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O afastamento de Senador por medida cautelar penal

19/06/2017 às 16:50
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Para Rodrigo Janot, a determinação judicial de afastamento provisório do exercício de mandato parlamentar constitui medida que, apesar de excepcional, não se equipara à decretação de prisão cautelar, razão pela qual não incide sobre ela a garantia da incoercibilidade pessoal.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, reforçou o pedido de prisão preventiva do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). Janot também se manifestou pela manutenção das prisões da irmã de Aécio, Andrea Neves, do primo, Frederico Pacheco, e do assessor parlamentar e cunhado do senador Zeze Perrella (PMDB-MG), Mendherson Souza Lima.

Janot defende que, devido a alta gravidade do delito e o risco de reiteração, a prisão preventiva é “imprescindível para a garantia da ordem pública”. Segundo ele, “são muitos os precedentes do Supremo Tribunal Federal que chancelam o uso excepcional da prisão preventiva para impedir que o investigado, acusado ou sentenciado torne a praticar certos delitos enquanto responde a inquérito ou processo criminal, desde que haja prova concreta do risco correspondente”.

Tem-se da lição de José Afonso da Silva (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 535/536, item n. 15, 30ª ed., 2008, Malheiros):

‘“‘Quanto à prisão’, estatui-se que, salvo flagrante de crime inafiançável, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos dentro do período que vai desde a sua diplomação até o encerramento definitivo de seu mandato por qualquer motivo, incluindo a não reeleição. Podem, pois, ser presos nos casos de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos serão remetidos, dentro de 24 horas, à Câmara respectiva, para que, pelo voto da maioria (absoluta) de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º, EC-35/2001). Convém ponderar a respeito da questão da afiançabilidade de crime, hoje importante, diante do disposto no art. 5º, LXVI, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o crime fora daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há de ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: ‘vedada a prisão’.”

O senador já foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de Justiça. Segundo a PGR, Aécio, por exemplo, atuou em conjunto com o presidente Michel Temer para impedir as investigações da Lava Jato.

Somente cabe prisão de senador em caso de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos seriam remetidos, dentro de vinte e quatro horas ao Senado.

Para o caso, a acusação trouxe a colação o crime de impedimento das investigações que se dão na operação Lava-Jato.

Aplica-se para o caso o artigo 2º, § 1ª, da Lei 12.850, onde se diz que nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. A pena prevista é de reclusão, de três a oito anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações. Trata-se de crime contra a paz pública, assim como o crime de organização criminosa.

Devido ao caráter transnacional das organizações criminosas, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, aplica-se às infrações penais previstas em tratados ou convenções internacionais quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, às organizações terroristas internacionais reconhecidas, segundo o direito internacional, lembrando que, até aqui, não há diploma penal, que, à luz do principio da legalidade, discipline sobre o crime de terrorismo.

A Lei 12.850 prevê, assim, um tipo penal, no artigo 2º, um crime com relação a quem promova, constitua, financie ou integre pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, incorrendo, nas mesmas penas, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva a organização criminosa.

Consiste o crime organizado, a teor do artigo 2º da Lei 12.850/12, nas ações de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa organização criminosa.

Analisemos o tipo penal disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850, que se aproxima do delito de fraude processual.

Impedir é opor-se a, estorvar, não permitir, barrar, dificultar, obstar, sustar, tolher.

Embaraçar é dificultar, trazer desordem, confusão, perturbar.

A palavra investigação deve ser interpretada de forma extensiva, para abranger, não apenas, a investigação que é estritamente considerada(investigação pela policia ou pelo Parquet), como ainda o próprio processo judicial, afastando-se a incidência do artigo 344 do Código Penal, que é a regra geral.

Assim o agente pode esconder, queimar documentos que possam comprovar a prática de crime de organização criminosa prevista na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.

A pena in abstrato prevista é de reclusão, de 3(três) a 8(oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.

Trata-se de tipo penal misto alternativo, regido pelo princípio da alternatividade (a realização de um só verbo já configura o crime, pois caso as duas condutas sejam praticadas no mesmo contexto fático, estaremos diante de um mesmo crime). Pode ser sujeito qualquer pessoa, sendo o crime comum, doloso, formal.

Para o crime organizado, tão importante como planejar, financiar, é garantir a impunidade dos seus atos, que pode acontecer: matando-se testemunhas, ameaçando-as, destruindo provas documentais e periciais.

Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso e sobre o qual cabe tentativa.

É crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

É, ainda, crime contra a administração da justiça, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa. Saliente-se que os bens protegidos no crime organizado não se limitam à paz ou a tranquilidade pública, senão a própria preservação material das instituições.

Em sendo crime permanente poder-se-ia pensar na hipótese de flagrante.

Mas esse estado de flagrância parece ter cessado com as providências cautelares diversas da prisão, que foram tomadas. O afastamento da função parlamentar foi adotado como providência. A prisão em flagrante é medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal. Exige-se para tanto que haja aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade do acusado.

A prisão em flagrante é prisão cautelar de natureza administrativa, realizada no instante em que ocorre ou termina a infração penal. Como prisão cautelar, provisória, soma-se a outras espécies como a prisão preventiva e a prisão temporária. A prisão processual ou cautelar se opõe à prisão em razão de sentença judicial penal condenatória transitada em julgado.

O artigo 301 do Código de Processo Penal é taxativo ao determinar que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Com a prisão em flagrante, impede-se a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada, a teor do artigo 302, I, do CPP, ou de seu exaurimento, nas demais situações, como se dá quando a infração acabou de ser praticada(artigo 302, II, CPP), ou, logo após a sua prática, tenha se seguido a perseguição(artigo 302, III, CPP), ou o encontro do presumido autor(artigo 302, IV, CPP).

Como bem disse Eugênio Pacceli(Curso de Processo Penal, 17ª edição, pág. 542),a prisão em flagrante cumpre importantíssima missão, cuidando da diminuição dos efeitos da ação criminosa, quando não do seu completo afastamento.

Penso, entretanto, dentro do que chamamos de tutela cautelar no campo penal que seria melhor aplicar o artigo 319 do Código de Processo Penal. Trata-se de utilizar o principio da proporcionalidade.

Ainda, torna-se desnecessária a prisão preventiva, não prevista pela Constituição Federal. A possibilidade de continuidade delitiva do acusado ou de destruição de provas, que poderiam ser apontadas como justificativas para a prisão preventiva, seriam uma suposição excepcional, que não justificam a aplicação da cautelar. são em razão da alteração de posicionamento da PGR, que ofereceu a denúncia apenas por um dos delitos.

Poderia, ao contrário, apontar-se a chamada conveniência da instrução criminal, mas seria preciso provar, a teor do artigo 312 do CPP que o acusado estaria trazendo obstáculos à investigação e que ainda estaria a executar a conduta prevista no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850, que trata de organizações criminosas.

O artigo 319 do CPP traz um rol de medidas cautelares, alternativas à prisão, que devem ser suficientes para atingir o desiderato de mantê-los sob controle e vigilância.

Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação (artigo 282, I e II, do CPP), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim, a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.

Tais lições foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso, ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do principio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravosos para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

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De pronto, direi que é insustentável a aplicação do poder geral de cautela, tão falado e aplicado no processo brasileiro, em relações civis, mister patrimoniais, mas que não se concilia com o status libertatis. Aliás, ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal (artigo 5º, LIII, CF).

A medida cautelar pessoal há de estar prevista em lei e que tenha finalidade em lei. Ademais, deverá respeitar ao primado do menos gravoso, que imbui a necessidade de um juízo de proporcionalidade, de sorte a permitir o perfeito controle da pertinência e adequação e ainda validade da medida.

A ideia da legalidade no direito processual penal é encontrada nos Códigos de Portugal, Itália, no Chile, por exemplo.

Digo isso porque a vedação às chamadas medidas cautelares atípicas sempre esteve ligada ao princípio da legalidade da persecução penal. Assim, é imprescindível a expressa permissão legal para tanto, de forma que vigora o princípio da legalidade e mais ainda o da taxatividade das medidas cautelares.

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se contra a necessidade de autorização pelo Congresso para a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, como o afastamento temporário de suas funções. Para ele, essas medidas no processo penal possuem caráter acessório e visam a garantir efetividade de ações principais.

A manifestação foi dada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5526 proposta pelos partidos Progressista (PP), Social Cristão (PSC) e Solidariedade (SD).

Por conferirem tratamento especial perante o estado, no que toca ao sistema penal e processual penal – ou seja, por significarem tratamento distinto do aplicável aos demais cidadãos -, os preceitos constitucionais que asseguram prerrogativas parlamentares deve ser interpretados de forma restritiva, sustenta.

De acordo com Janot, o próprio texto constitucional prevê a possibilidade de o Judiciário exercer poder cautelar. Ele explica que o artigo 5º, inciso XXXV, ao dispor que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameça a direito’, assegura tutela jurisdicional adequada e concede a magistrados judiciais poderes para evitar que o provimento jurisdicional final perca utilidade.

“Não faria sentido que a Constituição reputasse direito fundamental o acesso à via judicial, impondo que pedidos sejam apreciados em prazo razoável, para que a solução oferecida pelo provimento jurisdicional fosse inócua, inútil, dada a impossibilidade de assegurá-la com medidas cautelares”, afirma o procurador-geral.

Para Janot, a determinação judicial de afastamento provisório do exercício de mandato parlamentar constitui medida que, apesar de excepcional, não se equipara à decretação de prisão cautelar, razão pela qual não incide sobre ela a garantia da incoercibilidade pessoal relativa do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição.

O procurador-geral alertou que ‘submeter medidas cautelares do sistema processual penal a crivo da casa legislativa, quando deferidas contra membros do Congresso Nacional, malferiria o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ofenderia o princípio da isonomia e fragilizaria indevidamente a persecução criminal’.

Ele observa que ‘seria ampliação indevida do alcance das imunidades parlamentares, com manejo de ação de controle concentrado de constitucionalidade para instituir procedimento absolutamente novo, não previsto pelo constituinte de 1988’.

A matéria já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal quando o ministro Teori concedeu a liminar em ação pedida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em dezembro de 2015, que argumentou que Cunha estava atrapalhando as investigações da Lava Jato, na qual o deputado é réu em uma ação e investigado em vários procedimentos.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O afastamento de Senador por medida cautelar penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5101, 19 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58489. Acesso em: 22 dez. 2024.

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