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A penhora de bens imóveis.

Alguns apontamentos sobre a atual sistemática e os projetos de reforma do Código de Processo Civil

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7. Registro da Penhora

Sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, e por indicação do art. 178, do Dec. 4857, de 9-11-1939, a fim de que valesse contra terceiros, a penhora de bens imóveis deveria ser inscrita no Registro de Imóveis.

Dessa forma, a exigência, à época, era tão-somente para que se desse garantia ao exeqüente sobre qualquer ato fraudulento do executado. Neste desiderato as lições de De Plácido e Silva [43]:

"Dessa forma, a necessidade da inscrição da penhora resulta numa garantia do próprio exeqüente, para que por ela possa argüir qualquer fraude do executado em relação ao bem penhorado.

Sendo assim, a falta de inscrição não acarreta nulidade ao ato, mas o apresenta enfraquecido pela omissão.

A inscrição é que lhe dá força para valer contra terceiros.

E por ela também se anotará a preferência assinada ao primeiro exeqüente em relação aos primeiros bens penhorados."

Sobreveio o Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5869, de 11-01-1973), e num primeiro momento quedou-se silente sobre a obrigatoriedade do registro da penhora. Meses após, contudo, editou-se a 6015, de 31-12-1973, que tratou dos Registros Públicos, exigindo, no art. 167, I, "5", que houvesse o registro das penhoras nas matrículas dos imóveis.

Passados quase vinte anos da edição do Código de Processo Civil, ‘há muito se afirmava, sobretudo nos conclaves de processualistas, que o processo civil estava em crise." [44] Assim, formou-se uma "comissão de notáveis processualistas", coordenados por Sálvio de Figueiredo Teixeira, encarregados da reforma do Código de Processo Civil [45]. Sucedeu-se, então, o primeiro movimento reformista processual, em 1984, e com a edição da Lei 8.953, de 13.12.1994, introduziu-se o parágrafo 4º, ao art. 659, do CPC:

"Art.659..........................................................

§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no respectivo registro." (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)"

Assim, a inscrição da penhora no Serviço Imobiliário tornou-se obrigatória, nos termos do próprio Código de Processo Civil. Destarte, dada esta redação, alguns logo sustentaram que a penhora do bem imóvel somente se perfaria a partir do momento do registro da penhora junto ao Serviço de Registro Imobiliário. Ponderava-se que a Lei, ao exigir a averbação e o registro de todas e quaisquer benfeitorias, construções e onerações que se façam no imóvel, bem como de sua alienação, tem por escopo constituir malha firme e completa de informações, gerando segurança para a sociedade no que tange transações imobiliárias relativa ao imóvel a que se reporta. Deveras, Walter Ceneviva [46], apresenta o registro imobiliário como elemento constitutivo do direito:

"1a. - CONSTITUTIVOS - sem o registro o direito não nasce;

2a. - COMPROBATÓRIOS - o registro prova a existência e veracidade do ato ao qual se reporta;

3a. - PUBLICITÁRIOS - o ato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados ou não."

De modo que, argumentava-se, quando exigível em lei somente com a averbação ou registro em Cartório competente é que nasce o direito real de alguém e o mesmo é provado. Sem o preenchimento deste requisito, o direito não nasce e, por conseguinte, não se adquire, haja vista a patente inobservância da prescrição legal.

Os atos que a lei reputa formais devem compulsoriamente ser realizados desta forma, sob pena de nulidade. Neste passo, a lição de Sílvio Rodrigues [47]:

"Se a lei só permite que se prove um ato jurídico através de uma forma determinada, tal forma é da substância do ato, porque sem tal solenidade o mesmo não se admite como existente. Ou, como propõe Orlando Gomes:

"...a forma é livre ou determinada. Se a lei exige forma especial, é necessariamente ad solemnitatem."

J.M. Carvalho de Santos [48], em sua obra "Código Civil Brasileiro Interpretado", comentando o art. 130, do então Código Civil, lecionava:

"Sempre que o ato não revestir a forma especial determinada em lei, a conseqüência será a nulidade do ato. Porque nestes casos a forma é necessária à sua existência, fazendo parte integrante de sua substância."

Em vista disso, se não houvesse o registro da penhora do bem imóvel, sequer haveria que se falar em penhora, na medida em que faltaria um dos elementos constitutivos desta constrição. Esta a lição de Ovídio Batista [49]:

"No direito contemporâneo há uma tendência muito nítida no sentido de proteção jurídica da aparência, e não seria possível, por exemplo, ignorar a legitimidade da tutela de quem, de boa-fé, houvesse adquirido o imóvel daquele que, anteriormente mas depois da penhora não inscrita, o adquirira do executado".

Tal posição tinha inegável influência do direito italiano, onde se faz obrigatório o registro da penhora. No entanto, como pondera Humberto Theodoro Júnior [50], naquele ordenamento "o registro é parte integrando do próprio ato processual da penhora", diferentemente do nosso. Portanto, para Humberto Theodoro Júnior [51], o registro da penhora seria mera "superfectação evidente".

Aliás, a breve exposição de motivos do Projeto de Lei 3.810-A, da Câmara dos Deputados, que ulteriormente foi convertido na Lei 8.953, de 13.12.1994, declarou expressamente o escopo do legislador com a exigência do registro: "prevenir futuras demandas com alegações de fraude de execução, como tão freqüentemente ocorre na prática forense atual".

Assim, advogou-se que se de um lado o registro da penhora não é ato constitutivo da constrição sobre bens imóveis, somente haveria que se falar em fraude à execução a partir deste registro. Neste diapasão:

"Não havendo registro da penhora, não há falar em fraude à execução, salvo se aquele que alegar fraude provar que o terceiro adquiriu o imóvel sabendo que estava penhorado" (STJ, 3.ª T., REsp 113.666-DF, rel. Min. Menezes Direito, ac. 13.05.1997, p. 31.031) (52).

Esse posicionamento é escudado pelo art. 240, da Lei de Registros Públicos (Lei 6015, de 31-12-1973), que prega: "O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior."

Deste modo, o registro imobiliário tem dois únicos objetivos: I) a constituição de direito real; II) dar publicidade ao ato. Para a fraude de execução interessa apenas o segundo objetivo, já que o registro não é medida necessária à constituição da penhora, contrariamente ao que ocorre em outros países, como na Itália.

Em outros termos: "

"A penhora de bem imóvel, antes de registrada (Lei 6.015/73, arts. 167, I, n. 5, 169 e 240), vale e é eficaz perante o executado, mas só é eficaz perante terceiros provando-se que estes conheciam ou deviam conhecer a constrição judicial'' (STJ, 4.ª T., REsp 9.789, rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, ac. 09.06.1992, RT 691/190)." (53)

Desta forma, passou-se a esposar a tese de que somente com o registro de penhora se tem a presunção de fraude contra o terceiro adquirente. Dorival Renato Pavan e Cristiane Costa Carvalho [54] comentam:

"Logo, após a sistemática adotada pelo art. 659, § 4.o, do CPC, vem a doutrina entendendo que, em ocorrendo a penhora de bem imóvel, sua alienação, ipso facto, não induzirá na ocorrência de fraude à execução, como vinha sendo até presentemente entendido (inclusive com desprezo à norma do art. 240 da Lei 6.015/73), uma vez que será apenas com o registro da penhora que haverá eficácia erga omnes e sem tal registro a aquisição do imóvel por terceiro "o tornará adquirente de boa-fé, sem que a ele se possam opor os efeitos da penhora".

Ainda, segundo o Enunciado 40, do Tribunal de Justiça de São Paulo "o registro de que trata o art. 659, § 4º, do CPC, não constitui requisito de validade, mas da eficácia do ato, para oponibilidade contra terceiros de boa-fé."

O próprio STJ, pela sua Primeiro Turma, assim decidiu:

FRAUDE À EXECUÇÃO - Descaracterização - Bem alienado na pendência de ação de execução fiscal - Inexistência do registro da penhora nos termos do art. 7.o, IV, da Lei 6.830/80 - Necessidade de se demonstrar a ciência pelo terceiro adquirente da existência da demanda ou da constrição.

Ementa da Redação: A alienação do bem na pendência de ação de execução fiscal, por si só, não caracteriza fraude à execução, mormente quando não registrada a penhora, nos termos do art. 7.°, IV, da Lei 6.830/80; eis que para configuração da fraude é necessária a demonstração do consilium fraudis que pressupõe o conhecimento, pelo terceiro adquirente, da existência da demanda ou da constrição ao tempo do negócio. (REsp 122.550/SP - 1.ª T. - j. 12.03.1998 - rel. Min. Milton Luiz Pereira - DJU 25.05.1998.). (55)

A tese de que o registro da penhora não é condição de sua validade, mas sim de oponibilidade perante terceiros ganha mais fôlego com a atual redação do art. 659, § 4º, modificado pela Lei nº 10.444, de 07.05.2002, que dispõe, in verbis:

"Art. 659.

... ...

§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial."

O texto de lei é de solar clareza: o registro é para gerar "presunção absoluta de conhecimento de terceiros". Via de conseqüência, o registro da penhora de bens imóveis não é condição de sua validade, mas sim meramente de sua publicidade. Neste diapasão as lições de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier: [56]

"Com a alteração fica resolvida, por assim dizer, toda a polêmica surgida em função da redação do § 4º, restando claro que não se trata de ato integrativo da penhora, mas tão-somente de ato destinado a criar presunção absoluta de publicidade quanto à vinculação do bem ao processo de execução."

Quer-nos parecer que a grande preocupação do legislador é com a famigerada fraude a execução, visando preservar tanto o credor, como também eventual terceiro que adquira os bens do devedor. Tanto é assim que o "Projeto de Lei sobre o processo de Execução de Títulos Extrajudiciais" prevê, pela redação proposta ao art. 617-A, que "o exeqüente poderá, no ato, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução (...) para fins de averbação junto ao registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora", a fim de que "feita a averbação, os terceiros que venham a adquirir o bem presumem-se cientes da propositura da demanda". [57]

Aliás, os projetos de reforma silenciam quanto à modificação da sistemática do registro da penhora. Logo, o texto de lei, tal como agora está, será mantido.

A novidade trazida é da proposta de redação do art. 659, § 6º: "obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes pelos Tribunais, os registros de penhoras de bens imóveis podem ser realizados por meios eletrônicos". [58]

Porém, perfilhamos entendimento de que a fraude à execução continua sendo regida pelo art. 593 [59], do Código de Processo Civil. A jurisprudência e a doutrina tem atacado com veemência tais práticas escusas, repelindo-as com pujança:

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"A fraude toma aspectos mais graves quando praticados depois de iniciado o processo condenatório ou executório contra o devedor. É que não só é mais patente do que nunca o interesse de lesar os credores, como também a alienação dos bens do vendedor vem constituir verdadeiro atentado contra o desenvolvimento jurisdicional já em curso.

Assim, o ato de alienação, embora válido entre as partes, não subtrai os bens à responsabilidade executória; eles continuam respondendo pelas dívidas do alienante, como se não tivessem saído de seu patrimônio. (60)"

Neste desiderato, entendemos que o registro da penhora do bem imóvel geraria a presunção absoluta da fraude, ao passo que a alienação do imóvel, enquanto pendente ação judicial capaz de reduzir o devedor à insolvência, geraria presunção relativa de fraude, podendo ser ilidia no caso concreto por argumentos críveis, como, por exemplo e notadamente, a boa-fé [61].

Respeitante especificamente sobre fraude à execução, Humberto Theodoro Júnior [62], mudando posição assumida anteriormente, leciona que a óptica de que o elemento subjetivo do adquirente (boa-fé) é dispensável, caiu por terra:

"As primeiras vozes a se rebelarem contra o tratamento puramente objetivo da fraude à execução foram as de ALVINO LIMA e MÁRIO AGUIAR MOURA, que demonstraram o equívoco da teoria de BUZAID e acenturam que a sanção à fraude de execução, de acordo com as mais atualizadas concepções doutrinárias e jurisprudenciais, operaria de forma igual à da fraude contra credores. Dessa forma, devem ser vistas como requisitos comuns de ambas as variantes da fraude:

a)a fraude da alienação por parte do devedor;

b)a eventualidade de consilium fraudis pela ciência da fraude por parte do adquirente;

c)prejuízo do credor"

É, pois, indispensável, ainda que se tratando de fraude à execução, do elemento subjetivo da má-fé por parte do adquirente. Gelson Amaro de Souza, é ainda mais enfático: [63]

"O equívoco ao que se pensa é saliente, pois a própria expressão fraude já está contida no elemento subjetivo e deste é necessariamente integrante. Cumpre, então, demonstrar tanto o seu elemento objetivo, como o subjetivo. A fraude de execução, pelas consequências jurídicas que produz a ponto de autorizar a constrição de bens de quem não é devedor e nem executado, jamais poderá ser presumida, senão devidamente provada."

Repita-se: a fraude não pode ser presumida. Deve ser provada, demonstrando-se inequivocadamente o elemento subjetivo do comprador, qual seja, a má-fé, em casos onde a penhora do imóvel não estiver registrada.

O Superior Tribunal de Justiça já se direciona para pacificar que mesmo na fraude à execução, "além do elemento objetivo representado pelo dano suportado pelo credor, em razão da insolvência provocada ou agravada pelo ato de disposição, é necessário que o terceiro adquirente tenha concorrido conscientemente para o ato danoso. Incumbe, portanto, àquele que invoca o artigo 793 do CPC, demonstar ambos os elementos da fraude, de maneira que, estando ot erceiro de boa-fé, não haverá como sujeitá-lo à responsabilidade executiva pelo débito do alienante. É necessário sempre que o terceiro tenha ciência efetiva ou presumida da existência da demanda contra o alienante e do seu estado de insolvência." [64]

Ainda e cônsono o mesmo Humberto Theodoro Júnior [65], na busca da repreensão à fraude, criam-se remédios jurídicos com duplo objetivo de: a) valorizar a boa-fé; b) e condenar a má-fé. Na Revista dos Tribunais, V. 776, p. 31, lê-se:

"A fraude de execução a que se refere o CPC, art. 593, I, não se contenta apenas com a existência de ação real pendente sobre o bem alienado. É preciso, também, o elemento subjetivo - conhecimento da ação pelo adquirente - que se presume no caso de inscrição da causa no Registro Público. "Não registrada a ação ..., a fraude de execução somente poderá ficar caracterizada se demonstrado o conhecimento daquele fato pelo adquirente" (STJ, 4.ª T., REsp 193.048/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. 02.02.1999, DJU 15.03.1999, p. 257)."

Imperioso decidir-se que a má-fé do adquirente deve ser suficientemente provada, ainda que se falando de fraude à execução. Tal prova seria dispensável apenas se houvesse o anterior registro da penhora do bem imóvel no Serviço Imobiliário.

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Sobre o autor
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A penhora de bens imóveis.: Alguns apontamentos sobre a atual sistemática e os projetos de reforma do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 484, 3 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5872. Acesso em: 23 dez. 2024.

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