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O imbróglio da cracolândia em São Paulo: questão de saúde ou segurança pública?

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O texto traz uma breve reflexão acerca da propagação do tráfico de drogas na região central da capital paulista, salientando o agonizante e deprimente estado dos dependentes em crack.

Sumário: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão

Palavras-chave: Cracolândia. Dependente químico. Saúde pública. Segurança pública


1. INTRODUÇÃO

Há pelo menos duas décadas os moradores da capital assistem ao avanço da região da “cracolândia”, termo pejorativo que denomina o centro velho da cidade, sitiado pelo tráfico e usuários de drogas. Os viciados esquálidos se aglomeram e perambulam pelas imediações cometendo saques, depredações, furtos e roubos, do mesmo modo fazem o uso desenfreado do crack em via pública sem nenhum constrangimento. Afinal, o trato da questão é caso de saúde ou policial?

Várias administrações municipais tentaram enfrentar o problema, mas pouco foi feito. Agora em 2017 novamente a região volta a figurar nos noticiários por conta de um novo projeto de reavivar a área.

Em meados dos anos 2000, a prefeitura fracassou no plano de revitalização em volta do velho centro, em busca de resgatar o prestígio e investimentos para a região com a isenção de impostos prediais para novos moradores, benesses tributárias em busca de atrair empresários para o comércio local, concomitante com o auxílio policial no fechamento de locais utilizados direta ou indiretamente no comércio e uso de entorpecentes, tal como hotéis irregulares, casas de prostituição e bares sem as mínimas condições sanitárias.

Neste mês, as gestões municipal e estadual desencadearam uma série de ações policiais pontuais na região, com o viés de inibir o consumo e o comércio dos entorpecentes pelas ruas, bem como restabelecer a presença governamental num local de evidente anomia, possibilitando o livre acesso às ruas do bairro aos moradores e transeuntes que são vítimas colaterais desse imbróglio.


2. DESENVOLVIMENTO

Cracrolândia na acepção do termo significa território do crack. A droga, que é composta pela mistura de sobras de cocaína, água, bicarbonato, cal e sal, que dão azo a uma combinação química mortal, é altamente dependente e acessível, sendo que o seu consumo se propagou de forma endêmica, principalmente pelos menos afortunados e população em situação de rua. No entanto, a droga é democrática e vitimiza diversas camadas sociais e intelectuais. Em pouco tempo o indivíduo está totalmente dependente e a partir daí passa a relativizar sua dignidade se assemelhando a um fantasma andante: recluso num mundo insano, doente, desprovido de vaidade e objetivos, cujo único desejo é consumir mais droga.

Acertadamente, Oliveira Sobrinho constata que há na sociedade pessoas invisíveis e ignoradas pelo estado e a sociedade como um todo. Os invisíveis englobam, além dos viciados em crack, moradores de rua, ambulantes, flanelinhas e garis. Explica em seu notável artigo a respeito:

“Casualmente todos os dias pessoas são tratados como cidadãos invisíveis, e embora cruzemos com eles, não os vemos ou talvez não queiramos vê-los; porém, eles estão lá na rua, construindo e reconstruindo seus territórios cotidianamente. Para os gestores públicos, a cidade seria como um organismo doente – numa alusão à saúde e higiene, especialmente dos mais pobres, que precisariam de cuidados permanentes. Nesse sentido observamos ações desastrosas promovidas pelas administrações locais nos últimos anos”. (OLIVEIRA SOBRINHO, 2014)

Inicialmente, cuidar desse revés como questão policial pareceu uma ação desastrosa e duramente rechaçada por alguns especialistas, visto que é notória a situação calamitosa a que o dependente químico é exposto. Alguns buscam ajuda para se livrar do vício e muitos outros encabeçam as estatísticas de mortos em decorrência do uso dessa substância nefasta.

Entretanto, o trabalho de inteligência da Polícia Civil de São Paulo revelou que, por trás do flagelo dos viciados, que se amontoam pelas ruas em busca da droga, age uma facção criminosa que lucra vultosas cifras com a situação, desenvolvendo uma espécie de feira livre da droga sem ser incomodada. A operação culminou na identificação e prisão de mais de 50 pessoas envolvidas na empreitada criminosa.

Diante das breves constatações, a resposta para a problemática mostra-se salutar, uma abordagem interdisciplinar entre as polícias civil e militar, guarda civil metropolitana e profissionais especializados de saúde. Extremamente vital o envolvimento do poderes municipal e estadual, abandonando disputas político-partidárias e a utilização do problema como palanque para eventuais eleições que se avizinham.

As investigações evidenciaram que, por mês, a organização criminosa lucra oito milhões de reais, em detrimento de vidas e sonhos que se perdem diuturnamente no cachimbo da droga. Desta maneira, é caso também de interferência do aparato de segurança pública, pois é dever do Estado manter a paz social, sem anular qualquer respeito e assistência aos enfermos. 

O enfrentamento da crise parece num primeiro momento uma medida espinhosa e pouco popular, mas que se faz necessário abandonar sua postergação, visando restabelecer a ordem, o direito às pessoas voltarem a transitar nessas ruas, incentivar o comércio local, a revitalização das residências que possuem grande valor para o patrimônio histórico e arquitetônico, bem como os moradores do bairro a terem orgulho de residir nas imediações outra vez. 

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Apenas dissipar a concentração dos viciados do centro velho não será o suficiente, pois disfarça a criação de outros pequenos pontos de usuários pela cidade e não resolve o problema por completo.


3. CONCLUSÃO

Primeiramente, combater o tráfico de forma enérgica é a saída mais árdua, porém, que atua no ponto central da causa, dado que se denota um processo de retroalimentação mantido nesse local. Os viciados que ocupam as ruas servem como cortina de fumaça para a venda livre do entorpecente. O combate a entrada do entorpecente na área em questão, bem como em todo território nacional, deve ser encarado como de primeira ordem, visto que as fronteiras brasileiras, no rigor do pensamento, são verdadeiros queijos suíços, nas quais adentram facilmente armas e drogas.

Secundariamente, mas não menos importante, deve se destacar a carência de políticas públicas de saúde voltadas para o auxílio aos dependentes químicos país a fora,a ineficácia dos centros de acolhimento de tratamento para usuários e parcos recursos humanos empregados num problema tão espinhoso.

Conclui-se, portanto, que esforços coordenados como a criação e expansão de consultórios itinerantes pelas áreas de maior concentração dos doentes, aumento dos centros de atenção psicossociais com equipes interdisciplinares envolvendo psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e profissionais dos órgãos afetos, auxiliarão, de forma ímpar, o processo de transformação urbana e social.

É importante o envolvimento de toda a sociedade civil na questão, atuando as bases de controle formal na repressão e combate ao tráfico, na outra ponta, os profissionais da saúde, familiares, ex-viciados e entidades religiosas no tratamento aos dependentes.


REFERÊNCIAS

SOBRINHO, Afonso Soares de Oliveira. Os "cidadãos invisíveis" no centro de São Paulo: O controle social da pobreza como negação à dignidade da pessoa humana. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 07 ago. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49357&seo=1>. Acesso em: 23 maio 2017.

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Sobre o autor
Rafaelle Jhonathas de Sousa Guimarães

Pós-Graduado em Direito Penal. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista com aprovação no XIX Exame de Ordem Unificado. Servidor Público desde 2005, atualmente é Policial Civil do Estado de São Paulo desenvolvendo suas atividades junto ao Centro de Operações Integradas. Realizou diversos cursos de especialização pela Academia de Polícia Civil de São Paulo- ACADEPOL, Ministério da Aeronáutica, Ministério da Justiça-SENASP, Escola Paulista da Magistratura de São Paulo e outras instituições coirmãs. Postulante ao cargo de Delegado de Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Rafaelle Jhonathas Sousa. O imbróglio da cracolândia em São Paulo: questão de saúde ou segurança pública?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5084, 2 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58051. Acesso em: 22 dez. 2024.

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