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A ilegalidade do acordo de colaboração de Joesley Mendonça Batista

Leia nesta página:

O texto faz uma rápida análise das ilegalidades contidas no termo de acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e Joesley Batista (JBS).

Tornou-se público o termo de acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e Joesley Mendonça Batista. Finalmente veio a público um documento que nos permite analisar juridicamente o proceder o Ministério Público em relação ao acordo[1].

A colaboração premiada é um instituto processual penal próprio do common law, que por seu valor prático no resultado de investigações foi importado pelo legislador brasileiro e tem sido amplamente utilizado pelo Ministério Público Federal no combate à corrupção.

Cumpre-nos esclarecer, desde já, que não negamos o valor do instituto da colaboração premiada como um meio de obtenção de prova[2], nada obstante, no Brasil sua utilização deve ocorrer respeitando-se critérios de proporcionalidade e razoabilidade nos termos do acordo, outrossim, e sobretudo, em estrita observância aos preceitos legais – entendemos, portanto, que o Ministério Público não pode oferecer prêmios que contrariem a lei ou não previstos na lei – de forma que o legislado deve prevalecer sempre sobre o negociado.

Por essa razão, os termos do acordo de colaboração não pode prever a imposição de penas já fixadas, não pode criar novas penas, nem pode criar causas genéricas de extinção de punibilidade, afinal, compete apenas ao Poder Judiciário julgar e, em caso de condenação, fixar a pena.

Analisando os termos do acordo celebrado com Joesley Mendonça Batista, facilmente podemos identificar ilegalidades.

A cláusula 3ª, determina que o acordo “tem por objeto todos os fatos ilícitos praticados pelo colaborador até a data da assinatura deste Termo, assim como todos os fatos ilícitos que sejam de seu conhecimento, os quais estão explicitados nos anexos que compõem e integram este Acordo” (destaque nosso). Ora, a redação dá a entender a possibilidade de abrangência de crimes realizados por Joesley fora da atuação da organização criminosa, desde que praticados antes da assinatura do Termo de Colaboração.

Quanto ao tema, o que a doutrina discute é se o âmbito de incidência dos prêmios previstos na Lei 12.850/13 abrange todo e qualquer ilícito decorrente de organização criminosa ou se está restrito ao crime de organização criminosa[3], prevalecendo o primeiro entendimento. O que é certo é que não é possível que o acordo abranja crimes estranhos à organização criminosa.

Ademais, possui o Ministério Público Federal o poder de vincular os Ministérios Públicos dos Estados, caso o crime cometido antes da data da assinatura do Termo seja de competência estadual?

Na cláusula 4ª, o Ministério Público Federal oferece ao colaborador o benefício legal do não oferecimento da denúncia. Pois bem, o art. 4º, §4º, da Lei 12.850/13, prevê a possibilidade deste benefício desde que o colaborador não seja o líder da organização criminosa e tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração. Ora, quem mais, além do dono da JBS, que espontaneamente confessa ter liderado todo o esquema criminoso revelado, poderia ser o líder da organização criminosa? Legalmente, seria impossível a concessão deste benefício a Joesley Batista.

Outrossim, o não oferecimento da denúncia deverá resultar numa promoção de arquivamento com fundamento no art. 4º, §4º, da Lei 12.850/13. Enquanto não existir a promoção de arquivamento, as investigações podem e devem continuar. Além disso, como bem assevera Renato Brasileiro[4], nesse caso a lei nada diz quanto ao fundamento de direito material que fundamenta o arquivamento do procedimento investigatório. Diante do silêncio, temos uma causa extintiva de punibilidade do colaborador e, como tal, depende de uma decisão declaratória extintiva de punibilidade. Ora, tal declaração só pode ser exarada pelo juízo competente, no caso, o Plenário do STF ( art. 102, I, b, e 86, CF/88, e art. 5º, I, RISTF).

Por fim, entendemos que a própria homologação caberia ao plenário do STF e não poderia ter sido realizada monocraticamente. Mesmo assim, diante das ilegalidades do acordo, deveria o Ministro Relator ter recusado a homologação à proposta por não atender aos requisitos legais, ou a ter adequado ao caso concreto (art. 4º, §8º, L. 12.850/13).

Esperamos que o acordo seja submetido ao Plenário e que sejam sanadas as ilegalidades, para que haja o necessário pronunciamento do órgão jurisdicional acerca dos benefícios que necessitam de sua manifestação, sendo possível a aplicação do princípio da devolução inserido no art. 28 do CPP.


Notas

[1] Sustentamos que, diferente do que tem sido realizado rotineiramente, uma análise jurídica não permite a análise baseada exclusivamente em notícias jornalísticas sobre o caso.

[2] Aqui chamamos a atenção para o fato de que a colaboração premiada não é um meio de prova, mas um meio de obtenção de prova.

[3] Lei 12.850/13, Art. 2º.  “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa [...]”.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 5 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2017.  p. 719.

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Sobre o autor
Marcelo Santiago de Morais Afonso

Advogado Criminalista. Professor. Mestre em Direito pela Gottfried Wilhelm Leibniz Universität Hannover, Université de Rouen e Universidade de Lisboa. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFONSO, Marcelo Santiago Morais. A ilegalidade do acordo de colaboração de Joesley Mendonça Batista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5075, 24 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57965. Acesso em: 2 nov. 2024.

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