vez que o Estado prometeu apoiar a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia; também deve o Estado conceder às pessoas que se ocupem da pesquisa os meios e as condições especiais de trabalho, incluindo aí os incentivos fiscais-tributários. Os meios deverão ser suficientes e as condições adequadas.

A hermenêutica clássica tem uma lição que é perfeitamente aplicável à hipótese da P,D&I: quem quer os resultados do progresso social com uma pesquisa científica de ponta e requintada deve fornecer os meios para tanto representados em recursos materiais e humanos. Entendimento contrário é enxovalhar o texto constitucional e frustrar os objetivos da República brasileira.

Conforme referido, a pesquisa tecnológico-científica pode ajudar o progresso social e econômico com as inovações dela decorrentes; doutra banda, os incentivos a ela ligados possuem aptidão para implementar a tão sonhada justiça tributária.

De fato, para demonstrar a insólita situação brasileira, os gráficos abaixo (o primeiro elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o segundo disponibilizado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo[55]), demonstram insofismavelmente o afirmado. Confira-se os gráficos abaixo:

Dispêndios nacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação ao produto interno bruto (PIB) de países selecionados, 2000-2010

Destarte, quando determinado incentivo/benefício tributário é concedido com uma imensa gama de obrigações tributárias acessórias, como o preenchimento de formulários, apresentação de documentos que pouco ou nada ajudam no controle administrativo das desgravações, vulnerado fica o princípio da praticidade[56], que é a execução econômica e eficiente da legislação[57].

Não se quer afirmar com isso que não deva existir controles concomitantes e posteriores sobre as empresas que venham a ser beneficiadas por incentivos fiscais, mas que o emaranhado de condições erga-se como condições meramente potestativas ou impossíveis de serem implementadas, com prejuízo para o desenvolvimento do país, vulnerando-se, destarte, a inteligência do inciso IV, do artigo 1º e incisos III, VI, VII, VIII e IX, do artigo 170 da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Atividade financeira do estado, planejamento tributário, teoria dos jogos e incentivos fiscais para o fomento da inovação tecnológica brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5056, 5 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56982. Acesso em: 22 dez. 2024.

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