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A atuação do Ministério Público Estadual na efetivação das políticas sociais

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MECANISMOS PARA O DESEMPENHO DA VOCAÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUAS ATIVIDADES FINALÍSTICAS

Na atuação ministerial de perfil resolutivo, em relevo ao princípio da autonomia funcional, é primordial que o Promotor de Justiça vislumbre os mecanismos existentes, ora disponíveis, para a tutela que lhe é exigida, sobretudo, extrajurisdicional, como o inquérito civil público, a recomendação, o termo de ajustamento de conduta, audiências públicas, colaboração, dentre outros.

No tocante ao tema, Gregório Assagra de Almeida (2016, p. 70-71) ilustra que:

 [...] Em relação ao Ministério Público, ressalte-se que esta multifuncionalidade (de direitos e garantias fundamentais) impõe a adoção de novas técnicas de atuação, principalmente na tutela coletiva, como, por exemplo, a utilização de projetos sociais como mecanismos de atuação da instituição com o objetivo de contribuir, ao lado da sociedade, para a promoção da transformação positiva da realidade social.

Não se trata de mitigação da importância do Poder Judiciário, na perspectiva de julgamento de ações coletivas ajuizadas e resolução de conflitos, todavia, não se deve negar que morosidade sistêmica pode ser prejudicial à apreciação de questões sociais fundamentais, cuja eficácia é tão esperada, a contento.

Neste viés, Nelson Rosenvald (ROSENVALD, 2016, p. 151), articula que:

[...] Ao invés de pura e simplesmente levantar demandar ao Poder Judiciário, de cariz tradicionalmente conservador na solução de tais matérias, o Promotor de Justiça utilizará suas contribuições para participar ativamente do processo democrático. Pelos canais do inquérito civil, procedimento administrativo e termo de ajustamento, graves problemas sociais recebem enfrentamento e solução célere e efetiva, tanto na esfera preventiva como na repressiva. O Ministério Público supera o viés processual e formalista, laborando não mais como parceiro recorrente do Poder Judiciário, mas irmanado com a sociedade, na efetivação de uma ordem social mais justa.

Por seu turno, a negociação, a mediação, a conciliação e as práticas restaurativas constituem mecanismos autocompositivos que enfatizam a dimensão do Ministério Público como instituição de acesso à justiça e garantia fundamental da sociedade.

Com brilhantismo, Geisa de Assis Rodrigues (2016, p. 314) verbera que:

[...] Ademais, a defesa dos direitos transindividuais pressupõe uma abertura do Ministério Público para a sociedade. Como instituição responsável pela preservação da ordem democrática deve o Ministério Público ensejar a maior participação possível dos agentes sociais no exercício de suas atribuições, seja no processo de formação de sua opinião, seja para expô-la à crítica social. Entender que o membro do Ministério Público não deve se encastelar dentro de seu gabinete é essencial para assegurar o melhor resultado dessas atribuições.

Observe-se, outrossim, que o rol de instrumentos de atuação do MP não é exaustivo, o que também se evidencia em relação às suas atribuições constitucionais, segundo a exegese do art. 129, IX, da Carta Magna.


IDEAL DE EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS: O PARQUET COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Dentre muitos dos objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira está a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, aliada à erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades sociais (CF, art. 3.º), e, por se tratar do Estado Democrático de Direito, o Ministério Público é seu defensor imperiosamente constituído (CF, art. 127).

Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli (MAZZILLI, 2001, p. 127), quando a lei preconiza que o Ministério Público dos Estados, por meio das Promotorias de Justiça da Cidadania, está encarregado da defesa dos direitos fundamentais do cidadão, vale-se desse sentido com notável amplitude:

[...] alcança-se o direito de todas as pessoas, sem distinção, de, entre outros pontos: a) exigirem que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública respeitem os direitos assegurados na Constituição; b) verem respeitadas as regras constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, probidade e razoabilidade na administração; c) verem defendidos o patrimônio público e social; d) verem combatidas as violações aos chamados direitos humanos, como aqueles proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948); e) verem garantidos os direitos individuais, sociais e coletivos, previstos no art. 5º da Constituição; f) verem preservados e funcionando os princípios democráticos do estado de Direito.

Nada obstante, para eficácia da cidadania, expressão que não significa estritamente o exercício de garantias típicas vinculadas ao regime político, e, sim, ao viés de democracia e fruição dos direitos básicos, com acesso do indivíduo a prestações materiais do Estado. 

Sob este viés, cite-se que as democracias participativas e representativas não se excluem, posto que reflexos imediatos do exercício da soberania popular e expressão do anseio dos cidadãos metamorfosearem o seu contexto social, o que ilustra a necessidade de instituições como o Ministério Público interpretarem as demandas plurais da sociedade e salvaguardar a dignidade humana, desmedida e vultosa tarefa.

Nessa perspectiva, vale registrar a percuciente reflexão de Nelson Rosenvald (ROSENVALD, 2016, p. 150):

[...] sopesados os limites materiais e funcionais da justiciabilidade dos direitos sociais, o Ministério Público deve ir além das angústias individuais. Incumbe-lhe pensar no interesse comunitário em sentido macro e no seu elevado papel de contribuição ativa para o incremento de políticas públicas que garantam um conteúdo mínimo essencial à dignidade da pessoa humana. Bem fará a Instituição Ministerial, quando imprimir precedência na área de atuação coletiva, viabilizando acesso universal e igualitário ao ensino fundamental, a saúde básica, assistência social e moradia. Sem negarmos a importância da defesa dos direitos fundamentais – que atualmente correspondem a maior parte das medidas administrativas e demandas promovidas pelo Ministério Público –, a Instituição deve se preparar para perseguir interesses maiores, sobremaneira as prestações essenciais não contempladas em políticas públicas, beneficiando a população carente que desconhece o “direito a ter direitos”.

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Por mínimo existencial, entende-se uma vida saudável com possibilidade de realização de escolhas que atendam ao pleno desenvolvimento da personalidade, tais como o ingresso à saúde básica, o ensino fundamental, assistência social, moradia, cultura e lazer, que são meios tendentes à promoção de igualdade material (elementos nevrálgicos dos direitos fundamentais sociais), segundo Nelson Rosenvald (ROSENVALD, 2016, p. 134).

É por tudo isto que o Promotor de Justiça, em contato direto com o povo, por vezes, assolado pelas mazelas sociais e em situação de extremo desamparo, não deve se eximir da atuação hercúlea que lhe é exigida, com a adoção paulatina de atitudes voltadas à concretude de uma vida minimamente digna, em face da desigualdade fática dos indivíduos e flagrante prejuízo aos bens jurídicos intrínsecos à pessoa humana.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidencia-se pelo raciocínio trazido a lume, portanto, que o dito “novo Ministério Público”, como defensor do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, pressupõe um papel de alta relevância na aproximação da sociedade e seus anseios, para o cumprimento de metas que balizam a efetivação dos direitos sociais, que não basta ser conclamada.

Isso porque o MP que emerge da nova ordem constitucional é uma instituição peculiar, com atribuições contemporâneas, que alia a sua clássica tradição de postulação em juízo com a ampla atuação na defesa extrajudicial da cidadania e seus atributos.

O Estado Democrático de Direito, distintamente das outras formas estatais, possui uma prerrogativa nuclear: transformar a realidade social na prospecção contínua de igualdade material, compromisso também pertinente ao Parquet, pois decorre de sua tarefa constitucional a promoção da justiça.

Por outro lado, indubitável afirmar que não há uma forma de atuação do Promotor de Justiça, processual ou extraprocessualmente, única e correta, seja resolutiva ou demandista, uma vez que tais peculiaridades, na esfera prática, se mesclam perceptivelmente, considerando que os membros são responsáveis pela constante busca por instrumentos exímios para a defesa dos interesses constitucionalmente protegidos pela instituição.

Nesse sentido, já consolidado como instituição autônoma e essencial, o Ministério Público necessita desvincular-se de seu semblante “auxiliar” do Judiciário, para cumprir sua missão prefacial de defensor paladino dos direitos sociais e da democracia, como protagonista de seu próprio espaço, em caráter funcionalmente independente, na esfera preventiva, e implantação das políticas sociais, para assegurar a existência minimamente digna e justa do cidadão.

Por derradeiro, cite-se que a atuação ministerial não compreende necessariamente a solução de todos os conflitos na tutela de direitos transindividuais, motivo pelo qual a reunião de indivíduos para consecução de seus objetivos em sociedade, certamente, constitui o pilar inafastável à própria constituição de sua esfera livre, justa e igualitária.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Adriano. Interesses difusos e coletivos esquematizado / Adriano Andrade, Cleber Masson, Landolfo Andrade – 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Temas atuais do Ministério Público / Cristiano Chaves de Farias, Leonardo Barreto Moreira Alves, Nelson Rosenvald. – 6. ed. totalmente reformulada – Salvador: Juspodivm, 2016.

GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. – 4. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2014.

GODINHO, Robson Renault. A proteção processual dos direitos dos idosos: Ministério Público, tutela de direitos individuais e coletivos e acesso à justiça. –Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

_________. “O Ministério Público e a defesa dos direitos individuais indisponíveis”. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. – Belo Horizonte: n. 12, abr.-jun. 2008.

GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis. – São Paulo: Editora de direito, 1998.

MACÊDO, Marcus Paulo Queiroz; OGRIZIO, Anderson de Castro. Manual do promotor de justiça: teoria e prática. 2. ed. – Salvador: Juspodivm, 2014.

MAZZILLI, Hugo Nigro. “Ministério Público e cidadania”. Revista Justitia, volume 194. São Paulo: Procuradoria-Geral de Justiça, abril a junho de 2001.

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Sobre a autora
Luana Cristina Rodrigues de Andrade

Especialista em "Direito Processual Civil e Ministério Público" e em "Compliance e Direito Penal Econômico", pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás (ESUMP-GO). Graduada em Direito pela FPU. Aluna especial do Programa de Mestrado em Direito da USP (2023). Habilitada no XIV Exame da OAB (2014). Pesquisadora Integrante dos Grupos de Pesquisa em "Democracia, Transparência e Combate à Corrupção" e "Direito Antidiscriminatório" da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (2025).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Luana Cristina Rodrigues. A atuação do Ministério Público Estadual na efetivação das políticas sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5094, 12 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58361. Acesso em: 5 dez. 2025.

Mais informações

Artigo escrito para submissão ao Conselho Editoral da Revista do Ministério Público do Estado de Goiás (publicação interna da instituição). Dedicado à Dra. Cristina Fagundes Siqueira, Promotora de Justiça do Estado de Minas Gerais e tutora de meu estágio de graduação (2012-2014), exemplo inspirador de Parquet resolutivo

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