Indícios como prova em crimes de tráfico de drogas

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20/05/2017 às 10:37
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Até onde é razoável a utilização dos indícios propriamente ditos em caráter subsidiário às provas, na persecução penal do crime de Tráfico de Entorpecentes? Saiba um pouco mais sobre isso.

1. Introdução

No cotidiano forense, verifica-se que o crime de tráfico de drogas vem se aprimorando no que se refere ao afastamento de provas de sua existência.

Não raras vezes, nestes crimes, veem-se cadernos indiciários precariamente instruídos, com pouca ou quase nenhuma prova acerca da ocorrência do crime.

Assim, os magistrados e os Tribunais Superiores vêm aceitando tal precariedade à instrução de ação penal nestes crimes, firmando seus posicionamentos, não raras vezes, em indícios levantados durante a instrução processual.

Desta forma, o presente estudo avalia os indícios como prova nos crimes de tráfico de drogas, englobando sua produção, valoração e aplicação ao caso concreto.


2. O que são os indícios

No Processo Penal, o que se busca e a reconstrução da verdade histórica, aquela que jaz no passado e que jamais será alcançada em sua integralidade. Assim, num exercício de reconstrução, no âmbito processual penal, através das provas se reconstrói o fato, visando aplicar o direito ao caso concreto[1].

É inegável que as provas exercem um papel crucial na aplicação do direito, na medida em que se aferirá a veracidade dos fatos postos em juízo, fazendo-se o uso dos procedimentos probatórios proporcionados ao julgador.

A instrução do processo (preliminar e processual) e as provas nele colhidas são essências para a escolha das hipóteses históricas levantadas. As provas são os materiais que fornecem a reconstrução histórica dos fatos, recaindo sobre elas a tarefa de aferição das conjecturas, visando formar o convencimento do julgador[2].

Por esta razão, o legislador, ao elaborar o título das provas no Código de Processo Penal, tomou o cuidado de fazer nele constar diversos que, quando harmônicos entre si, são hábeis a sustentarem um édito condenatório. Muitos deles são palpáveis, viveis, ou seja, “diretos”, a exemplo dos documentos e testemunhas, outros, porém, são “indiretos”, subjetivos, que exigem do julgador um exercício mental acerca da sua ligação crime e a veracidade daquilo que se exercita. Dentre eles, destacam-se os indícios, previsto no CPP, em seu art. 239, que os considera como a circunstância conhecida e provada, que, possuindo alguma relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se pela existência de outra ou outras circunstâncias.

Ou seja, são fatos que permitem uma conclusão diretamente sobre um fato principal. Assim, por exemplo, o fato de o suspeito de homicídio ter proferido, antes do óbito de X, ameaças de morte diretamente contra ele, ou depois do fato ter removido de suas calças marcas de sangue, ou que o suspeito de fraude contra o seguro tenha adquirido gasolina e elevado o valor do seguro[3].

Desta forma, os indícios servem como prova quando oferecem elementos concretos acerca de um fato criminoso, sendo algo que leve o julgador e entender pela ocorrência do delito, ou pelo envolvimento do agente com o crime sob judice[4].

O indício, como prova, deve apresentar segurança acerca da sua correlação com aquilo que se investiga.

Tal meio de prova possui seu conceito firmado no dispositivo legal supra citado, pois em relação com os fatos objeto da investigação, permitem ao magistrado concluir pela existência de outros elementos a servirem como prova no feito, configurando-se, desta forma, como prova indireta – não deixando de ser igualmente valorada, somente sendo desconsiderada quanto não possui supedâneo em outras provas ou elementos no processo, não tendo poder suficiente para sustentar uma condenação de forma isolada, vez que não oferece segurança[5].

Indícios são “outros fatos”, aquém do crime, que, em razão da sua estreita ligação e a lógica de seu envolvimento, levam o julgador a entender pela existência do delito.

São um instrumento para os personagens processuais exercerem o caráter investigativo do processo penal, pois a partir destes pode se concluir pela existência de outras provas hábeis a corroborar as alegações postas na demanda.

Aliás, nos crimes de mera conduta como o tráfico de drogas, os indícios possuem um papel crucial quando da elaboração do contexto probatório, ao passo que, não raras vezes, tais delitos não deixam rastros da sua existência, sendo então indispensáveis as demais informações ligadas ao ilícito, que possuam forte ligação e grande verossimilhança com os fatos compreendidos como crime.

Também insta consignar que não se deve confundir o indício com a presunção - confusão corriqueira no meio jurídico -, na medida em que o primeiro nos remete à prova, elencado no CPP, e, por sua vez, a mera presunção é algo não verossimilhante, mera desconfiança, não dotado de credibilidade a firmar prova em sentença.


3. O indício é uma prova subsidiária?

Muito se debate acerca desta dúvida, pois os indícios – como já dito, por vezes confundidos com meras presunções -, são taxados como meio de prova que não se caracteriza por si mesmo, demandando a existência de outros meios ou elementos para sua valoração e aplicação quando da análise do fato.

Conforme já exposto, o indício também é meio de prova, tendo sido encartado no capítulo pertinente a elas, razão pela qual seu valor é semelhante as provas chamas “diretas”[6]. Portanto, sendo admitido pelo legislador como meio prova, o juiz pode, em razão do livre convencimento motivado, decretar um édito condenatório consubstanciado na prova indiciária[7].

Todavia, em que pese se tratar de meio probatório elencado no CPP, e não sendo vedado seu uso pelo julgador, os indícios, em si, não são hábeis a sustentar um édito condenatório solitariamente, sendo, então, dependente dos demais elementos colhidos no processo criminal.

É que, ante a ausência de elementos concretos, de provas direitas que afirmem a existência do delito, os indícios, que resultam de um apanhado que de “outros fatos” que levam a concluir-se pela existência do crime, girariam em torno de si sem um fim concreto que deve ser valorado numa decisão penal.

Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci[8] bem assinala:

o indício é um fato secundário, conhecido e provado, que, tendo relação com o fato principal autorize, por raciocínio indutivo-dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância. É prova indireta, embora não tenha por causa disso, menor valia. O único fator – e principal – a ser observado é que o indício, solitário nos autos, não tem força suficiente para levar a condenação.

É entendimento, nos Tribunais Superiores, que os indícios, figurando como prova, isolados no processo, não são hábeis para sustentar uma sentença de condenação, todavia, quando tal prova encontra supedâneo em outros elementos colhidos no feito, servem ao magistrado como elemento probatório a fim de corroborar seu posicionamento.

Assim, para figurar no campo das provas numa decisão, os indícios devem apresentar a segurança jurídica que demanda o ato, deve ter forte correlação com o fato delituoso, e o nexo causal entre os “outros fatos” e o crime devem ser certos, pois não é bastante que os indícios sejam numerosos, é mister que eles apresentem certeza moral sobre o fato posto em juízo, devendo serem graves e precisos, bem como concorrerem a indicador o mesmo fato de forma uníssona[9].

Leciona Maria Thereza Rocha de Assis Moura[10]:

vários indícios graves, precisos e concordantes, analisados em conjunto, podem levar à certeza processual do fato indicado, quando se unirem e se consolidarem sob forte nexo lógico. Para tanto, faz-se indispensável que a conclusão se apresente precisa e segura, vale dizer, que apareça como resultado lógico imediato, e não como o final de dispendiosa cadeia de argumentos, cuja complicação estará indicando, precisamente, o contrário. A necessidade moral ou física da conclusão, obtida mediante o exame do conjunto de todos os indícios, constitui, por assim dizer, o verdadeiro fundamento do valor probatório dos indícios.

Os indícios são sinônimo de prova indireta, se tratando de meio para servir a uma prova fim, um acessório das provas direitas, que servem para fazer a ligação do fato delituoso entre elas por meio de um raciocínio lógico.

Desta forma, em que pese ser um meio de prova, incluso no título das provas no CPP, os indícios, per si, não são hábeis a dar base a condenação, tratando-se de uma prova indireta, consequentemente subsidiária.


4. Da confecção das provas nos crimes de tráfico drogas

Para movimentação do aparato judiciário nos crimes de drogas, mostra-se imperioso que se proceda a verificação da correta tipificação da conduta, além de elementos atinentes a natureza do entorpecente, sua quantidade, avaliando o local, condições e circunstâncias que culminaram na ação e prisão, além da conduta e antecedentes do criminoso[11].

No dia-a-dia forense, em casos de crimes previstos no art. 33, da Lei n° 11.343/06, muitas vezes o que vemos de prova de autoria é aquela prestada pelo policial que efetuou o flagrante. Por vezes, o motivo que levou o agente público a prender em flagrante o suspeito é decorrente de denúncias e informações prestadas por populares e viciados, que os levam aos criminosos, os quais, raras oportunidades, são pegos na comercialização ou, até mesmo, em posse de drogas.

Nesse contexto, vemos que, na atualidade, o crime de tráfico de drogas cada vez mais vem se aproximando daquilo que no Direito Penal é conhecido como “crime clandestino”, que são aqueles praticados às escondidas, longe de testemunhas, somente na presença do criminoso e da vítima, até mesmo muito semelhante aos crimes de estupro, ao passo que nestas hipóteses o delinquente se preocupa não somente em praticar o ilícito de forma escondida, mas em preparar o local, e, depois de consumado o delito, livrar-se de todas as provas e evidencias que possam indicar a ocorrência do crime.

Não raras vezes, traficantes são abordados sem nenhum entorpecente consigo, mesmo após diversas denuncias, investigações policiais e até mesmo visualização da mercancia por sistemas de filmagens. Para descaracterizar a conduta, escondem o produto de seu comercio nos lugares mais diversos e improváveis para que não sejam localizados (ex: embaixo de pedras, enterrados na terra, brinquedos, etc.), assim como fazem uso de códigos secretos e gírias para se comunicarem, dentro outras variáveis artimanhas lúdicas.

Como consequência disso, nesses delitos vem se aceitando a precariedade probatória para que o criminoso seja alcançado pela lei penal, na medida em que, se o sujeito é flagrado pela autoridade policial em posse de ínfima quantia de entorpecente, com dinheiro em cédulas de baixo valor – ou até mesmo sem elas -, em lugar dito “ponto de tráfico”, diante de denúncias de populares que não querem se identificar, logo se configura a traficância. Sentenças baseadas na materialidade formada pela pouca droga e pela palavra dos policiais, que sempre apontam indícios para corroborar seus relatos, são corriqueiras em nossos tribunais.

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Tal atitude no âmbito da justiça não poderia ser diferente. Em que pese o garantismo constitucional e processual penal, nos crimes de tráfico drogas, o que figura é o fenômeno chamado “Hidra de Lerna”[12], da clássica da mitologia grega do herói Hércules, onde o protagonista, ao batalhar com o ser mitológico, lhe corta diversas cabeças, e de cada cabeça decepada, novas nascem. Nos crimes de tráfico de entorpecentes, tal efeito é igualitário, ao passo que removido um traficante, outros surgem na sua ausência, tornando-se um fato pandêmico.

Desta forma, na queda de um criminoso, os novos, que ocupam seu lugar, já sobrevém conscientes de atitudes que não podem incorrer para não serem alcançados pela lei, preocupando-se não somente com o comércio ilícito que vão exercer, mas também em praticar tal conduta de forma cuidadosa, discreta, afastando todos os elementos possam trazer à tona o seu delito.

Por tal razão, tem se creditado os “indícios” como prova fundamental para caracterização dos crimes de tráfico de drogas, mesmo que prova indireta, na medida em que a materialidade consubstanciada na droga encontrada em poder do criminoso – sendo irrelevante a quantidade, tampouco o lugar onde ela se encontra -, alinhada com os relatos dos policiais dando conta da traficância, os quais apontam outros indícios como forma de corroborar sua palavras, são hábeis a sustentar um édito condenatório.

Quanto aos indícios relatados pelos policiais, não se pode olvidar, tampouco deixar de registrar, que estes podem ser atingido pelo fenômeno conhecido pela “falsa memória”[13], razão pela qualquer o magistrado, ao exercer a atividade da valoração da prova, deve ater-se à verossimilhança dos depoimentos, que, ligeiramente influenciará na apreciação dos indícios como prova.

Portanto, a elaboração das provas nos crimes de tráfico de drogas demanda um cuidado extra por parte do julgador, seja no momento de confecciona-las, seja no momento de valorá-las, ao passo que por vezes se baseia em relatos de testemunhas e indícios.

Desta forma, nos crimes de tráfico de droga, os indícios exercem um papel fundamental para alcançar o delinquente, quando corroborado por demais elementos colhidos no processo.


5. Qual a aplicabilidade dos indícios em uma sentença de cunho condenatório

No ordenamento jurídico-penal brasileiro, elencado no art. 155 do CPP, vigora o princípio do livre convencimento motivado, onde o magistrado é livre para decidir a demanda, não sendo obrigado a se ater a qualquer prova ou alegação, valorando os elementos colhidos no processo de acordo com seu exercício intelectual, somente devendo fundamentar sua decisão[14].

O magistrado é livre para decidir, podendo se basear, inclusive, em elementos que não estejam encartados aos autos e atribuir valor às provas de modo soberano[15], ou seja, não há empecilhos para que a condenação seja consubstanciada, por exemplo, num único depoimento testemunhal, mesmo que divergente da prova pericial que lhe é favorável, na medida em que o julgador apenas deve motivar sua decisão[16].

Sendo assim, qualquer meio de prova lícito, previsto ou não em lei, pode servir para sustentar uma sentença condenatória.

Contudo, em se tratando de provas “direitas” e “indiretas”, vemos que a primeira é hábil a sustentar uma sentença de cunho condenatório, porém, na segundo hipótese, uma decisão não poderia se firmar apenas em “outros fatos”, mesmo que consoantes com o crime.

Conforme já exposto, os indícios não configuram prova em si, razão pela qual, mesmo que fortes as presunções da ocorrência da prática delitiva – a exemplo de denuncias anônimas, outras prisões em flagrantes acerca de crime de tráfico de drogas na localidade onde o agente residia -, de forma isolada, não configuram prova hábil para condenação.

Nesse contexto, somente quando arrimados em outras provas diretas, os indícios possuem uma nítida capacidade para sustentar uma sentença de condenação ou absolvição.

Aliás, o indicio possui sua capacidade probatória prevista em lei, mas ainda é temerosa sua utilização, em especial pelos magistrados. Tal receio é infundado, pois nem todos os fatos são hábeis a serem provados diretamente, vez que cometido de forma clandestina, exigindo-se os indícios para se chegar à verdade real, motivo pelo qual se conclui que está prova se apoia e se sustenta em outras[17].

Assim, alguns pressupostos precisam ser respeitados para que os indícios possuam valor jurídico, ou seja: a) por primeiro deve estar provado; b) depois, é preciso que tenha nexo causal com a circunstância que se quer provar por indução; c) por fim, é indispensável que seja harmônico com as demais provas[18].

Para servir como prova, é imprescindível que o indício tenha nexo causal com o fato posto em juízo.

Conforme já exposto, os indícios isolados nos autos não possuem autonomia suficiente a dar sustentáculo a uma eventual sentença de cunho condenatório, visto que esta não prescinde de segurança[19].

Corroborando isso, José Carlos Barbosa Moreira[20] ensina:

O que o indício tem em comum com um documento ou com o depoimento de uma testemunha é a circunstância de que todos são pontos de partida. Enquanto, porém, o documento ou o testemunho são unicamente pontos de partida, o indício, repita-se, já é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada. Não, ainda, o ponto final; mas um ponto, sem dúvida, a que o juiz chega mediante o exame e a valoração do documento ou do depoimento da testemunha.

Como se vê nas demandas atinentes a crimes praticados na clandestinidade, onde somente resta de prova a palavra da vítima, tal prova, única no processo, não é capaz de corroborar uma condenação, aplicando-se, nesse caso, o instituto do in dubio pro reo. Os crimes de tráfico de drogas não fogem disso.

Assim, o indício é aquilo a ser provado e circunstanciado, tendo utilidade nos meios de prova quando se faz o processo lógico da indução[21], motivo pelo qual, assim como no delito citado acima, restando apenas indícios do crime de tráfico de drogas, deve-se aplicar o tal instituto, pois o réu não pode ser condenado apenas por presunções.

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Sobre o autor
Aphonso Vinicius Garbin

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista Bonijuris, edição nº 618, de maio 2015.

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