Resumo: A Constituição Federal, ao tratar da organização dos Poderes de Estado, prevê as funções essenciais à Justiça, que são o Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública, sendo estas três últimas compostas por advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Decorre dessa previsão constitucional a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça e a inexistência de hierarquia entre membros da Advocacia, Magistratura e Ministério Público. Porém, mesmo sem contar com todo o aparato para segurança pessoal dos membros da Magistratura e do Ministério Público, os advogados ainda ficaram alijados do direito, por prerrogativa de função, ao porte de arma de fogo para defesa pessoal. A legislação, que confere aos membros da Magistratura e do Ministério Público o direito ao porte de arma de defesa, e, portanto, reconhece que armas se prestam à defesa pessoal, silenciou quanto ao direito dos advogados portarem armas de fogo para sua defesa. Neste artigo se analisa o porte de arma de fogo de defesa para advogados como direito e garantia fundamental à igualdade de tratamento com membros da Magistratura e do Ministério Público, mediante o cumprimento de requisitos mínimos, conforme prevê o Projeto de Lei 704/2015, demonstrando que tal projeto é Constitucional e, ao final, apresentando um substitutivo para resolver possíveis problemas emergentes da aplicação da lei.
Palavras-chave: Advogado. Igualdade. Porte de Arma. Prerrogativa.
Sumário: RESUMO. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1 Advocacia como Função Essencial à Justiça. 2 Direito de defesa como decorrência do direito à vida. 3 Regulamentação do direito à posse e porte de armas. 4 Direito ao porte de arma de fogo por membros da Magistratura e do Ministério Público. 5 Proposta legislativa. 5.1 Direito e não dever de portar arma. 5.2 Requisitos adequados à razoabilidade e ao bem comum. 6 Substitutivo. 7 Justificativas para o substitutivo. CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
A inexistência de subordinação entre advogados, magistrados, promotores e procuradores decorre da premissa constitucional do reconhecimento da Advocacia como “Função Essencial à Justiça”, da indispensabilidade do advogado à administração da Justiça.
Porém, mesmo atuando com a beligerância, naturalmente decorrente, dos conflitos de interesses que não são resolvidos de forma amigável pelas partes envolvidas nas discussões judiciais, aos advogados não foi previsto o direito à proteção pessoal e legítima defesa efetiva, mediante o uso de arma de fogo, direito este que foi previsto expressamente para os membros da Magistratura e do Ministério Público.
As funções essenciais à Justiça estão elencadas na Constituição Federal, a saber: Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública. Dentre estas, somente ao Ministério Público foi dado o direito ao porte de arma para defesa pessoal.
Neste trabalho analisa-se o direito à igualdade àqueles que exercem funções essenciais à Justiça, especialmente os advogados, pois no caso de aprovação do Projeto de Lei 704/2015, este direito ao porte de arma de fogo de defesa também será aplicado aos membros da Advocacia e Defensoria Públicas, pois seus integrantes são advogados de origem.
Ao final, o Autor apresentará as conclusões sobre o tema proposto, sempre fiel às premissas adotadas.
1 Advocacia como Função Essencial à Justiça
O Legislador Constituinte previu que são “Funções Essenciais à Justiça” o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública.
O Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei nº 8.906, de 1994, outorga ao advogado fundamental no direito de acesso à Justiça. Conforme previsto no art. 133 da Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da Justiça. “No seu ministério privado, como se lê no § 1º do art. 2º, presta serviço público e exerce função social.”
A importância do advogado e da advocacia extrapola os limites das relações privadas entre advogado e cliente, tanto que “No exercício da profissão é inviolável por seus atos e manifestações”.
Segundo o art. 6º do Estatuto da OAB, “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos se tratar com consideração e respeito recíprocos”.
Dentre os direitos dos advogados destacam-se o de usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusações ou censura que lhe forem feitas (art. 7º, X) e o de ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela (idem, XVII).
No seu mister, os advogados têm por objeto de trabalho a resolução dos mais diversos conflitos de interesses possíveis na vida em sociedade, que não foram passíveis de resolução pelas partes interessadas sem a intervenção de terceiros.
A própria lei prevê que o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social (Lei 8.906/1994, artigo 2º, parágrafo 1º). Isso significa que a atividade exercida pelo advogado é de relevância para toda a sociedade, não interessando apenas às partes de um determinado processo ou procedimento.
A relevância jurídica e social da Advocacia é reconhecida pelos Tribunais, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, como segue:
"A CR estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais (art. 5º, XXXIV, a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade postulatória litigar em juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a presença de um advogado, considerado "indispensável à administração da justiça" (art. 133 da CR e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no rol das exceções, as ações protocoladas nos juizados especiais cíveis, nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da CLT), não fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.
[AO 1.531 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-6-2009, P, DJE de 1º-7-2009.]
"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a OAB. Dispositivos impugnados pela AMB. (...) O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo."
[ADI 1.127, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 17-5-2006, P, DJE de 11-6-2010.] Vide Rcl 19.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 24-3-2015, 2ª T, DJE de 2-6-2015 Vide Rcl 4.535, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 7-5-2007, P, DJ de 15-6-2007
"Mandado de injunção. Ajuizamento. Ausência de capacidade postulatória. Pressuposto processual subjetivo. Incognoscibilidade da ação injuncional (...). A posse da capacidade postulatória constitui pressuposto processual subjetivo referente à parte. Sem que esta titularize o ‘jus postulandi’, torna-se inviável a válida constituição da própria relação processual, o que faz incidir a norma inscrita no art. 267, IV, do CPC, gerando, em conseqüência, como necessário efeito de ordem jurídica, a extinção do processo, sem resolução de mérito. - Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de Advogado, a quem compete, nos termos da lei, o exercício do ‘jus postulandi’. O Advogado constitui profissional indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133), tornando-se necessária a sua intervenção na prática de atos que lhe são privativos (Lei nº 8.906/94, art. 1º). - São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória. Inaplicabilidade do art. 13 do CPC, quando o recurso já estiver em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Precedentes. - O direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (art. 5º, XXXIV, "a"). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática. O direito de petição, contudo, não assegura, por si só, a possibilidade de o interessado - que não dispõe de capacidade postulatória - ingressar em juízo, para, independentemente de Advogado, litigar em nome próprio ou como representante de terceiros. Precedentes."
[MI 772 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2007, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00057 RTJ VOL-00216-01 PP-00181 RCJ v. 23, n. 146, 2009, p. 155-156]
Cita-se ainda parte da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello em 14/02/2006 no HC 88.015-MC/DF DJ de 21/02/2006:
“O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, as diretrizes, previamente referidas, consagradas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”
No sistema brasileiro, a presença de advogado em ação judicial somente é possível nos juizados especiais cíveis, em causas de menor valor, quando ambas as partes litigam sem advogado.
Em todas as outras demandas é necessária a representação da parte por advogado, que detém o jus postulandi e a quem é atribuída na maioria dos casos, a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso na demanda.
Em sua profissão, o advogado lida com questões de beligerância, que afetam a psique: o querer e não ser atendido, acreditar que tem o direito a algo e não conseguir, ou conseguir parcialmente, são situações em que as pretensões resistidas mexem com as emoções de qualquer pessoa e o advogado sempre está presente, seja para ser ovacionado por uma parte do processo, seja para ser repreendido pela outra.
Tanto é verdadeira esta afirmação que uma simples pesquisa na rede mundial de computadores por “advogados mortos” ou “advogado ameaçado” lista dezenas de casos em que advogados são ameaçados ou mortos em razão de sua atividade.
Magistrados[1] e Membros do Ministério[2] Público[3] possuem o direito ao porte de arma para defesa previsto nas respectivas legislações justamente porque se presume a necessidade em razão das funções desempenhadas, podendo inclusive portar armas de calibre restrito[4].
Porém, os advogados, justamente os que não contam com todo o aparato estatal para garantir sua segurança pessoal, tais como policiais nos fóruns e sedes do Ministério Público, não possuem esta previsão no Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei 8.906.
Ressalta-se que advogados, membros da Magistratura e do Ministério Público estão em igualdade no exercício de funções, mas não estão em igualdade legislativa, e isso em qualquer causa que justifique o tratamento diferenciado, pois membros da Magistratura e do Ministério Público não usam armas como instrumento de trabalho como fazem por exemplo policiais e membros das Forças Armadas. O instrumento de trabalho de Magistrados e Membros do Ministério Público é a argumentação, o papel e a caneta ou o computador com assinatura digital. Tanto é verdadeira essa premissa que as armas das quais possuem porte estas categorias são armas de defesa, armas curtas, conceitos que adiante serão abordados, e não armas de forças especiais.
Esta omissão muito se justifica porque na época da publicação da Lei 8.906 o porte de armas era concedido com relativa facilidade, mediante o cumprimento de requisitos objetivos, diferentemente do que ocorre hoje, pois o Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826, condiciona o exercício do direito à defesa da vida mediante o porte de arma de fogo a requisitos absolutamente subjetivos e discricionários, que acaba por cercear o direito de porte de arma por advogados, ferindo o direito de igualdade, e, por via reflexa, a própria administração da Justiça.