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Poderes instrutórios do juiz e a justiça material.

Quem deve ser impecável, o direito processual ou o advogado?

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11/08/2017 às 16:00
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise sistemática do direito processual permite concluir que, além do preceito de amplo poder instrutório do órgão judicial existir em harmonia com outros diferentes institutos, tal alçada é imperativa; isto é, não facultativa para os moldes do processo em nossa sociedade, restando apenas aparência de conflito de normas e princípios ligados ao tema. Vale destacar: a amplitude dos poderes instrutórios em questão tem respaldo nos escopos do processo, nos valores sócio-constitucionais, e, portanto, na pacificação social, considerada de forma concreta.

Convém lembrar que a busca pela verdade real é um princípio que, embora deva estar presente a todo momento no curso processual, não é, muitas vezes, capaz de obter o resultado desejado, isto é, alcançar a verdade real. Entretanto, como dito, tal princípio deve estar presente em todos os aspectos do processo: desde a produção de provas, à interpretação adequada das provas produzidas (e da motivação de não terem sido produzidas), até a aplicação das regras de julgamento.

Somente após o esforço na busca pela verdade real deve o processo ser considerado concluso para julgamento e, ainda nesse ponto, o juízo sobre as provas produzidas deve estar em sintonia com as circunstâncias do caso em concreto e com a realidade social.

Também é a busca pela verdade a causa de serem dados amplos poderes instrutórios ao juiz, pois somente com tal amplitude de poderes poderia o direito processual resguardar seus escopos, especialmente o da justiça material.

Nessa linha de intelecção, conclui-se que, ao invés de servir como fundamento do juízo, obsta o julgamento do mérito a deficiente instrução processual, a não ser que essa corresponda a: requisito objetivo da lide (como juntada de peça processual); meios de prova que dependem exclusivamente de quem tem, concomitantemente, interesse e condição de produzi-la; ou, ainda, a excessiva dificuldade de produzir prova por qualquer parte.

Significa dizer que, sempre que possível a colheita de determinada prova ou informações relevantes, antes de assim ser feito, não é coerente com a sistemática processual que seja julgado o mérito, devendo a regra (de julgamento) do ônus da prova ser utilizada apenas quando desconhecidos (pelo julgador) os meios viáveis de prova e a tentativa de conhecê-los.

Nesse contexto, o contraditório tem a fundamental importância de assegurar que as partes tenham oportunidade de se manifestar no processo, legitimando, assim, a tese de poderes instrutórios amplos do órgão judicial.

Entrementes, ainda que amplos sejam os poderes instrutórios do juiz, tem o advogado indispensável função para a administração da justiça, não apenas quanto ao conhecimento dos institutos jurídicos e manejo dos direitos em interesse, mas, de igual importância, para a comprovação e esclarecimento dos fatos e, assim, viabilizar uma justa decisão pelo magistrado.


REFERÊNCIAS

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. A garantia do contraditório na atividade de instrução, Revista de Processo, São Paulo, v. 35, p. 231, jul. 1984.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. O juiz e o princípio do contraditório. Revista de Processo, São Paulo, v. 71, p. 31, jul. 1993.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prova – Princípio da verdade real – Poderes do juiz - Ônus da prova e sua eventual inversão – Provas ilícitas – Prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (DNA). Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 17, p. 9, jan. 2004.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 55. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 1.


Notas

1Tal entendimento pode ser verificado, por exemplo, em: ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel: Novo curso de processo civil, v.1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 451. DIDIER JR, Fredie: Curso de direito processual civil, v.2, Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 85. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini: Teoria Geral do Processo, 22 ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 72. CÂMARA, Alexandre Freitas: Lições de direito processual civil, v. 1, São Paulo: Atlas, 2014, p. 174. THEODORO JÚNIOR, Humberto: Prova – Princípio da verdade real – Poderes do juiz - Ônus da prova e sua eventual inversão – Provas ilícitas – Prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (DNA), Revista de Direito Privado, vol. 17, p. 9, jan. 2004. MOREIRA, José Carlos Barbosa: O problema da "divisão do trabalho" entre juiz e partes: aspectos terminológicos, Revista de Processo, v. 41, p. 7, jan. 1986. Outros doutrinadores entendem ser amplos, em regra, os poderes instrutórios do juiz, sendo exceção apenas os casos em que as partes possuem mesma suficiência econômica e técnica. Dentre esses: MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno, v.1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 238.

2Em relação ao tema, merece destaque o julgamento do Agravo em Recurso Especial Nº 201.310 - PE (2012⁄0141937-0) do STJ, em que são citados diversos precedentes e, em síntese, assevera que "ainda que as partes não tenham requerido produção de provas, mas sim o julgamento antecipado da lide, se esta não estiver suficientemente instruída, de sorte a permitir tal julgamento, cabe ao juiz, de oficio, determinar as provas necessárias à instrução do processo".

3Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

4Tal hipótese evidentemente fere de morte a filosofia autorizada: “Como explica HABERMAS, 'a razão comunicativa distingue-se da razão prática por não estar adscrita a nenhum ator singular nem a um macrossujeito sociopolítico. O que torna a razão comunicativa possível é o medium lingüístico, através do qual as interações se interligam e as formas de vida se estruturam. Tal racionalidade está inscrita no telos lingüístico do entendimento, formando um ensemble de condições possibilitadoras e, ao mesmo tempo, limitadoras'. Aqui, a razão não é buscada apenas no íntimo do sujeito cognoscente, mas na argumentação, baseada no relacionamento humano — o que traz o aporte de elementos outros, que não apenas o conhecimento 'científico', tal como da moral e a história” (ARENHART, 2005, p. 15).

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Sobre o autor
Guilherme Nunes

Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Bahia – UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Guilherme. Poderes instrutórios do juiz e a justiça material.: Quem deve ser impecável, o direito processual ou o advogado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5154, 11 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59395. Acesso em: 26 abr. 2024.

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